Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Ataque químico na Síria : o relatório que incomoda
Um estudo do altamente prestigiado MIT afirma que o massacre químico de Agosto de 2013 foi perpetrado a partir de uma zona rebelde, contradizendo as afirmações ocidentais.ARMIN AREFI, Attaque chimique en Syrie : le rapport qui dérange – Une étude du prestigieux MIT affirme que le massacre chimique d’août 2013 a été perpétré depuis une zone rebelle, contredisant les affirmations occidentales.
Publicado a 19 de Fevereiro de 2014 pelo jornal Le Point.fr
O incidente passou relativamente desapercebido. A 4 de Fevereiro passado, o chefe da diplomacia francesa Laurent Fabius é convidado pela escola de comércio Essec a exprimir-se sobre o problema sírio. Aquando da sessão de perguntas, um senhor ainda jovem que se apresentou como jornalista independente para a Agência Info livre interroga o ministro sobre um relatório de Massachusetts Institute of Technology (MIT) segundo o qual, afirma o jornalista, “Bachar el-Assad não estaria na origem do ataque químico de Ghouta”, ocorrido a 21 de Agosto passado neste subúrbio de Damasco, fazendo centenas de mortes, entre os quais numerosos civis.
“Pode o senhor face a esta assembleia reconhecer que se enganou sobre esta situação e apresentar hoje as suas desculpas?” perguntou o jovem que se apresentou como jornalista. “Certamente que não”, responde Laurent Fabius. A audiência riu às gargalhadas. “Houve um inquérito das Nações Unidas em que trabalharam muitos peritos e que estabeleceram da maneira bem firme que tinha havido um massacre químico (…) e que este tinha a sua origem nas pessoas do regime”, sublinha o ministro dos Negócios estrangeiros.
“AS MENTIRAS ” de Fabius
Muito rapidamente, o vídeo da cena difunde-se como um rastilho de pólvora seca a arder na Internet, apresentado como a “pergunta assassina que um jornalista corajoso colocou a Laurent Fabius”, acusado “de mentir” sobre o ataque a gás atribuído à Bachar el-Assad. Estas acusações não são completamente sem fundamento. Porque se o relatório final do ONU sobre o ataque, entregue a 12 de Dezembro passado, confirma a existência “de provas flagrantes e convincentes da utilização de armas químicas contra civis, entre as quais estavam crianças”, na região do Ghouta, contudo, não acusa de modo algum o regime sírio, ainda menos o dos rebeldes, não estando os inspectores da ONU mandatados para o fazer.
Bachar el-Assad em contrapartida é incriminado por duas sínteses dos serviços americanos e franceses de informações, publicadas respectivamente a 30 de Agosto e a 3 de Setembro de 2013, para assim justificar publicamente os ataques aéreos que iriam ser desencadeados. “A simultaneidade do ataque, em lugares diferentes, exige um “knowhow” táctico inegável que somente o regime sírio possui”, assegura ainda hoje Olivier Lepick, especialista das armas químicas na Fundação para a investigação estratégica.
Provas na Internet
Esta ameaça credível de uma intervenção militar na Síria finalmente tinha forçado o regime sírio a desmantelar o seu arsenal químico, a favorecer um acordo rocambolesco americano-russo, de que a França foi afastada. Ora, as conclusões dos serviços americanos e franceses de informação são hoje postos em causa pelo relatório elaborado pelo MIT. É sobre este relatório que se apoiava o jornalista acima referido.
O relatório foi redigido por Richard Lloyd, antigo inspector da O.N.U, especialista de mísseis, e por Theodore Postol, professor do MIT, o documento de 23 páginas afirma que os ataques químicos muito simplesmente foram lançados a partir de uma zona dominada pelos rebeldes sírios. Para apoiar os seus propósitos, os dois peritos americanos estudaram “centenas” de fotografias e vídeos de ogivas, restos de roquetes, impactos sobre o solo, e barris que contêm o gás sarin, publicados sobre Internet.
Aproximações americanas
“Estas fontes provêm de Internet, mas realizámos seguidamente uma análise física interna que nos permitiu estabelecer os volumes de gás sarin utilizado, o alcance dos mísseis, a sua direcção bem como o lugar de onde foram tirados”, explica-nos o Doutor George Stejic, director dos laboratórios Tesla, onde trabalha Richard Lloyd. Primeira conclusão, “contrariamente às declarações do relatório americano, os impactos foram confinados à uma zona bem mais reduzida do norte do Ghouta”, afirma o investigador.
Segunda conclusão, certamente mais importante, os roquetes disparados tinham todas as características de mísseis de tipo Grad, de curto alcance, sobre qual foram fixados os barris de gás. “Depois do estudo do peso dos barris, da geometria das cabeças e das características dos lançadores, concluímos um alcance de 2 quilómetros”, sublinhamos o investigador. Uma conclusão que François Géré (1), director do Instituto francês de análise estratégica (Ifas), julga “credível”, tanto mais que é evocada pelo relatório final da O.N.U sobre o ataque do Ghouta.
Uma “boa estimativa” pela (ONU)
“O míssil Grad é conhecido como uma arma de baixo de gama, possuindo um alcance de 2 à 5 quilómetros com armas convencionais, e cuja imprecisão é bastante importante, o que explicaria as numerosas as perdas civis de Ghouta”, afirma o investigador. Os dois quilómetros de alcance, avançados pelo relatório MIT, foram julgados como uma “boa estimativa” por Ake Sellström, o inspector chefe da O.N.U na Síria, após a entrega do relatório da O.N.U em Dezembro passado.
Este número é capital. Porque coloca totalmente em questão o relatório americano, no qual se baseou a 30 de Agosto o secretário de Estado John Kerry, que afirma que os roquetes foram disparados a partir do “coração” do território controlado pelo regime de Damasco. “É de todo simplesmente impossível, afirma o Doutor George Stejic, a posição mais próxima possível do regime encontrava-se a cerca de 10 quilómetros dos impactos.”
“Difícil de verificar ” (perito)
Para determinar estas distâncias, os dois peritos americanos basearam-se nos mesmos mapas que Damasco forneceu a 30 de Agosto pelos serviços de informações americanos para acusar o regime.
“Podemos hoje afirmar com 100% de certeza que qualquer ponto a dois quilómetros dos impactos se situa em território rebelde. Mas isto não significa obrigatoriamente que tenham sido os rebeldes a disparar.” Com efeito, como o recorda François Géré, é provável que o regime tenha avançado os seus vectores de lançamento para mais perto das posições adversas, para reduzir o tempo de passagem acima das sua spróprias tropas e assim diminuir os riscos de erro. O especialista dos químicos Olivier Lepick alinha no mesmo sentido, acrescentando que os roquetes podem completamente ser deslocados em território rebelde graças a veículos de todo-o-terreno.
Contudo, este perito mostra-se bastante circunspecto sobre as conclusões do relatório MIT, embora saúde o trabalho dos seus autores. “Este relatório assenta sobre muitas hipóteses bem difíceis de verificar de um ponto de vista técnico, como o alcance dos mísseis, a distância que percorreram e o cálculo das cargas de propulsão”, aponta Olivier Lepick. “Todos estes parâmetros não permitem que se estabeleçam conclusões categóricas.”
Investigadores “experientes e credíveis”
“O nosso instituto e os seus investigadores têm toda a competência e capacidade necessárias para analisar estes roquetes e de os comparar aos mesmos modelos utilizados durante os sessenta últimos anos”, responde o Doutor George Stejic, que recorda que os laboratórios Tesla têm por hábito trabalhar para o governo americano e para a Marinha e que Richard Lloyd ultimamente tem trabalhado sobre o escudo antimíssil israelita Iron Dome, ou sobre os atentados de Boston.
“Richard Lloyd e Theodore Postol são peritos muito sérios e experientes, completamente credíveis”, sublinha François Géré. “Postol é conhecido por ser um liberal americano contestatário que pôs a ciência ao serviço da sua luta desde a época Reagan.” Salvo que ao contrário dos inspectores da O.N.U, os dois peritos não foram à Síria, baseando-se assim em documentos de segunda, se não são mesmo de terceira mão.
Silêncio da l’ONU
Claramente, teríamos tido dados bem melhores se nos tivéssemos podido deslocar sobre o terreno”, admite de boa vontade o Doutor Stejic. “Mas posso afirmar que, se podemos tirar conclusões convincentes, a O.N.U tem a capacidade de revelar precisamente o alcance dos roquetes, de onde vinham e de que é o autor. Ora, isto não está no relatório. Porquê? Contactados pelos nossos cuidados, as Nações Unidas recordam que “todas as informações de que dispõem estão escritas no relatório escrito pela equipa de Ake Sellstrom.” Em contrapartida, a O.N.U não deseja comentar o relatório MIT.
Uma coisa é certa, contrariamente às declarações do jornalista que interpelou Laurent Fabius na Escola de Essec, o relatório MIT não desculpa Bachar el-Assad. Mas contradiz formalmente os relatórios das informações americanas e francesas, que acusam o presidente sírio do massacre químico de 21 de Agosto de 2013. “Estas informações fraudulentas teriam podido conduzido a uma acção militar americana injustificada, baseada em falsas informações”, sublinha assim o documento.
“Não são falsas informações”, replica François Géré. “As conclusões dos serviços não são formais em 100%, quanto às da O.N.U, elas são muito mais cuidadosas. Todo o resto pertence ao plano da política”, prossegue o investigador, que recorda que existe, dado o “knowhow” requerido para lançar armas químicas, “98% de possibilidades para que tenha sido o regime sírio o autor do ataque, embora não se deva negligenciar os 2% restantes”. Isto não impede, depois do escândalo sobre as falsas armas de destruições massivas no Iraque, este relatório poderia de novo mergulhar no embaraço a administração americana, e fazer o jogo dos partidários de Bachar el-Assad.
ARMIN AREFI, jornal Le Point, Attaque chimique en Syrie : le rapport qui dérange.
Um texto disponível em:
aviagemdosargonautas.net
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