Um email da Autoridade Tributária enviado aos contribuintes com ameaças de multas para quem não limpar os seus terrenos, no âmbito da campanha contra os fogos, está a lançar o “pânico” e a levar alguns proprietários a abaterem até árvores de fruto e de jardim.
Em declarações ao Público, várias fontes lamentam que a “divulgação simplista da lei sobre a limpeza dos terrenos e a ameaça de multas está a levar a que se abatam até árvores de fruto”.
“As pessoas estão a cair no exagero, criou-se o pânico e há quem esteja a arrancar árvores de jardim, são asneiras atrás de asneiras“, nota o presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (Anefa), Pedro Serra Ramos.
O presidente da direcção da Associação Florestal do Vale do Sousa, Américo Mendes, acrescenta ao mesmo jornal que “está tudo em pânico” com o email e com uma lei que deixa espaço para muitas dúvidas.
E o PCP, através do deputado João Ramos, nota na TSF que já foi contactado por idosos assustados com o email das Finanças. Os comunistas acusam, assim, o Governo de estar a lançar um “alarme injustificado”.
Fisco avisa que as multas são a dobrar
No email em causa, o Fisco está a avisar os contribuintes de que têm até 15 de Março para limpar o mato e cortar árvores nas proximidades de casas e aldeias, podendo vir a ser multados se não o fizerem. Este email está a ser enviado a todos os contribuintes, mesmo aos que não detêm terrenos inseridos em espaços rurais.
Na mensagem, o Fisco afirma que “é obrigatório” limpar o mato e cortar árvores 50 metros à volta das casas, armazéns, oficinas, fábricas ou estaleiros, e 100 metros nos terrenos à volta das aldeias, parques de campismo, parques industriais, plataformas de logística e aterros sanitários.
É obrigatório também limpar as copas das árvores quatro metros acima do solo e mantê-las afastadas pelo menos quatro metros umas das outras, e cortar todas as árvores e arbustos a menos de 5 metros das casas e impedir que os ramos cresçam sobre o telhado.
Quem não tomar estas medidas até 15 de Março, pode ser sujeito a multas que “podem variar entre 140 a 5 mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1.500 a 60 mil euros, no caso de pessoas colectivas”, frisa a nota do Fisco, realçando que “este ano são a dobrar”.
No Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), ficou estipulado o regime excepcional das redes secundárias de faixas de gestão de combustível, definindo que a limpeza deve ocorrer até 15 de Março e que as multas serão o dobro, ou seja: até 10 mil euros no caso de pessoa singular e até 120 mil euros no caso de pessoas colectivas.
O decreto-lei 124/2006, de 28 de Junho, que estabelece as medidas e acções a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, define que os “proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível“.
Este ano, e até 31 de Maio, as Câmaras Municipais podem substituir-se aos proprietários na limpeza do mato, sendo que os proprietários são obrigados a permitir o acesso aos seus terrenos e a ressarcir a Câmara do valor gasto na limpeza, recorda o Fisco na citada comunicação.
“Mais um negócio do fogo”
A comunicação do Fisco e a campanha geral que tem sido levada a cabo pelo Governo com vídeos e folhetos está a ser muito criticada por vários especialistas que consideram que o futuro da floresta pode estar em risco.
“Há milhares de árvores em risco de serem abatidas no país desnecessariamente”, alerta o Público, citando fontes que consideram que tudo isto pode ser “pior que os incêndios” para a floresta.
Já Pedro Serra Ramos teme que surja aqui “mais um negócio do fogo”, com empresas a aparecerem dispostas “a cortar tudo, sem qualquer conhecimento técnico”, o que poderá acabar por ser “mais destrutivo que os fogos”, salienta.
“A tendência é para limpar raso e isso vai deixar os terrenos expostos a uma erosão brutal”, lamenta por seu turno o biólogo Nuno Oliveira, também ouvido pelo Público, considerando que há o risco de destruir “espécies autóctones, protegidas, que têm valor patrimonial” e que “vai abrir-se caminho à entrada das infestantes”.
Por outro lado, a própria lei merece reparos e há especialistas que falam em “erros técnicos” que podem até levar a que “cresça mais mato” e a “aumentar a velocidade do vento e a secura, o que irá ajudar as chamas a progredir”, como explica o engenheiro florestal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Paulo Fernandes, ao mesmo diário.
Certo é que proprietários e Câmaras Municipais não têm meios para cumprir a lei atempadamente. E há quem peça uma abordagem diferente ao problema, apelando a que sejam dados incentivos para se proteger a floresta. É isso mesmo que sublinha a petição “Cuidar de quem cuida da floresta” que defende a reapreciação da Lei e a “reorientação das prioridades e dos recursos afectos à política florestal”.
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