Quando hoje ainda madrugada li as capas dos jornais, como costumo sempre fazer antes de me pôr a adormecer, deparei-me com a do “I” e a minha primeira reacção foi vociferar um “não acredito”.
É que o referido pasquim traz na sua primeira página e em parangonas uma frase retirada de uma entrevista dada por Pedro Ferraz da Costa, antigo patrão dos patrões (CIP) e agora presidente do Forum da Competitividade, em que afirma esta coisa extraordinária: “As empresas não conseguem contratar porque as pessoas não querem trabalhar”.
E mais abaixo, ainda na primeira página, mais uma pérola retirada da referida entrevista: “É preciso gente nova. Qualquer dia as empresas são lares da terceira idade”.
Fiquei tão danado, tão danado, que me esqueci do sono, pois de outro modo iria remoer toda a noite e dormir era coisa que não aconteceria, e fui logo escrever umas notas, aquelas que me saltaram de imediato à mona, para que aquele sentimento de revolta e rejeição não se desvanecesse e desse lugar à costumada acalmia e ao “deixar para lá” também usual. Mas disse também para comigo: desta vez tens que deixar de parte a ironia.
E passou-me pela cabeça adjectivá-lo de tudo para além de fascista. Esses adjectivos todos que vocês que me estão a acompanhar já adivinham, razão pela qual eu de dispenso de os pronunciar! Mas também porque, num momento de maior lucidez, disse para comigo: é melhor não, pá. Que te adianta tudo isso se o que ele diz não é só ele que o diz e, antes sim, corresponde ao verdadeiro pensar de uma ampla direita retrógrada e saudosista, que tem perante o valor do trabalho e de quem trabalha uma visão puramente provocatória?
É que sendo ele o vigente presidente do Forum para a Competitividade, seja lá o que isso for, adivinham de imediato o que será para ele a competitividade.
É claro que, para eles, a riqueza não deve ser redistribuída, o progresso só se alcança com salários de miséria e um maior crescimento só com austeridade. É assim que ele e eles pensam e não toleram que um governo das Esquerdas esteja a provar o contrário.
Quando afirma essa barbaridade do “as pessoas não querem trabalhar”, e só faltou dizer (não sei se até disse porque não li) que o que querem é viver do rendimento mínimo, enfaticamente “rendimento social de inserção”, eles, no fundo, querem dizer isso mesmo: Têm que trabalhar e receber o rendimento mínimo. Não salário mínimo, mas o rendimento mínimo porque o salário mínimo é demasiado alto. Até o outro Pedro, o tal que vai dar aulas em universidades, o disse!
O que eles não sabem, ou fingem não saber é que, quem o rendimento mínimo recebe, já há muito não consegue trabalhar pois que, mesmo pagando-lhes esse rendimento mínimo, nem assim lhes davam trabalho! São os que tendo 45, 50 anos ficaram sem emprego e depois sem fundo de desemprego e passaram o prazo de validade. Deixaram de contar para coisa alguma, a não ser para as estatísticas do rendimento mínimo garantido.
Mas, como assim, senhor competitivo Ferraz da Costa? Como assim “não querem trabalhar”? Como assim se o Desemprego tem diminuído? Como assim se o Emprego tem sustentávelmente vindo a aumentar de forma líquida? Como assim? É porque as pessoas querem trabalhar, ou não será? E não será também porque muitos empresários, principalmente aqui neste Norte Trabalhador e Exportador, não pensam como os iluminados como V.Exª e outras Exªs como V.Exª? Não será mesmo?
Mas porque razão haverá falta de pessoas (naquela idade válida, estão a ver?), as tais pessoas que V.Exª e mais muitas V.Exªas tanto desejam? É porque quando V.Exª e outras muitas V.Exªs , com a politica suicida que resolveram seguir, provocaram falências em série e despedimentos em massa, mandaram centenas e centenas de pessoas não serem piegas e partirem. Pirarem-se daqui para fora, em suma. Mas foram-se embora daqui para quê? Para irem gozar umas férias? Não, foi para terem trabalho. Para poderem educar os seus e viverem uma vida digna. Foi porque não queriam trabalhar?
V.Exª e outras muitas V.Exªs como V.Exª e que pensam como V.Exª, querem é voltar ao antigamente. Têm imensas saudades desses tempos. Desses tempos em que o trabalho não tinha nem dignidade, nem direitos, nem valor e as pessoas iam trabalhar apenas quando para isso fossem chamadas (colheitas, vindimas, guerra etc. etc…) recebendo apenas uma côdea de recompensa. Ora a isso chamamos nós “fascismo”.
Quanto ao “As empresas parecem lares da terceira idade”, idade onde V.Exª já com certeza está, só um dejeto de gente com o cérebro em estado de profunda demência o poderá afirmar. E corresponde ao que mais degradante alguém poderá pensar quando, ainda para mais, se verifica que a idade limite para a Reforma tem vindo progressivamente a aumentar, isto é, que o direito à Reforma seja cada vez mais tarde. E por pressão e exigência de V.Exª e de muitas V.Exªs como V.Exª.
Mas, supondo que assim não é e que nós é que não sabemos ler, defende então o quê V.Exª? Reformas mais prematuras para extirpar o cancro dos “velhinhos” nas empresas? Já assim infelizmente o é, mas com cortes absolutamente escandalosos nas ditas reformas. Mas o que V.Exª e muitas Exªas como V.Exª querem é despedi-los! Sim, despedi-los! É a tal “reforma estrutural” nas leis do trabalho de que tanto falam. Pois é aqui que está, realmente, o cerne da questão.
V.Exª e todas as V.Exªs como V.Exª o que desejam é a institucionalização da tal “flexibilidade”. A tal que vos permitirá despedir apenas porque assim desejam e invocando os motivos que assim entenderem, tais como: inaptidão, inadaptação, custo do posto de trabalho, extinção do posto de trabalho, falta de rendibilidade, ser de cor, ir muitas vezes fazer xixi etc e muito mais…
Mas com que intuito? Poderem contratar em sua substituição gente a recibos verdes ou com contratos a prazo. Desde logo a preços mínimos e com um prazo limite em que serão dispensados e virão outros para os seus lugares recebendo o mesmo mínimo. É também isto o que vão ensinado as universidades tipo estações do ano, essas onde são formados os quadros políticos da treta e para onde Passos Coelho vai “ensinar”…
Assim como acontece nesses grandes “empreendedores” dos Hipermercados, também dos CTT etc, onde constantemente vemos caras novas e também caras fartas. Estas fartas de ver um rodopio de caras novas e estas, de tão entusiasmadas a princípio, a passarem para um estado de desilusão por finalmente verificarem que aquilo não era um sonho mas um pesadelo. O pesadelo de se verem peças de uma engrenagem diabólica, trituradora e traiçoeira.
Mas, que “chatice”, está a faltar essa tal gente, essa gente que eles queriam em abundância para usarem e manipularem a seu belo prazer. E que, de repente, passou a gente que “não quer é trabalhar”.
Preferem emigrar, não será? E aqui no Norte não há já gente para contratar, sabia? Porquê? Porque estando a economia a crescer, idem as exportações, o turismo, o consumo e coisas mais, o emprego tende a crescer e especialmente nessa faixa etária, essa que desejam contratar. Mas são contratados, como devem ver, se não forem cegos nem surdos.
Mas, por outro lado, toda aquela mole humana que emigrou na sequência das políticas seguidas e apoiadas por V.Exª e todas as Exªas como V.Exªs, a quem disseram para deixarem de ser piegas e mandarem-se à vida, só voltará se a isso for obrigada, pois não quererão voltar para ganhar o tal mínimo que lhes querem oferecer. Estão a ver?
E querem jovens letrados, formados, com mestrados, com doutoramentos até a ganharem o mínimo, esse mínimo que para V.Exª e todas as V.Exªs como V.Exª e como o Prof. Dr. Coelho que isso defende? A terem trabalhos de escravos e ganharem uma côdea?
Não podia V.Exª ter sido mais claro. E mais não digo…
aesquerdadozero.wordpress.com
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