O advogado da HeliPortugal estava a fazer perguntas a Miguel Macedo quando o juiz o interrompeu. “Se é para continuar este Carnaval, não”. Episódio acabou com intervalo compulsivo na sessão.
A sessão desta tarde dos Vistos Gold foi suspensa de forma súbita quando dois advogados se prenderam numa discussão e em acusações mútuas. O ex-ministro Miguel Macedo estava a ser interrogado por um dos advogados da HeliPortugal (assistente no processo) quando o juiz o interrompeu: “Se é para continuar com este Carnaval, não”. João Folque passou a acusação para o ex-ministro e Castanheira Neves saiu em defesa do seu cliente, numa sessão em Miguel Macedo voltou a falar. No final, a HeliPortugal deixou questões em aberto sobre a intervenção do ex-ministro na contratação da Everjets para fazer a manutenção dos Kamov.
A sessão não tinha sido digna de registo até aquele momento em que o juiz interrompeu um dos advogados. Miguel Macedo estava a renovar explicações sobre a atribuição de vistos a cidadãos líbios e estava a ser questionada pela HeliPortugal sobre a denúncia do contrato de manutenção dos helicópteros Kamov. “O país aplaudiu os Kamov, nunca houve noticias sobre os Kamov, só quando Miguel Macedo foi ministro é que houve notícias sobre os Kamov”, disse, com ironia, o antigo responsável político.
Um dos advogados da empresa quis colocar outra questão mas o juiz-presidente interrompeu. “Se é para continuar com este Carnaval, não”, disse Francisco Henriques. João Folque, outro advogado da HeliPortugal, protestou. “O carnaval foi do arguido”, atirou. Sucedeu-se uma troca de palavras acesa com o advogado de Miguel Macedo.
– Isso é um insulto, gritou Castanheiro Neves
– Um insultou? Processe-me!, desafiou João Folque
– Tenho muito respeito por si, mas é um insulto
– Olhe, insulto é dizer-me que isto num insulto
Nesse momento, já Rogério Alves (advogado de António Figueiredo, ex-diretor do Instituto de Registos e Notariado) pedia calma a Castanheira Neves e, de pé, agarra o braço de João Folque. Ao mesmo tempo, o coletivo levantava-se. Intervalo na sessão.
Fora da sala, Rogério Alves minimizava a questão. Tinha sido um incidente de” tensão” entre os dois advogados, que estava resolvido. Cinco miutos depois, os advogados voltavam à sala, já abraçados. “Manifesto a minha estima pelo doutor João Folque”, disse Castanheira Neves ao coletivo, para ouvir as mesmas palavras de João Folque. “Nada como uma pequena pausa” para “acalmar os ânimos”, disse Francisco Henriques.
MAI sabia que não devia denunciar o contrato, diz HeliPortugal
O advogado da HeliPortugal diz que o ministério da Administração Interna foi alertada para a importância de não denunciar o contrato de manutenção dos helicópteros Kamov. Nuno Faria garante que um estudo externo de 2010, pedido por Rui Pereira, antecessor de Miguel Macedo na pasta, deu indicação de que, face às necessidades de manutenção dos aparelhos, o Governo não devia por fim ao contrato em vigor.
“Posso garantir que os aparelhos não estavam parados” hoje se o contrato tivesse continuado, disse esta segunda-feira Nuno Faria, advogado da empresa, no final da sessão em que o ex-ministro Miguel Macedo voltou a ser ouvido no âmbito do chamado caso dos Vistos Gold.
Aos jornalistas, Nuno Faria diz que “o país ficou a perder” com a decisão de Macedo de renegociar as condições contratuais para a manutenção dos seis Kamov usados no combate aos incêndios. E garante que, se a manutenção tivesse ficado nas mãos da HeliPortugal, “os helicópteros não estavam parados”, como tem acontecido recentemente, numa situacao de que o jornal Público tem dado conta.
O advogado deixa, ainda, uma nota de incompreensão relativamente ao modo como Miguel Macedo conduziu o processo de denúncia do contrato e lançamento de novo concurso para o mesmo fim, a manutenção dos Kamov, em 2012 e 2014. Para o advogado da empresa que se constituiu assistente no processo em que o ex-ministro é acusado de prevaricação e tráfico de influência, “Miguel Macedo não conseguiu explicar” durante o seu depoimento por que razão “enviou o caderno de encargos para o seu amigo” Jaime Gomes antes de o concurso ter sido lançado.
Também não ficou claro, para Nuno Faria, como é possível que a empresa que vence o concurso — a Everjets, que entretanto subcontratou a Faasa, a empresa que teve acesso antecipado aos pormenores do concurso — não levante nunca o caderno de encargos. “Não parece inusitado que uma empresa ganhe um concurso de 40 milhões de euros sem levantar esse documento?”, questiona-se o advogado da HeliPotugal.
Sobre as reuniões que Macedo admite ter mantido com a Faasa — e que o ministro explicou em tribunal como uma tentativa de suscitar o interesse no concurso —, Nuno Faria limita-se a comentar: “Se for normal ter reuniões com interessados [em negócios como este], não precisamos de ministros, precisamos de Relações Públicas e de angariadores de negócios.”
Esta segunda-feira, Miguel Macedo continuou a ser ouvido no Campus de Justiça, numa sessão em que respondeu a mais questões do Ministério Público e, também, de Rogério Alves (advogado do ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado, também arguido no processo), dos advogados da HeliPortugal e de Castanheiro Neves, o seu advogado.
Além do momento de tensão entre a defesa de Macedo e os representantes da HeliPortugal, a sessão pouco serviu para acrescentar novos dados àquilo que o ex-ministro já tinha dito há poucas semanas, quando decidiu quebrar o silêncio ao fim de um ano de julgamento.
Portugal estava num “ponto crítico” e denunciou o contrato, diz Macedo
Esta segunda-feira, Macedo reiterou não ter dado quaisquer indicações para que fosse facilitada a atribuiao de vistos a cidadãos líbios (que vinham a Portugal receber tratamentos médicos num negócio em que Jaime Gomes, amigo do ex-ministro, participava). “Não só não falei com Jarmela Palos [ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] sobre nada que tivesse a ver com os vistos gold como não falei com nenhum chefe do SEF nem ninguém do SEF sobre os vistos gold”, garantiu o ex-ministro.
Também insistiu que não houve qualquer favorecimento da Everjets no concurso para a manutenção dos Kamov. Portugal estava num “ponto crítico”, forçado a denunciar o contrato de manutenção antes de o mesmo completar cinco anos de vigência. E “nada garantia ao Estado que a HeliPortugal quisesse prolongar o contrato de manutenção” depois desse período alegou Macedo para justificar a sua decisão. “O Estado tinha de ter um plano B”, diz o ministro.
Perante uma “situação excepcional extraordinária”, Macedo avançou para a denúncia. E, agora, sentado no banco dos réus para, entre outras questões, responder pela forma como conduziu esse processo, diz directamente ao procurador do Ministério Público: “Pode fazer a interpretação que quiser, mas o senhor não tem a responsabilidade de, num momento que há uma emergência não ter resposta.”
observador.pt
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