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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

CARTA DO RIO - E agora, a tragédia da microcefalia, provavelmente provocada pelo Zika Vírus, torna cada vez mais longínquo e utópico o “país do futuro” vislumbrado por Stefan Zweig no século passado.



Minha intenção era a de escrever sobre Gramado, a pequena cidade da Serra Gaúcha, que é um grande milagre nesta terra de contrastes e desmandos, neste país do carnaval e do futebol, da corrupção e do gravíssimo desastre ambiental de Mariana. E agora, a tragédia da microcefalia, provavelmente provocada pelo Zika Vírus, torna cada vez mais longínquo e utópico o “país do futuro” vislumbrado por Stefan Zweig  no século passado.

As notícias são alarmantes: começando pela dengue, cujo mosquito contaminador é o mesmo que transmite os vírus da zika e da chikungunya, o jornal Folha de São Paulo revela que o país viveu a maior das epidemias no ano passado, com 1 milhão e seiscentos mil casos e 863 mortes. Além disso, para 15 dos especialistas ouvidos pelo jornal, “a questão central é a falta de saneamento básico, traduzida em esgoto a céu aberto, lixo nas ruas e armazenamento incorreto da água.” E no Estado do Rio, em Cordeiro, a infeliz “capital da dengue” situada na região serrana, num bairro com o nome irônico de Retiro Poético, uma rua passou a ser chamada de Rua da Dengue porque todas as suas casas têm moradores vitimados pela doença. Mas o que mais nos assusta é o alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), que previu 4 milhões de casos de zika em 2016 e considerou “explosiva”, tanto nas Américas quanto no mundo inteiro, a propagação desse vírus, o possível responsável pela “devastadora” microcefalia, que deforma, atrofia e mata os bebês das mulheres por ele  infectadas durante a gravidez. Em nota, o jornal O Globo do último sábado afirma que  “O Aedes aegypti já vitima o Brasil há décadas com a dengue, mas só a confirmação de uma doença grave como a microcefalia (…) pôs a Saúde no país em alerta vermelho.”  Ora, sabe-se que o Ministério da Saúde foi entregue, pela atual Presidente, a um político da suposta base aliada do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que pouco ou nada entende de Saúde e costuma se expor ao ridículo com suas gafes desastrosas. Assim que o vírus zika começou a ser relacionado com a microcefalia, o ministro recomendou às mulheres que não engravidassem dizendo: “sexo é para amador, gravidez é para profissional.” E sua última boutade foi a desta afirmação: “Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros..(…) vamos torcer  para que as mulheres, antes de entrar no período fértil, peguem a zika, para elas ficarem imunizadas ao próprio mosquito.”

Termos um ministro como esse é a consequência direta das concessões de cargos que o viciado sistema presidencialista de coalizão leva seu mandatário a realizar para manter-se no poder.

Deixando de lado a infelicidade dessa declaração do ministro, no entanto, torna-se evidente que precisamos com a máxima urgência colocar em pauta o debate sobre o direito das mulheres à interrupção da gravidez quando seus bebês apresentarem comprovada malformação do cérebro. Um dos virologistas consultados pelo jornal O Globo, Pedro Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas do Pará, confirmou que o vírus zika “traz o risco de causar microcefalia, problema sem chance de cura. É uma dor e um ônus que país nenhum pode suportar.” Recentemente, vi um famoso médico, professor e pesquisador de São Paulo se emocionar, no Jornal da TV Cultura, ao descrever o sofrimento das mães e pais de crianças com microcefalia. Também vi um documentário sobre as crianças doentes abandonadas em hospitais porque os pais não têm condições de arcar com as despesas dos tratamentos de  tal doença –  e essa é uma das faces mais dolorosas da tragédia.

Transcrevo agora a notícia de sexta-feira última, (do jornal O Globo), sobre Debora Diniz, a “antropóloga que atuou no caso de anencéfalos e pretende ir à Corte para defender direito de gestante decidir”:

Segundo a antropóloga, o tema do aborto no caso de microcéfalos é pauta recorrente em outros países, com a “perspectiva de um pânico globalizado” que se instalou em relação ao vírus zika. Militante em defesa do direito da mulher de interromper a gravidez, Debora afirma que tem se deparado com reações de surpresa ao falar com entrevistadores estrangeiros sobre a legislação brasileira, que só permite o aborto em caso de estupro e risco de morte da mãe, além da anencefalia, autorizada por decisão do Supremo. E a pergunta espantada é: “mas não pode ter aborto no Brasil nesses casos?”

O assunto é delicado porque não raro juízes e procuradores se deixam influenciar por preconceitos religiosos numa época em que até mesmo o Papa Francisco já recomendou aos padres que perdoassem mulheres que haviam praticado aborto e se sentiam arrependidas. Mas, devemos perguntar: será preciso exigir que as mulheres se arrependam de uma medida que se origina na compaixão? Convenhamos: qual é a mãe que deseja dar à luz um filho condenado à cegueira ou surdez, ou mesmo à morte em poucos meses, ou a uma vida de total dependência e sofrimento? Portanto, é por compaixão, sim, compaixão tanto das mães e pais dessas crianças quanto das próprias crianças que, acredito, devemos lutar pelo direito de decidir de cada uma das mulheres que, por desventura, tenha sido infectada com o zika vírus durante a gravidez.



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