SEXTA, 26 DE OUTUBRO DE 2018
Têm todos o mesmo e forte traço comum, qualquer que seja o rótulo colado às suas políticas, mais ou menos violentas conforme as circunstâncias. Nada os faz recuar, mesmo os crimes mais hediondos.
Vivem-se os tempos sombrios do capitalismo pós-democrático em que o fascismo nas suas variantes, em que a comunicação social estipendiada, eufemisticamente vai nomeando como radicalismo de direita, extrema-direita e outras etiquetas para travestir e edulcorar a realidade, que irrompe para demonstração cabal do que sempre foi: o sistema a que as forças mais reaccionárias recorrem para assegurar os seus interesses quando as crises se agudizam e os ameaçam. Actual continua a caracterização que Gyorgi Dimitrov fez do fascismo como «a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro» para «assegurar no sentido político o êxito da ofensiva do capital, da exploração e do saque das massas populares pela minoria capitalista e garantir a unidade da dominação dessa minoria sobre a maioria popular».
Diz um personagem do filme de João César Monteiro, Le bassin de John Wayne: «hoje os novos fascistas apresentam-se como democratas». Os novos fascistas dispensam um partido abertamente fascista, os uniformes fascistas, a mística fascista dos anos 1930. A ascensão do fascismo pelas portas travessas de um populismo de direita foi traçada nos princípios do século XX pelo niilismo de Nietzche e Heiddeger, que teorizaram e deram consistência ao conceito de niilismo, cuja consequência real política foi, quer se reconheça ou não, o nazismo. Nos nossos dias vive-se num estado de niilismo democrático que é uma consequência direta do aparecimento de uma profunda crise de representação política em todo o Ocidente em que as lutas tendem a perder identidade e se fragmentaram nas lutas ditas fracturantes. Para isso suceder foi fulcral a concentração dos media em grandes grupos comandados pelos plutocratas e pela emergência esmagadora do poder das redes sociais, que permitem – na definição inigualável de Umberto Eco – a ascensão do «idiota da aldeia à condição de oráculo».
O comando à distância é o do Poderoso caballero don Dinero, como escreveu no século XVII, Francisco de Quevedo. O complexo vitamínico dos trump’s, lepen’s, salvini’s, bolsonaro’s, duterte’s, orban’s, erdogan’s, netanyahu’s, macri’s, saud’s e filhotes – a lista está incompleta e não pára de crescer –, ajusta-se em cada um às realidades em que evoluem mas tendo todos o mesmo e forte traço comum: são fascistas, qualquer que seja o rótulo que se cole às suas políticas, sejam mais ou menos violentas em conformidade com as circunstâncias. Nada os faz recuar, mesmo os crimes mais hediondos. São vidas exemplares como João Abel Manta as retratou no contexto do fascismo-salazarista, num cartoon de leitura universal.
Jason Stanley, professor de Filosofia em Yale e autor de How Fascism Works, sublinha como «a ideia no fascismo é destruir a política económica (…) os empresários alinham com os políticos que usam tácticas fascistas porque tentam desviar a atenção das pessoas das forças reais que causam a genuína ansiedade que elas sentem». O fascismo actual subverte os regimes tradicionais de uma democracia em bancarrota, favorecendo as oligarquias burguesas porque a função do fascismo é salvar o capitalismo, até se possível modernizá-lo, um eufemismo da mesma lavra das reformas estruturais, aumentando a exploração, favorecer os consórcios transnacionais em conluio com os burgueses locais seus associados para, em última análise salvar e consolidar a hegemonia política e militar do imperialismo norte-americano em crise internacional.
É ameaçador e inquietante este nosso mundo? É, merece reflexões mais profundas para que a resistência adquira espessura e não se deixe iludir ou se enrede em tergiversações que ocultam a realidade sob o peso de um pensamento inutilitário, mesmo o mais bem intencionado, que é outro dos traços destes tempos pós-modernos.
Últimas sessões do DOC Lisboa
A cultura é uma das trincheiras da resistência. É de muitas e de múltiplas formas, das mais imediatas às mais oblíquas. Não deixe de ficar inquieto e atento mas vá às últimas sessões do 16.º DocLisboa, cuja edição de 2018 se prolonga até 28 de Outubro. Nas ligações seguintes pode encontrar a programação dos dias 26, 27e 28, para todas as salas.
A organização honrou a sua independência ao recusar pressões de duas embaixadas – da Ucrânia e da Turquia – «para retirar filmes do seu programa, ou rever textos nos seus materiais».
Em causa, segundo um comunicado do DocLisboa, «um filme da Competição Internacional e textos relativos ao foco Navegar o Eufrates – Viajar no Tempo do Mundo». A APORDOC-Associação pelo documentário, não «tem memória de tal ter acontecido antes» e vê – e muito bem – estas tentativas de interferência «como um sinal preocupante».
Muitos são os filmes ainda a ver. Não perca Partisan,de Frank Castorf, director do teatro berlinense Volksbühne desde o início dos anos 1990 que, considera o teatro «o derradeiro insurgente», e realiza um filme que acompanha a sua produção de despedida de Fausto, espreitando a casa de máquinas desta fábrica teatral.
Ou Plan, de Steve Sprung – exibido em estreia mundial no DocLisboa –, que relata o drama, de há 40 anos, de um grupo de engenheiros qualificados a enfrentarem a crise, a austeridade e a ameaça de encerramento da fábrica onde trabalhavam. Responderam com um plano radical, desenhando vários produtos socialmente úteis, sustentáveis e pró-ambientais em alternativa ao armamento militar que a fábrica produzia. Este filme atreve-se a perguntar como poderia ser hoje em dia a nossa vida, se o plano dos trabalhadores da Lucas Aerospace Ltd. não tivesse sido obstruído.
De grande actualidade no Brasil, ameaçado por Bolsonaro e capangas, Alma Clandestina, de José Barahona, que conta a história de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, activista política que lutou contra a ditadura brasileira, sido presa e torturada. Já hoje sexta-feira, 26, às 21 e 30, no Cinema São Jorge. Além destes outros filmes a ver, consulte o programa.
VÍDEO
Cinema em Serralves
Noutro plano, em Serralves, no Porto, Pedro Costa: Companhia. Filmes esteticamente deslumbrantes aqui mostrados em interacção com outros artistas. Com o escultor Rui Chafes, o fotógrafo Paulo Nozolino e os cineastas Danièle Huillet, Jean-Marie Straub e Chantal Akerman. Por outro lado, são resgatadas obras de arte que, de alguma forma, marcam presença nos filmes do realizador – do poeta Robert Desnos, dos fotógrafos Jacob Riis e Walker Evans, dos pintores Pablo Picasso e Maria Capelo, ou de realizadores como Robert Bresson, António Reis, John Ford, Jacques Tourneur e Jean-Luc Godard.
Tudo se funde numa exposição que funciona como homenagem a um dos maiores realizadores portugueses contemporâneos, com coordenação de Filipa Loureiro e Marta Almeida, e arquitectura de José Neves. A exposição de Pedro Costa em Serralves é acompanhada por um pequeno ciclo, onde são exibidos os filmes O Nosso Homem / Cavalo Dinheiro; Casa de Lava; Juventude em Marcha e No Quarto da Vanda.
Exposições imperdíveis no Museu do Neo-Realismo e na Galeria Valbom
Duas exposições imperdíveis. No Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, assinalando o seu décimo-primeiro aniversário, foi inaugurada a 20 de Outubro e permanece até 3 de Março de 2019 a exposição Portinari em Portugal. A curadoria ficou a cargo Raquel Henriques da Silva e de Luísa Duarte Santos. A exposição encontra-se no piso 1 do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, e tem visitas guiadas pela curadora Raquel Henriques da Silva.
Portinari em Portugal é também um título de um texto do autor sobre a exposição, publicado pno seu blogue, o Praça do Bocage, de que aqui se dá ligação.
Na Galeria Valbom, em Lisboa, apresenta-se até 10 de Novembro a exposição Manta 90/40, celebrando, nas palavras da Time Out, os «90 anos de vida de João Abel Manta – um dos mais importantes artistas gráficos portugueses – e os 40 anos da edição de Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar»
Também aqui se remete o leitor para o texto João Abel Manta, o Rigor da Ironia, publicado no mesmo blogue, ambos os textos a inscreverem-se na resistência a estes nossos tempos de danação.
Brecht em Almada ou a bondade em tempos de falência moral
Em Almada, no Teatro Municipal Municipal Joaquim Benite, A Alma Boa de Sé-Chuão de Brecht, numa encenação de Peter Kleinert que sublinha a actualidade do genial dramaturgo, estará em cena até 11 de Novembro.
Os três deuses que procuram encontrar em Sé-Chuão uma boa alma, irrompem pelo palco com essas malas de viagem rolantes que enchem as cidades de um ruído que parece querer identificar intensa actividade turística. Os fatos impecáveis dessas
entidades divinas, o seu estatuto de observadores, que lavam as mãos rejeitando qualquer responsabilidade sobre a escassez de boas almas numa sociedade dominada pelo egoísmo, a corrupção, a exploração e a ganância, em que uns poucos gozam as suas posses, direitos e privilégios e outros, a esmagadora maioria, vivem na exclusão, opressão, discriminação e escravatura.
A parábola teatral de Brecht, as reflexões de Brecht sobre o que pode a bondade em tempos de falência moral, em que tudo à volta está a saque, o que pode a firmeza ética perante o descalabro e o desmando colectivo, tornam-se actuais com esta encenação em que é clara a alusão dos três deuses às troikas que visitam, a mando do grande capital, países em crise económica com a indiferença tecnocrática para quem as pessoas são activos financeiros de um mundo perverso em que as boas almas ardem porque nesse mundo os direitos não são iguais para todos, são sempre o direito dos mais fortes à liberdade. A não perder este Brecht que sem viver nestes nossos tempos o antecipa, o que torna as suas peças intemporais e sempre actuais.
Com interpretação de Beatriz Godinho, Érica Rodrigues, Inês Garrido, João Tempera, Miguel Raposo, Pedro Melo Alves, Rita Cabaço e Tomás Alves. Cenografia: Céline Demars. Figurinos: Ana Paula Rocha. Desenho de luz: Guilherme Frazão.
abrildenovomagazine.wordpress.com
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