Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Benjamin Masse-Stamberger, jornalista e tem o blog Basculements.
Krach boursier: au secours, la crise revient! Comme une impression de déjà-vu
Revista Causeur.fr, 11 de Fevereiro de 2016
Em face da queda das cotações, os meios de comunicação social e os peritos viram-se atentamente para a cabeceira da crise financeira. Uma meteorologia económica com o dedo molhado que esconde os verdadeiros desafios, em vez de os mostrar.
Aí está, a crise está de volta! O assunto enche de novo os grandes títulos dos jornais e televisões, enquanto que tinha sido relegado para o fundo e para o fim das páginas financeiras, desde que os pontos mais violentos da crise precedente se tinham acalmado um pouco. Tinha podido regressar aos assuntos realmente importantes: Juppé ou Sarkozy? Marinne ou Jean-Marie? Macron ou Valls? Depois de tudo, a finança “inimiga” tinha sido reformada, reposta no seu devido lugar, derrubada. Tema seguinte!
Ora, por conseguinte, eis-nos pois perante a crise que volta a ser notícia, com o seu longo arrastamento de caras de traders arrasados, cansados, e de representações gráficas na forma de escorregas. Uma quebra profunda das bolsas estaria à vista, dizem-nos, como se estejam a anunciar uma tempestade ou um novo vírus. É grave? Os nossos habituais médicos de Molière, economistas de bancos, analistas supostamente independentes e outros peritos mais ou menos autoproclamados, apressam-se a propor-nos o seu diagnóstico, definitivo. “É a China! ” “É o petróleo! ” “É a banca !”
Os mesmos, em 2008, tinham as mesmas ideias tranquilizadoras
Geralmente, a conclusão é a mesma: desta vez, é diferente! Bem menos grave que em 2008! “A China está a alterar o seu modelo, é pois um momento um pouco delicado…” “há alguma inquietação sobre os bancos, mas estes estão muito mais sólidas que em 2008”. Porém, um problema: os mesmos, em 2008, tinham exactamente as mesmas ideias tranquilizadoras… Ninguém parece perceber que pedir a um economista de banco ou a um gerente de fundos, o seu parecer sobre o estado do sistema financeiro, é um pouco como pedir a um apparatchik soviético o que pensa da saúde do regime. Ou a um instrutor desportivo, o seu sentimento sobre a chaga do doping: nada grave, trata-se de alguns casos isolados.
Isto vai passar, por conseguinte, dizem-nos. Salvo que não, isto não vai passar, pela simples e boa razão que as mesmas causas produzem invariavelmente os mesmos efeitos. Desde há vinte anos, que não há verdadeiramente crescimento no Ocidente. As fábricas partiram, foram deslocalizadas, a indústria também. As multinacionais enriqueceram-se, graças à baixa do custo do trabalho, em contrapartida, os que dependiam do rendimento do seu trabalho empobreceram-se – particularmente as classes médias. Estranhamente, parece que as desigualdades teriam aumentado, pergunta-se bem porquê… Para “solvabilizar ” de maneira factícia estas classes médias em via de relegação , os políticos deram plenos poderes ao sector financeiro para criarem artificialmente riqueza. O que este sector fez com muito zelo, pronto a deixar expandir as bolhas que, inexoravelmente, acabam por estoirar. Não sem que os financeiros eles mesmos de passagem se enriqueçam infinitamente.
As bolhas sucedem às bolhas…
Foi primeiramente a nova economia, de que nos explicaram na viragem do século que com ela se criava “uma nova trajectória de crescimento”, “de ganhos de produtividade inéditos na história”: graças a ela, e mais os ciclos económicos, teríamos crescimento até ao infinito. Finalmente, não, a bolha Internet estoirou. Seguidamente, explicaram-nos sabiamente que, graças à entrada da China na mundialização, se tinha entrado numa nova era, “em que todos ganhavam”, onde todos iam enriquecer-se graças à extensão indefinida do comércio mundial. Com efeito, tinham dado créditos imobiliários à pessoas que não tinham nenhuns meios para os reembolsar, de modo que não se deram conta que eram pobres, completamente pobres. E a bolha dos subprimes estoirou por sua vez.
Última história em data, por conseguinte: graças aos hidrocarbonetos de xisto, os Estados Unidos iam conhecer uma nova era económica, criar uma nova trajectória de crescimento, iriam fazer descer o custo da energia e, por fim, re-industrializar o país. Aleluia! Como sempre, muitos dos sérios gabinetes de consultoria validaram esta tese, fortemente apoiados em estudos e esquemas de apoio, retomada depois de igual forma pela imprensa especializada. Como sempre, os investidores mais ou menos avisados disputaram-se na corrida para este sector, abrindo à larga as válvulas do crédito às empresas especializadas. Certamente, uma parte deles sabia que efectivamente esta indústria não tinha tanto futuro como se prometia, mas era uma ocasião de fazer lucros rápidos. Estes, evidentemente saíram desde há muito tempo do sector . Mas sem dúvida todos eles não esperavam também uma baixa dos preços do petróleo tão violenta – menos 70%! – ela própria devido em grande parte à extrema financeirização do sector das matérias-primas, via os produtos derivados. Daí, as variações extremas, prontas a desestabilizar países, ou mesmo regiões inteiras.
E uma vez mais, é ainda o regresso ao real
É, exactamente a outra razão da nova crise que chega: a finança, criatura de Frankenstein, autonomizou-se totalmente da esfera pública, em especial nos Estados Unidos, bloqueando toda e qualquer ampla reforma do seu funcionamento que se tem tornado louco. Assim, segundo o Financial Stability Board, o shadow banking (o sistema financeiro sombra- hedge funds, fundos de investimento…) representava no final de 2015 cerca de 80 000 mil milhões de dólares – ou seja mais 50 % dos activos financeiros e 120 % do PIB mundial – contra apenas 50.000 mil milhões em 2007. Sem estar a falar dos produtos derivados, e do trading de alta frequência, que permite, com a ajuda de algoritmos, acelerar quase ao infinito à rapidez das transacções.
Tanto quanto dizer que não, a crise financeira não vai passar como um mau aguaceiro ou como uma gripe tenaz. Porque a crise não é uma doença, é antes o sintoma de um disfuncionamento massivo da economia mundial. Ela faz-nos apenas mostrar os problemas que não tratámos. As histórias que nos contámos. As revoltas que enterrámos sob montanhas de dívidas. A crise lembra-nos tudo isto. E a isto chama-se o regresso ao real. Às vezes, faz-nos sentir mal.
Benjamin Masse-Stamberger, Revista Causeur, Krach boursier: au secours, la crise revient!. Publicação autorizada. Texto disponível em:
aviagemdosargonautas.net
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