Perguntas do PCP
  1. Que medidas e acções tem esse Ministério vindo a desenvolver no sentido de verificar se são cumpridos os procedimentos legais e regulamentares sobre segurança na operação deste Porto, e que acções vai desenvolver no sentido da correcção dos problemas agora levantados?
  2. Que medidas vai adoptar o Governo no sentido de combater a precariedade e reduzir o número de eventuais no porto de Setúbal, bem como de promover a sua passagem aos quadros das empresas onde trabalham diariamente há muitos anos?
Respostas do Gabinete da Ministra do Mar
[…] o Ministério do Mar, por via da APSS, SA – Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, tem conhecimento da situação específica existente neste porto, e que resulta da verificação de um número significativo de trabalhadores que estão associados a empreiteiros, com os quais têm o seu vínculo laboral. Estas empresas, que têm maquinaria e equipamentos próprios, desenvolvem a sua actividade nalguns terminais portuários, estando os seus trabalhadores associados às empresas de trabalho portuário (ETP’s), em listas de controlo de acessos às referidas áreas, de acordo com informação prestada pelas ETP’s.
Existe uma nova figura de contratação. Trabalhadores “associados” a empreiteiros, os quais se encontram cumulativamente “associados” às ETP’s (Empresas de Trabalho Portuário) através de “listas de controlo de acessos às referidas áreas”. Mais abaixo na resposta, estes elementos (48+101=149) são denominados “trabalhadores de empreitada”. Que figura barroca é esta?
Este quadro resume o cenário de mão-de-obra existente no Porto de Setúbal, donde se extraem algumas conclusões interessantes:
  1. A ETP Operestiva, sem contar com o recurso adicional a 48 trabalhadores “associados a empreiteiros”, “contrata” um total de 106 trabalhadores, representando os 92 eventuais, 86,79% deste total.
  1. A ETP Setulset, sem contar com o recurso adicional a 101 trabalhadores “associados a empreiteiros”, “contrata” um total de 84 trabalhadores, representando os 62 eventuais, 73,81% deste total.
  1. As duas ETP’s, sem contar com o recurso adicional a 149 trabalhadores “associados a empreiteiros”, “contratam” um total de 190 trabalhadores, representando os 154 eventuais, 81,05% deste total.
  1. As duas ETP’s, contando com o recurso adicional a 149 trabalhadores “associados a empreiteiros”, “contratam” um total de 339 trabalhadores, representando os 303 não permanentes, 89,38% deste total.
Ou seja, no que respeita aos trabalhadores cedidos pelas ETP’s, qualquer que seja o método utilizado no comparativo do respectivo universo, os trabalhadores precários representam uma percentagem compreendida entre 74% e 90%, valores arredondados.
Pela inversa, os quadros próprios das empresas de estiva, entidades responsáveis pela direcção técnica das operações de movimentação de cargas nos portos, estão reduzidos a números insignificantes e ridículosno conjunto do trabalho com recurso a mão-de-obra intensiva que desenvolvem, sendo mais concretamente constituídos por 1, 1, 3 ou 4 trabalhadores permanentes.
O Ministério do Mar, numa inverosímil, desajeitada e falaciosa intensão de justificar a enorme precariedade referida, que se arrasta há décadas, como se constata com uma total impunidade resultante da cobertura oficial que recebe, escreve então que:
O volume de carga movimentada no porto de Setúbal foi, em 2017, de 6,9% do total dos portos nacionais, não tendo, portanto, dimensão para absorver um tão elevado número de mão-de-obra de forma permanente.
De que raio de premissas parte o Ministério do Mar para retirar estas conclusões absolutamente branqueadoras da absurda precariedade que infesta o porto de Setúbal? Quando refere que o porto não tem “dimensão para absorver um tão elevado número de mão-de-obra de forma permanente” a que número se refere? Aos 154 contratados ou aos 303 (154 contratados acrescidos dos 149 “trabalhadores de empreitada”)? Mas, se o porto, eventualmente, não tem dimensão para absorver um número tão elevado (repetimos, qual?) então que número tem dimensão para absorver? O SEAL concluiu, a partir de um estudo baseado em dados oficiais fornecidos pelas empresas, que o porto comportaria, no mínimo, um universo adicional de 93 trabalhadores com contrato sem termo. Como é possível o Ministério do Mar responder em negação das evidências, sem qualquer referência a um número, ainda que meramente indicativo, quando teria acesso a todos os números que o SEAL teve, bem como a muitos mais, que, analisados, conduziriam a conclusões semelhantes?
Refira-se, a título de exemplo, que o porto de Sines, sendo responsável por mais de 50% da carga movimentada no país por via marítima, integra cerca de 600 trabalhadores, dos quais cerca de 75% têm contrato a termo.
Cereja em cima do bolo, o Ministério do Mar, para comparar o porto de Setúbal, escolhe cirurgicamente o conveniente porto de Sines. O problema é que a comparação parte de premissas deliberadamente falsas, que passaremos a desmontar.
  • Comparar volumes de carga para retirar conclusões sobre os contingentes de mão-de-obra adequadas a tais operações é do mais falacioso que se pode fabricar. Primeiro, estamos a comparar unidades de carga ou tonelagens movimentadas? As tonelagens pouco significam mas, no que respeita a tipos de carga movimentada, Sines é um porto que movimenta essencialmente contentores quando Setúbal, para além de contentores, movimenta muitos outros tipos de carga, desde granéis até carga geral, nomeadamente fruta, gado vivo, produtos siderúrgicos e veículos automóveis, e é do conhecimento geral, pelo que a tutela não o pode desconhecer, que muitas destas cargas obrigam a uma utilização bastante mais intensiva de trabalhadores.
  • Se o contingente de trabalhadores apontado para o porto de Sines correspondesse à verdade estaria validado o comparativo. Se, para um total de 600 trabalhadores em Sines, 75% (450) fossem detentores de contratos a termo, essa percentagem estaria compreendida no intervalo verificado para as ETP’s de Setúbal (entre 74% e 90%). E estaríamos a falar, em Sines de uma relação de 1 trabalhador com contrato sem termo para 3 trabalhadores contratados a prazo. Nada mais longe da realidade. A verdade é que é totalmente falso existirem apenas 600 trabalhadores no porto de Sines. O dobro, ou seja, 1200 trabalhadores constituirão realmente esse contingente total, segundo as informações dispersas que conseguimos recolher. Segundo as mesmas informações, os trabalhadores contratados a prazo andarão na ordem dos 300, ou seja, constituirão cerca de 25% (e não 75%) do contingente total. Lidos estes números de outra forma, não existem no porto de Sines 3 trabalhadores contratados a prazo para 1 trabalhador contratado sem termo, mas exactamente o contrário, ou seja 1 trabalhador contratado a prazo para cada 3 trabalhadores contratados sem termo. Foram necessários 18 meses à tutela do Mar para alcançar estas conclusões invertidas e convenientemente falsas e assim responder a deputados eleitos para a nossa casa da democracia?
  • Acresce que o porto de Sines, embora maioritariamente com salários de miséria, celebra contratos anuais a prazo, os quais, passados dois anos, se convertem, normalmente, em contratos sem termo, enquanto em Setúbal, para além do universo restrito de trabalhadores com contratos sem termo, apenas existem contratos temporários ao turno/dia que, nem passadas duas décadas de trabalho continuado e, em muitos casos, de 30 e mais turnos mensais, deixam de ser temporários, para aqueles que conseguem sobreviver nas listas, caso se comportem bem.
  • A comparação com Lisboa seria muito mais adequada, pela similitude e relação entre os “volumes” e tipos de carga (mais contentores e granéis em Lisboa, mais automóveis e outros tipos de carga geral em Setúbal) para se poder extrapolar algo minimamente coerente relativamente ao contingente de mão-de-obra adequado para o porto de Setúbal. A acreditar nos quadros publicados pela AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes intitulado “ACOMPANHAMENTO DO MERCADO PORTUÁRIO – Relatório de Dezembro de 2017 (Versão revista), donde certamente foi retirada a percentagem de 6,9% de volume de carga movimentada no porto de Setúbal relativamente ao total nacional, encontramos a percentagem de 12,7% relativa ao volume de carga movimentada em Lisboa, ou seja, Setúbal tem um pouco mais de metade da percentagem de Lisboa. Então, se o governo estivesse de facto contra a precariedade que, afinal, pretende branquear com esta resposta, concluiria que se em Lisboa – onde lutamos há décadas contra a precariedade, com resultados visíveis – existem cerca de 280 estivadores com contratos sem termo e 30 estivadores com contratos temporários, o porto de Setúbal comportaria perfeitamente 140/150 estivadores com contrato sem termo e não os ridículos 45 que integra, actualmente.
Encontra-se previsto para breve o início de negociações entre o sindicato representativo dos trabalhadores e as entidades patronais, que se julga ser a sede própria para análise e eventual solução relacionada com a questão da precariedade.
  • A contratação colectiva do SEAL vai resolver? Para breve? Vamos certamente alcançar um entendimento nesta matéria, mas nem sequer a questão das admissões é uma resultante directa da contratação colectiva. E, já agora, em que parte das competências descortinamos o papel regulador e fiscalizador do Estado, através do seu concessionário, o governo? Se o governo tem acesso aos dados resultantes do trabalho efectuado, quanto mais não seja pela colecta de impostos e taxas entregues nas Finanças ou na Segurança Social, facilmente concluiria que há dezenas de trabalhadores que há décadas trabalham de forma regular e continuada 20, 30 ou até 40 turnos mensais. Concluindo, se não fosse o SEAL, que muitas vezes tem que avançar para a greve para combater esta precariedade – que os governos decretam, mas que depois, cobardemente, ignoram ou até branqueiam, como é o caso vertente – andaríamos mais umas décadas, até à eternidade talvez, a assistir ao ampliar da precariedade no porto de Setúbal?
Relativamente às condições de segurança na operação…
A partir daqui temos 4 parágrafos sobre a segurança, blá, blá, blá… De assinalar a preciosidade da afirmação de que os equipamentos, por serem subalugados, estão sempre a ser substituídos por equipamentos em óptimas condições. Esta gente que desconhece a realidade não sai do gabinete para a verificar no terreno?
Conclusão
O Ministério do Mar demorou um ano e meio a responder ao PCP, a deputados eleitos da Assembleia da República.
Realmente não é fácil elaborar, com tantos requintes, uma mentira pegada desta dimensão, apenas para branqueamento e manutenção da vergonhosa e extrema precariedade vivida há décadas no porto de Setúbal.
A DIRECÇÃO DO SEAL

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