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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Golpistas, fraudulentos e outros dislates

(António José Teixeira, in Expresso Diário, 19/11/2015)
António José Teixeira
E vão 9 dias. E não sei quantos mais. Contudo, longe ainda dos cinco meses de sacrifício primo-ministerial de há 28 anos… Não é preciso ser de esquerda para perceber a irracionalidade do comportamento de Cavaco Silva. Goste-se, ou não se goste, o Presidente não tem alternativa: indigitar o segundo partido, que já tornou públicos os apoios maioritários. Um governo de gestão não tem suficiente capacidade de decisão. Nem para aprovar um Orçamento. Um outro governo carece de qualquer legitimidade e será derrubado. Uns criativos falam agora de um “governo técnico”. Um disparate. Cavaco Silva sabe tudo isto.
Podemos ter dúvidas sobre a durabilidade e a eficácia de um governo do segundo partido, mas isso não anula a sua legitimidade nem os apoios com que conta. Será a menos má de todas as soluções que poderíamos considerar, mas é uma solução que cumpre o essencial para fazer caminho. Não há soluções blindadas para quatro anos. A democracia comporta riscos, os governos podem ter percalços, mesmo os que dispõem de maiorias absolutas.
Um Presidente em final de mandato tem poderes limitados. Não é por acaso. É precisamente para não ceder a tentações. Em contrapartida, a Assembleia da República goza de proteção. Não é uma desvalorização do papel presidencial. É um equilíbrio de poderes, que nesta circunstância não pode deixar de ser tido em conta.
UM PRESIDENTE EM FINAL DE MANDATO TEM PODERES LIMITADOS. NÃO É POR ACASO. É PRECISAMENTE PARA NÃO CEDER A TENTAÇÕES. EM CONTRAPARTIDA, A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA GOZA DE PROTEÇÃO. NÃO É UMA DESVALORIZAÇÃO DO PAPEL PRESIDENCIAL. É UM EQUILÍBRIO DE PODERES
Ao contrário do que muitas vozes mais exaltadas têm vindo a dizer, não vivemos por estes dias nenhuma espécie de anormalidade democrática, seja em sentido jurídico, ético ou político. O Presidente indigitou e empossou (mesmo sem garantir qualquer espécie de viabilidade) um governo do partido e da coligação mais votados. Legítimo e correto. O governo chumbou. Nada a apontar. A decisão do Parlamento é soberana e tão legítima jurídica, ética e politicamente como a do Presidente. Só relembro e repito os factos e argumentos porque muitos parecem continuar a alimentar uma irracionalidade sem precedente. As regras constitucionais são as que são e a liberdade/vontade dos eleitos (Presidente e deputados) não deveria autorizar dislates como as alegações de golpe e de fraude. Propor uma revisão constitucional porque se discorda do chumbo do nosso governo pela Assembleia da República não lembra ao mais atrevido… Ou melhor, talvez lembre aos que confundem derrota democrática com usurpação de poder. Questões básicas, que não nos deviam ocupar a atenção. Podemos e devemos ter opinião sobre programas, propostas, acordos, políticas e políticos. Podemos concordar e discordar. Podemos contestar, marcar diferenças, denunciar contradições. Não vale é meterem-nos os dedos nos olhos com lições terceiro-mundistas de funcionamento democrático. A quem exerce ou disputa o poder democrático exige-se mais responsabilidade.
A lentidão de Cavaco Silva é preocupante. Não porque não tenha o direito de ouvir todas as organizações e personalidades de que se lembre (outros o fizeram). Mas porque Portugal não se pode dar ao luxo de estar sem governo só porque o Presidente quer marcar o seu território, valorizar o seu papel ou afirmar que é ele que decide.
Temos os cofres cheios… sossega Cavaco. Cheios de dívidas. O seu antigo assessor João César das Neves alertou (já depois das eleições…) para aquilo a que chamou “ratoeira”. Registo algumas das suas ideias: os sinais positivos são aparentes, há bombas retardadas que gerarão problemas graves, desemprego perdeu dinâmica de descida, investimento recusa-se a atingir um nível decente, empresas continuam descapitalizadas, bancos continuam frágeis… Como se tudo isto não bastasse, diz o insuspeito César das Neves, há um cansaço da austeridade. Serão argumentos suficientes para convencer o chefe de Estado a colocar rapidez na sua decisão? Ou precisará de ouvir mais personalidades? O contexto internacional não é suficientemente incerto para não se perder tempo?
À atenção do Presidente da República.
Guerra
O que aconteceu em Paris já mereceu rios de revolta, medo e solidariedade. Sentimentos por vezes contraditórios, nem por isso menos autênticos e nobres. Insuficientes contudo para contrariar uma direção cada vez mais nítida. Não estamos perante meros atos de terrorismo. Deparamo-nos com ações de clara insurgência, dentro das nossas fronteiras e fora das nossas fronteiras. Procura-se enfrentamento direto, o rosto do inimigo. Quer-se convocá-lo para a guerra. Só faltava que a Europa voltasse à guerra civil… Para já, a França está em guerra. Estaremos todos em guerra? Estaremos já a matar-nos? Não são fáceis as respostas. Saibamos ser lúcidos e conjugar segurança com liberdade.

estatuadesal.com

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