
A Black Friday, que tem a sua origem no último quartel do séc. XIX, nas paradas de chegada da época natalícia que despediam o Dia de Acção de Graças, foi evoluindo de um simples dia de descontos para a efeméride alegórica do próprio capitalismo: nos EUA, centenas de milhares de pessoas passam a noite ao relento para, de madrugada, se atropelarem numa corrida aos bens que durante o remanescente do ano, lhes são inacessíveis. Os trabalhadores destas lojas, por outro lado, são forçados a trabalharem horários desumanos, por vezes superiores a 24 horas, amiúde sem qualquer compensação.
Poderão responder-me que «isso é nos EUA», mas não há qualquer razão para que o mesmo não aconteça em Portugal, ou já não nos lembramos das infames campanhas do Primeiro de Maio levadas a cabo pelo Pingo Doce?Nunca como hoje, em toda a História, as sociedades humanas conheceram semelhante capacidade produtiva: somos capazes de produzir literalmente tudo em quantidade suficiente e velocidade suficiente para suprimir duas vezes todas as carências básicas da população mundial e, mais ainda, deparamo-nos com problemas contínuos de superprodução, em que fabricamos tantos bens supérfluos que o sistema capitalista não os consegue escoar no mercado. E, contudo, malgrado o inconcebível excesso de brinquedos, telemóveis, computadores, ténis, roupa e televisões nos armazéns, há pessoas que se agridem e matam para poder comprar primeiro um estúpido bem de consumo.
VÍDEO
Há poucos anos, quando vivia em Nova Iorque, recordo-me de passar, a caminho de casa, pela Macy's, uma destas enormes superfícies. Pouco passava das oito da noite. À porta, sob temperaturas glaciais, esperavam milhares de pessoas. A abertura era às cinco da manhã. Soube pelas notícias, no dia seguinte, que nessa noite morreu um trabalhador, literalmente atropelado pela manada de consumidores em fúria.
Poderão responder-me que «isso é nos EUA», mas não há qualquer razão para que o mesmo não aconteça em Portugal, ou já não nos lembramos das infames campanhas do Primeiro de Maio levadas a cabo pelo Pingo Doce? Não há nada de «americano» no que matou aquele trabalhador da Macy's. A ansiedade, insegurança e loucura geradas pelo consumismo, doença infantil do capitalismo, não têm nacionalidade.
Até porque, na raiz da Black Friday estão fenómenos económicos e não culturais: à medida que o capitalismo opta, paulatinamente e ao sabor das crises, por dinamitar salários, meios de produção e postos de trabalho como forma de contrariar a queda tendencial das taxas de lucros, a produção, mesmo que deslocalizada, continua a crescer. Eis então o velho sistema capitalista a coxear nas maleitas de há duzentos anos: demasiados produtos para um mercado incapaz de o absorver. É neste contexto que surgem os mirabolantes descontos de 50 por cento: durante um dia, o capital vende por metade do dobro do preço os produtos de que precisa, mortalmente, de conseguir escoar para, no dia seguinte, respirar fundo mais uma vez. Desta forma, à medida que se agudiza a crise estrutural do capitalismo, maiores, mais frequentes e mais absurdos serão os «descontos» publicitados.
Não faltará quem queira desculpar a morte daquele trabalhador da Macy's com a «natureza humana». Mas, curiosamente, nenhum dos sedentos consumidores agiu por instinto assassino; ninguém quis matá-lo; ninguém decidiu matá-lo. Foi a soma quantitativa de indivíduos que se transformou no trágico desfecho qualitativo: o materialismo dialéctico, aplicado à loucura.
Há poucos anos, quando vivia em Nova Iorque, recordo-me de passar, a caminho de casa, pela Macy's, uma destas enormes superfícies. Pouco passava das oito da noite. À porta, sob temperaturas glaciais, esperavam milhares de pessoas. A abertura era às cinco da manhã. Soube pelas notícias, no dia seguinte, que nessa noite morreu um trabalhador, literalmente atropelado pela manada de consumidores em fúria.

Até porque, na raiz da Black Friday estão fenómenos económicos e não culturais: à medida que o capitalismo opta, paulatinamente e ao sabor das crises, por dinamitar salários, meios de produção e postos de trabalho como forma de contrariar a queda tendencial das taxas de lucros, a produção, mesmo que deslocalizada, continua a crescer. Eis então o velho sistema capitalista a coxear nas maleitas de há duzentos anos: demasiados produtos para um mercado incapaz de o absorver. É neste contexto que surgem os mirabolantes descontos de 50 por cento: durante um dia, o capital vende por metade do dobro do preço os produtos de que precisa, mortalmente, de conseguir escoar para, no dia seguinte, respirar fundo mais uma vez. Desta forma, à medida que se agudiza a crise estrutural do capitalismo, maiores, mais frequentes e mais absurdos serão os «descontos» publicitados.

Sem comentários:
Enviar um comentário