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sábado, 28 de novembro de 2015

A OPINIÃO DE DANIEL AARÃO REIS - “Oito irmãos, com explosivos e fuzis, alvejaram vários pontos na capital das abominações e das perversões, a cidade que desfralda a bandeira da Cruz na Europa”.

A OPINIÃO DE DANIEL AARÃO REIS

“Oito irmãos, com explosivos e fuzis, alvejaram vários pontos na capital das abominações e das perversões, a cidade que desfralda a bandeira da Cruz na Europa”. A  frase constou do comunicado do Estado Islâmico, vangloriando-se das ações desfechadas em Paris na noite do último dia 13 de novembro.

Os ataques mataram 130 pessoas e feriram 350, 97 ainda em estado grave. Mas foi bonito ver o movimento  de solidariedade às vítimas e aos que fugiam da barbárie. Nos dias seguintes, a volta aos bistrôs mostrava que o medo não poderia predominar.

A cidade, traumatizada, revivia.

Os atentados reatualizaram a questão da destruição do terrorismo  internacional. Mas para que isto aconteça não bastam hinos guerreiros, fechar fronteiras ou culpar multidões de refugiados. Não servirá o jogo do “choque das civilizações”, imaginado por Samuel Huntington, retomado, em chave invertida, pelo terror. Ou a  islamofobia. Ou restringir a liberdade em nome de sua defesa e capitular frente ao  fascismo que cresce na Europa, nutrido pelo pavor.

Uma análise das políticas adotadas desde setembro de 2001, evidencia que armas e bombas nada resolverão. As estatísticas das vítimas do Terror  (não computado o terrorismo de Estado com seus bombardeios indiscriminados) registram ascensão contínua,  intensificada depois da  aventura militar estadunidense no Iraque em 2003.  Entre mortos e feridos, 14.129 pessoas em 2001; 22.672 em 2011; 84.408 em 2015. Quanto mais bombas, mais terror, é o que dizem as evidências.   “É preciso abrir os olhos para elas”, aconselha  Jack Lang.

As  invasões  no Afeganistão e no Iraque, combinadas com as guerras civis na Líbia e na Síria, subverteram toda a região numa velocidade fulminante. A primavera árabe pareceu, em certo momento, abrir horizontes construtivos, mas a maturação de suas propostas democráticas, se que é se realizarão algum dia,  ainda demandará  tempo.

No contexto de desagregação de quatro estados (Iraque, Afeganistão, Síria e Líbia), estabelecidos há décadas, com vários outros sob ameaça de deslocamento (Yemen, Jordânia, Arábia Saudita, Turquia), instaurou-se um ambiente de caos e o Estado islâmico é um dos seus muitos produtos e fatores,  como demonstrou Pierre-Jean Luizard. Para superar a ameaça do Terror, argumenta,  é preciso compreender a história do Estado Islâmico e  sua capacidade de atração.

Seu poder, apoiado em bem organizada  propaganda,  corresponde a demandas concretas: a defesa dos sunitas, sobretudo no Iraque,  ex-opressores, agora, oprimidos e massacrados, pelas maiorias xiitas; a organização administrativa do território em associação com chefias locais; o questionamento das partilhas coloniais e das fronteiras  impostas desde a desagregação do império otomano, nos anos 1920; a retomada de uma proposta identitária e, por isso mesmo, de alcance pan-árabe e pan-islamista – que transforma o Estado Islâmico em motivo de orgulho para milhões de muçulmanos em vários continentes. Estima-se que cerca de um terço dos seus combatentes  seja de proveniência estrangeira: yemenitas, jordanianos, tchetchenos, franceses, ingleses, belgas…  Basta olhar a mancha geográfica de sua  atual influência, espalhando-se por países muçulmanos da África e da Ásia central.  Sem contar as células “adormecidas”  e os “lobos solitários” na Europa, à espera de instruções para entrarem em ação.

Trata-se de um processo  histórico e cultural, irredutível  a uma simples solução militar. O Estado islâmico expande-se não por degolar e praticar atos terroristas, mas porque propõe uma sinistra plataforma de valores, um  modo de existência alternativo,  que não resumem o Islã, mas constituem uma  vertente desta religião, potencializada pelas condições concretas onde se encontra.  Tais valores só poderão ser vencidos e superados  por outros valores.

Assim aconteceu nas I e II Guerras mundiais,  vencidas em nome de promessas – a paz,  a autodeterminação dos povos, a democracia, a justiça, a prosperidade. Depois das vitórias, quantas vezes tais valores foram pisoteados, em nome das altas razões de estado e dos baixos interesses econômicos?

Que valores propor em aliança com a Arábia Saudita, que lapida mulheres e chicoteia oposicionistas acusados por delitos de opinião?   Com o governo russo, carniceiro da Tchetchênia? Com o atual ditador egípcio, coveiro da primavera egípcia? Com as elites do Qatar, dos Emirados Árabes e do Kuwait, financiadoras do Estado Islâmico?

Enquanto um programa construtivo e convincente não for proposto, baseado   em  alianças congruentes, podem-se enviar todas as bombas do mundo e mesmo exterminar os  30 mil homens do Estado Islâmico. Não vai adiantar: o terrorismo renascerá. Pela razão enunciada na metáfora brechtiana: porque o ventre que o gerou  continuará fecundo de desesperados, que preferem à alegria da vida a cultura da morte e a destruição de Paris.

Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea da UFF
Email: daniel.aaraoreis@gmail.com

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