Publicámos em 24 de Setembro as páginas iniciais de um notável relatório sobre a situação social e democrática nos EUA. O relator, Philip Alston, é o mesmo de um novo relatório da ONU sobre as consequências sociais e humanas da vaga de privatizações de serviços públicos que percorre o mundo inteiro. Um importante documento que, vindo de onde vem, não pode ser lido apenas como mais um grito de alerta. A mercantilização pelo capitalismo de todos os direitos dos povos é outra prova da sua radical oposição à própria humanidade.
Segundo um novo relatório, a privatização generalizada de bens públicos em numerosas sociedades vem eliminando sistematicamente garantias de protecção de direitos humanos e aumentando a marginalização dos que vivem na pobreza.
Philip Alston, o Relator Especial da ONU sobre questões da pobreza extrema e dos direitos humanos, criticou a escala a que o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e mesmo a própria ONU promoveram de forma agressiva a generalizada privatização de serviços públicos, sem qualquer contemplação pelas implicações e consequências que essa orientação acarreta para os pobres.
Criticou também grupos de defesa dos direitos humanos por não enfrentarem com a firmeza necessária os desafios que resultam dessa situação.
“A privatização dos sistemas de justiça, protecção social, prisões, educação, cuidados básicos de saúde e outros bens públicos essenciais não pode ser efectivada à custa da deitar pela janela fora a protecção dos direitos,” disse Alston.
“Os Estados não podem eximir-se às suas obrigações relativas aos direitos humanos por meio da delegação de serviços e funções essenciais a empresas privadas em termos que sabem irem cercear esses direitos a algumas pessoas.”
Notou que enquanto “ao mesmo tempo que os candidatos a essas privatizações apresentam a privatização como uma solução técnica para gerir recursos e reduzir défices fiscais, esta tornou-se efectivamente uma ideologia da governação que desvaloriza os bens públicos, a compaixão e um leque de outros valores que são essenciais a uma sociedade decente.”
“Enquanto os que propõem as privatizações insistem em que elas poupam dinheiro, aumentam a eficiência, e melhoram serviços, o testemunho do mundo real frequentemente desmente ou contradiz tais afirmações,” disse Alston.
A privatização fundamenta-se em critérios que são fundamentalmente diversos dos que sustentam o respeito pelos direitos humanos, tais como a dignidade e a igualdade, disse. A privatização toma inevitavelmente o lucro como prioridade, e marginaliza considerações tais como a igualdade e a não-discriminação.
Os detentores de direitos são convertidos em clientes, e os que são pobres, necessitados ou sob pressão são marginalizados ou excluídos. Os critérios dos direitos humanos estão ausentes de praticamente todos os acordos de privatização, que raramente incluem o acautelar de um escrutínio prolongado do seu impacto na prestação do serviço aos pobres.
“Os mecanismos existentes para a verificação do cumprimento dos direitos humanos são claramente inadequados para lidar com os desafios de uma privatização generalizada e de grande escala,” disse Alston.” A comunidade dos direitos humanos não pode continuar a ignorar as consequências da privatização e necessita de reconsiderar radicalmente a sua forma de abordar a questão.”
Os actores dos direitos humanos deveriam começar por reclamar a autoridade moral e reafirmar o papel central de conceitos como igualdade, sociedade, interesse público, e responsabilidade partilhada, ao mesmo tempo que devem opor-se a que a privatização seja, à falta de alternativa, a estratégia seguida. “A comunidade dos direitos humanos necessita de desenvolver novos métodos que entrem sistematicamente em confronto com as implicações alargadas da privatização generalizada e garantam que os direitos humanos e o escrutínio público estejam no centro dos processos de privatização,” disse Alston.
Parecem não existir limites para aquilo que os Estados têm privatizado, disse. Instituições públicas e serviços no mundo inteiro têm sido apropriados por empresas privadas dedicadas a lucrar com parcelas-chave dos sistemas de justiça e prisões, a ditar prioridades e estratégias educacionais, a decidir que irá receber cuidados de saúde e protecção social, e escolhendo que infra-estrutura irá ser construída, onde e para quem, frequentemente com severas consequências para os mais marginalizados.
“Existe um risco real de que as vagas de privatização já verificadas sejam em breve seguidas por um verdadeiro tsunami,” disse Alston.
A privatização da protecção social conduz frequentemente a uma focalização em preocupações de eficiência económica que visam minimizar o tempo gasto por cliente, em encerrar processos mais cedo, em gerar pagamentos sempre que possível, e privilegiar os de maiores rendimentos, marginalizando os de menores recursos e problemas mais complexos.
Philip Alston (Austrália) assumiu as funções de Relator Especial sobre pobreza extrema e direitos humanos em Junho de 2014. Na qualidade de Relator Especial integra o que é conhecido com os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos.
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