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terça-feira, 23 de outubro de 2018

A fuga de Bolsonaro


Fonte: Valores apurados com base em dados do INE


O candidato da extrema-direita está assustar aqueles que não votam nele, mas - curiosamente - também assusta aqueles que dizem apoiá-lo.

Vai se conhecendo cada vez mais casos de pessoas da classe média brasileira que já chegaram a Portugal e que afirmam votar Bolsonaro, mas que acham que a situação no país é tão insustentável que preferem abandonar o país e vir viver para a Europa. Na semana passada, os pedidos de nacionalidade portuguesa de residentes no Brasil entupiram o consulado português de S.Paulo, ao subir 30% face ao mesmo período de 2017. Esta fuga está a gerar anti-corpos em Portugal: essas pessoas procuram as vantagens de um Estado Social (com educação, saúde, transportes, segurança, etc.), em muitos casos sem que tenham descontado para ele - porque vivem em Portugal de rendimentos gerados no Brasil - embora estejam contra a consolidação de um Estado Social no Brasil.

O que se está a passar? 

Ver-se-á de que forma um buraco na lei lhes dá uma vantagem que os faz evitar trabalhar durante cinco anos em Portugal para conseguirem ser portugueses na plenitude dos seus direitos. 

Número de pedidos: 

Sim, é verdade, o número de pedidos de nacionalidade por brasileiros está a subir. No total dos dez anos de 2008 a 2017, foram apresentados 248,7 mil pedidos de nacionalidade e desses 69 mil foram de brasileiros. 

Se bem que, na última década, o número de pedidos em cada ano se manteve mais ou menos estável, assiste-se a uma subida dos pedidos por parte de brasileiros e asiáticos, enquanto cai o dos naturais dos PALOPs e da Europa. 

Em 2008, o Brasil representava apenas 23% dos pedidos de nacionalidade. Esse valor manteve-se até 2014. A partir daí, a coisa explodiu. Em 2017, eram já 38%, bem acima dos pedidos de nacionalidade dos PALOPs (28%). Verifica-se igualmente uma subida dos pedidos asiáticos (de 5,6% em 2013 para quase 10% em 2017). 
Número de pedidos concedidos: 

Nos dez anos de 2008 a 2017, foram concedidos 24,7 mil dos 248,7 mil pedidos de nacionalidade feitos (9,9%). A taxa de aceitação seguiu de perto o ciclo económico: sofreu uma queda abrupta em 2009 (6,9%), registou uma melhoria até 2012 (12,8%), sofreu nova queda abrupta até 2014 (6,1%) e manteve-se nesse baixo nível desde aí à excepção de 2015 (10,4%, influenciado pelos pedidos asiáticos). 

Esta redução da percentagem de aceitação de pedidos verificou-se em todas as áreas de residência de quem pediu, incluindo os brasileiros. Portugal parece estar a apertar bastante as regras de aceitação.

Mas haverá mesmo uma "regra"que é igual para todos? 

Razões de aceitação dos pedidos: Aqui é forçoso entrar nas razões que a lei prevê para a concessão da nacionalidade portuguesa. A lei da nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de Outubro) que já foi alterada dez vezes, a última das quais este ano (Lei orgânica 2/2018 de 5 de Julho) estabelece diversas formas de ver aceite o pedido de nacionalidade. 

Há uma nacionalidade originária que decorre das relações das relações familiares com portugueses e que é quase imediata; há uma nacionalidade adquirida (por filiação ou casamento); há uma nacionalidade por naturalização (em que se inserem todos os estrangeiros, a qual é concedida ao fim de cinco anos de residência legal, regra que se estende aliás aos seus filhos, que, apesar de nascerem em Portugal, apenas lhes será concedida nacionalidade caso os pais já sejam portugueses...o que só se verifica ao fim de cinco de trabalho).

Ora, o que acontece? Quais as principais razões por que se tornam os estrangeiros portugueses?
Metade dos pedidos ainda são de cidadãos estrangeiros que tiveram de trabalhar pelo menos cinco anos para conseguir ser portugueses. 

A segunda maior razão é por casamento com quem já seja cidadão português pelo menos há mais de três anos. Junta-se a estas razões uma fatia de dez por cento que são os filhos daqueles que se tornaram portugueses. Ou seja, para quase quatro em cada cinco dos pedidos dos últimos dez anos, houve um esforço de enorme espera para serem portugueses.

Mas em compensação verifica-se agora uma ascenção rápida de quem tenha descoberto que, afinal, é descendente de portugueses e, sem dificuldades de maior, consegue a nacionalidade. Foram 3,3% em 2008, mas são já 6,4% em 2017. Este é um facto que convinha ter em atenção porque decorre da própria lei. Apesar de os brasileiros serem estrangeiros como todos os outros - no sentido de não terem laços com as comunidade portuguesa - poderão beneficiar de uma pequena janela. 

Como? Por incrível que pareça trata-se de uma medida que fora chumbada em 2006 e que voltou a ser adoptada em consonância com o governo Passos Coelho, por iniciativa do PSD, que estava preocupado com os netos de descendentes que, por inércia dos pais, não conseguiam ser portugueses.

O projecto iria ter uma longa vida.  Deu entrada em Março de 2013 e, depois de muitos pareceres e propostas de alteração, foi votado em 2015, já na recta final do governo PSD/CDS. O PS fez introduzir que a concessão de nacionalidade obrigava a uma efectivos laços à comunidade portuguesa e que esses laços passassem pelos "contactos regulares com o território português", a qual ficou na lei.  

 Diz a alínea d) do artigo 1º, relativo à nacionalidade originária estabelece-se que, para ser “português de origem” aqueles 
“indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional”.

É, pois, uma conjugação de vários motivos que se tem de verificar, mas que na realidade, basta que encontrem um avô nas berças. Ninguém vai fiscalizar se têm vindo a Portugal visitar os avôs perdidos algures. É muito interessante para quem entra no site da Hemeroteca de Lisboa ver quais os comentários ou pedidos feitos e que dão uma ideia do que se anda a procurar: “Gostava de saber se tenho família no Brasil, o meu avô José Homem Rodrigues emigrou em 1909 e regressou em 1937.”

Ou seja, pessoas completamente ao lado do espírito do legislado, que procuram uma porta de entrada, à viva força, conseguem com este expediente supostamente “de sangue” evitar um período de cinco anos de trabalho e de contributo para o Estado português. Mas quem nasça hoje em Portugal vai ter de esperar que os seus pais sejam portugueses para beneficiar da nacionalidade.  



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