Anabela Fino
Os inactivos
A cena mediática nacional é hoje palco privilegiado da actividade frenética a que se dedicam uns espécimes que a si próprios se classificam de inactivos, isto é, dos que dizem «estar fora da vida política activa». De José Miguel Júdice a Santana Lopes, de Marques Mendes a Cavaco Silva, só para citar alguns exemplos, é ver como todos se desunham a perorar sobre os «casos» colocados na ordem do dia pela agenda económica/política/social do capital.
Refastelados nos seus cadeirões de comentadores ou em poses para a posteridades, coloquais uns, mais doutorais outros, todos debitam em nome da democracia sobre os problemas do povo e do País como se estivessem isentos de responsabilidades, quais virgens sem sombra de pecado, e apontam caminhos que a ser seguidos só poderão levar ao desenvolvimento e ao progresso, apesar de terem a particularidade de serem os mesmíssimos trilhados ao longo de décadas com resultados sempre em desfavor dos suspeitos do costume.
Nesta lavandaria self-service, autêntica barrela de passados mais ou menos longínquos, Júdice já não é o antigo fundador do contrarrevolucionário MDLP onde a extrema-direita se acoitou para combater o 25 de Abril, de onde passou para o PSD, partido em que permaneceu até se aproximar do CDS, primeiro, e do PS, depois, em eleições autárquicas, acabando a apoiar Marcelo nas presidenciais. Do mesmo modo, Marques Mendes lixiviou um longo passado como autarca, deputado, ministro de Cavaco Silva (de 1985 a 1995) e de Durão Barroso (2002 a 2004), e dirigente do PSD. Poderíamos continuar por aqui que havia pano para mangas, mas seria ocioso.
O que importa mesmo referir é que estes políticos da política de direita, dizendo não estar no activo, intervêm activamente como fazedores da opinião publicada, seja para falar sobre a «insustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de Segurança Social» ou ameaçar contar o que dirigentes socialistas lhe disseram no passado «sobre o Bloco de Esquerda e o PCP», como fez Cavaco em entrevista recente ao Expresso, seja nos recados semanais transmitidos nos comentários televisivos e replicados depois abundantemente em jornais, revistas e sítios electrónicos. A tónica mais recente, comum a praticamente todos, a propósito do congresso do PSD e até a despropósito, é a entronização da dupla Cavaco Silva / Passos Coelho em que todos parecem agora apostados. Afinal terão sido eles os salvadores da Pátria, o empobrecimento forçado e brutal de milhões de portugueses foi uma forma de progresso, os despedimentos em massa uma inevitabilidade para o crescimento da economia, etc., etc., etc.
Nesta corrida para ver quem lava mais branco, Marques Mendes, que foi ao congresso do PSD «matar saudades», deixa «uma palavra de agradecimento» a Passos Coelho pelo «legado na história do PSD e na história do País», e já anuncia que Luís Montenegro será líder do partido, não se sabe é quando.
Se isto é um inactivo, imagine-se o que seria se estivesse em actividade.
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