Maria e João são campeões em Portugal. Mas há famílias que gostam de ser originais e, afinal, as regras do Instituto dos Registos até são surpreendentes.
Diana Leiria-Ralha admite que na altura de escolher o nome para os primeiros filhos não pensou muito. “Não pensámos muito nos primeiros nomes. Foram escolhidos como a maioria das pessoas os escolhe — recorrendo aos seus antepassados”, contou ao Observador. Mas, tudo mudou com o nascimento da terceira filha. Ai, Diana tomou uma decisão — decidiu que queria um nome especial.
Quando nasceu a primeira filha, Maria Carolina, Diana não se preocupou muito em encontrar um nome com um significado especial. O nome é o de uma bisavó, e agradou facilmente a toda a família. Com o segundo filho, António Lourenço, a escolha foi feita mais ou menos da mesma forma. António era o nome de um avô do marido João, e foi também no dia de Santo António (13 de junho) que soube o sexo do bebé.
Quando a Carolina entrou para a escola, havia várias Carolinas na turma. “Fiquei traumatizada”, confessou. Com tantas Carolinas numa turma só, as crianças eram chamadas pelo apelido. Era a única forma de as distinguir. “Cresci com um nome invulgar”, disse ao Observador. “Quando nasci, a princesa Diana ainda não tinha subido ao trono”. Muito antes da “moda” das Dianas, Diana só conheceu alguém com o mesmo nome quando tinha 25 anos. E gostou. Por isso, quando soube que estava grávida da terceira filha, soube que queria um nome diferente.
Só no ano passado, foram registadas 4.090 Marias em Portugal, segundo os dados do Instituto dos Registos e do Notariado.
A terceira filha, Aurora Margarida, nasceu na altura em que foi anunciada a intervenção da troika em Portugal. Diana descobriu que estava grávida no dia em que Vítor Gaspar, antigo ministro das Finanças, anunciou o aumento da Taxa Social Única (TSU). “Era tudo tão negro, tão sombrio, e toda a gente tinha imenso medo”, contou. “Aurora tem uma conotação tão positiva” Marca um começo, o nascer do dia, em que tudo é possível”. Simboliza, ao mesmo tempo, “todo o positivismo que uma nova aurora propícia”, explicou.
Não sabe muito bem como chegou ao nome Aurora, mas admite ter surgido durante uma conversa com um grupo de amigas. Já a filha mais velha, Carolina, faz questão de dizer que foi sugestão sua porque, afinal, “Aurora é o nome de uma das princesas da Disney”.
A escolha do nome para a quarta filha, Isaura Luzia, não foi fácil. A gravidez foi uma surpresa, “mas uma surpresa aterradora”. Com uma gravidez difícil e com a hipótese de uma quarta cesariana, Diana admitiu que entrou “em parafuso”. Foi talvez por isso que a escolha do nome foi tão complicada. “Até ao sétimo mês de gravidez não tínhamos nome”, contou. E também parecia não haver consenso entre os pais. “Sempre que eu gostava de um nome, ele não gostava, e sempre que ele gostava, não me agradava”, confessou. “Tornou-se um assunto tabu. Não falávamos sobre isso”, disse ao Observador. “Já não sabíamos o que responder quando nos perguntavam como se ia chamar o bebé, porque não sabíamos que nome pôr”.
Fizeram polls no Facebook, viram listas, sites. “Pensámos demais nesta última filha”, acabou por confessar. Mas o nome acabou por aparecer, tão naturalmente como todos os outros. Foi na festa de anos do filho de uma amiga que “tivemos a epifania de Isaura”. O nome era de uma avó de Diana, mas quem o sugeriu foi o marido João. “Nem me passou pela cabeça que ele gostasse de Isaura!”, exclamou. Já o segundo nome, Luzia, “estava muito em cima da mesa”. O nascimento estava marcado para o dia Santa Luzia, uma santa “de que gostamos muito”. Mas houve outras questões tidas em conta. Isaura, a quarta filha, iria herdar “tudo o que foi dos irmãos”. “Se calhar pensámos mais” porque “queríamos um fator distintivo” — um nome forte, que fosse só dela.
"Um quarto filho herda tudo o que foi dos irmãos. Se calhar pensámos mais porque queríamos um fator distintivo, um nome forte, que fosse só dela".
Desidério Ortelá diz que a mãe sempre gostou de nomes invulgares. Foi ela que escolheu o nome dos seis filhos —Fabíola, Adérito, Fiona, Desidério, Vitorino e Brenda. Já o pai, nunca teve direito a dar a sua opinião. A mãe de Desidério nunca lhe deu hipótese de escolha porque, afinal, “era ela que carregava o filho durante nove meses”, explicou ao Observador. “Era ela que tinha o direito de escolher”.
Essa escolha foi feita de forma igual para todos os filhos. Durante a gravidez, passava tardes inteiras a pensar em nomes invulgares e, perto do nascimento, fazia uma lista com os que mais gostava. Depois, era só escolher um. As longas listas que elaborava, eram compostas por nomes diferentes, fora do comum. “Ela nunca quis dar nomes que fossem vulgares”, contou Desidério ao Observador. “Cada filho é único, e por isso os filhos tinham de ter um nome diferente”. Para Desidério, é uma espécie de “complexo maternal”. Para a mãe, ele e os irmãos “são diferentes dos filhos das outras pessoas” e por isso tinham de ter um nome só deles. Que mais ninguém tivesse.
A história de Cleópatra Mónica Gonçalves não é muito diferente da de Desidério. O pai, Hildebrando Otávio, sempre gostou de nomes diferentes e “que não fossem iguais aos de ninguém”. Foi isso que o fez escolher nomes fora do vulgar para os filhos. Sozinho, e sem direito a segundas opiniões.
O nome Cleópatra surgiu desse gosto “pelas coisas diferentes”. Era um nome “engraçado” e também o nome da madrinha do pai. Mas a escolha não foi unânime. A madrinha de Cleópatra nunca gostou do nome, mas a mãe nunca se opôs. Na altura do registo, houve dificuldades. No notariado, não queriam deixar que o pai o registasse. Mas este insistiu, teimoso como sempre, e a filha acabou por se chamar Cleópatra Mónica. Já no caso dos irmãos — Susana Dolores, Ludovico Durval e Asdrúbal Marino –, os problemas não vieram do registo, mas dos padrinhos. Alguns, descontentes, recusaram-se a apadrinhar as crianças. Mas isso não demoveu Hildebrando Otávio. Trocaram-se os padrinhos e a opinião do pai acabou por prevalecer.
Os Martins, os Santiagos e os Rodrigos começaram gradualmente a ganhar terreno -- mas sem conseguirem destronar os Joões.
Para Cleópatra Mónica, crescer com um nome fora do vulgar não foi fácil. “Fui muito gozada quando era pequena”, contou ao Observador. “Tinha vergonha do nome”, confessou. Mas, com o passar dos anos, deixou de se importar. “Agora assumo o meu nome. Dou sempre o primeiro e o último nome”, afirmou. “Cresci e deixei de me importar”. O pai sempre teve orgulho “em ter filhos com nomes diferentes”, e Cleópatra acabou por não ficar alheia a essa mania dos “nomes estranhos”. Apesar de não ter filhos, admite que se os tivesse que mantinha a tradição familiar, e que “também escolhia nomes estranhos”.
Haverá sempre Joões e Marias
Marias há muitas, diz o ditado, e não podia ser mais verdade. Só no ano passado, foram registadas 4.090 Marias em Portugal, segundo os dados do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Mas, afinal, o que é que Maria tem?
Ivo Castro, especialista em onomástica e professor na Faculdade de Letras de Lisboa, explicou ao Observador queMaria sempre foi um nome predominante em Portugal. E Porquê? Porque é o nome da mãe de Jesus. Durante muitos anos, as crianças só podiam ser registadas com nomes de santos, mas esse não é o único motivo para um número tão grande de Marias. “O facto de Maria ser o nome mais frequente na mulher portuguesa e brasileira tem uma explicação”, esclareceu Ivo Castro. “Não é Maria simples, mas Maria de alguma coisa”. Esse “alguma coisa” era sempre uma palavra abstrata, como Paz, Assunção ou Remédios, “os nomes de Nossa Senhora”. “No fundo o que contava era o segundo elemento do nome”, explicou, porque era esse que fazia a diferença. “Marias são quase todas”, disse entre risos. “As que não são Maria, quase que têm de pedir desculpa e explicar porque é que não o são”.
A partir dos anos 90, o nome Maria começou a ser cada vez mais usado sozinho.“E isso é uma novidade, porque ai é que podemos dizer que o nome é que tem vindo a crescer, e que não vem a reboque dos outros”, disse ao Observador.
Em relação aos rapazes, o nome mais comum é sem dúvidaJoão. Mas isso é uma novidade. Foi também provavelmente a partir dos anos 90, que o nome João começou a ganhar popularidade e a ultrapassar o velhinho José, muito comum nas décadas anteriores. Mais recentemente, começaram também a entrar para a lista outros nomes masculinos. OsMartins, os Santiagos e os Rodrigos começaram gradualmente a ganhar terreno — mas sem conseguirem destronar os Joões.
A escolha destes nomes revela que os portugueses têm, por norma, um gosto muito tradicional. “A maior parte dos portugueses tem um nome que já existia na família”, confirmou Ivo Castro. Essa tradição de recuperar um nome que já existia dentro do grupo familiar, tem “um caráter muitíssimo conservador”. É “isso que garante que, de tantas em tantas gerações, os mesmos nomes reapareçam”, explicou o especialista. Apesar disso, existem outros fatores que podem influenciar esporadicamente as tabelas de registo. Ivo Castro lembrou o caso do nascimento dos filhos de Dom Duarte, duque de Bragança, que provocaram um aumento substancial dos nomes Afonso e Dinis.
“A escolha do nome em Portugal tem um carácter muitíssimo conservador. A maioria dos portugueses tem um nome que já existia na família”.
A repentina popularidade de um nome é geralmente muito mais fácil de compreender. “Em casos de aterações súbitas e muito particularizadas é possível perceber que há um motivo, uma referência que puxou pelo nome”, explicou o professor de linguística da Faculdade de Letras. Por outro lado, a queda de certos nomes é muito mais difícil de perceber. Não há maneira de saber porque é que nomes como Ana ou José são cada vez menos populares. “É difícil encontrar um motivo que atue ao mesmo tempo sobre pessoas tão diferentes e em tão grande número”, afirmou Ivo Castro.
Com a viragem do século, começaram a surgir nomes menos comuns, muitos deles com origem estrangeira. Esta alteração no paradigma tem como causa uma alteração na lei de registos. Nomes como Kevin, por exemplo, têm-se tornado muito populares ao longo dos anos. Nas raparigas, entre Laras, Ritas e Constanças, tem-se vindo a destacar o nome Iara. Nos últimos dez anos, o número de registos tem-se mantido acima dos 200, com 209 Iaras registadas em 2004. Mais recentemente, as Iaras foram ultrapassadas pelas Yaras, que chegaram às 315 em 2014. Mas o que é que mudou?
Lei é muito permissiva
Apesar de o registo de nomes próprios em Portugal só poder ser feito de acordo com a onomástica portuguesa, entre 2001 e 2002 foram introduzidas algumas alterações importantes, que procuraram ter em conta os movimentos de imigração e de emigração no país. Por um lado, entrou em vigor a lei da liberdade religiosa, que permite o registo de um nome de caráter religioso. Com a introdução desta lei, os pais passaram a poder registar o nome dos filhos de acordo com a sua religião, mediante a apresentação de um comprovativo que prove que pertencem a uma determinada comunidade religiosa. Como explicou Ivo Castro ao Observador, isto leva a que se aceite “o que se quer” porque “o controlo da língua portuguesa” não se aplica nestes casos.
Para além disto, passou a ser possível o registo de nomes estrangeiros sob a sua forma originária. Se o recém-nascido tiver nascido fora de Portugal, se tiver outra nacionalidade para além da portuguesa ou se alguns dos pais for estrangeiro,existe a possibilidade de a criança ser registada com um nome que não seja português. “Tudo isto fez com que, desde o início do século, tenha existido uma abertura muito grande na escolha dos nomes”, explicou Ivo Castro.
Independentemente do nome, o processo de registo é sempre o mesmo. A família escolhe o nome, dirige-se a uma repartição de registo e o nome é registado. Mas, quando este é menos comum, o processo pode ser um pouco mais complicado. Por vezes, é preciso negociar.
É ao funcionário de balcão do registo que cabe a decisão final — é a ele que cabe dizer que sim, ou que não. “Os agentes que contam na escolha do nome são a família e os funcionários do registo, com os quais o assunto fica geralmente resolvido”, explicou o professor da Faculdade de Letras. “Se se propuser um nome esquisito e o funcionário do registo aceitar, os papéis são carimbados e o nome registado. Não há ninguém lá atrás que diga que não é possível registá-lo”, garantiu.
Mas, nem sempre é assim. Quando o funcionário não aceita o nome proposto pelos pais, é preciso arranjar outra solução. É aí que entra a negociação. Por vezes, “aportuguesar” a palavra é suficiente, alterando apenas uma pequena parte, mas às vezes é preciso escolher outro nome. De um modo geral “os pais aceitam as alterações propostas pelo funcionário”, mas isso nem sempre acontece. Nesses casos, é preciso recorrer aos serviços da Conservatória dos Registos Centrais, uma espécie de coordenadora de todas as repartições de registo do país. Os pais põem por escrito as razões para a escolha do nome e o caso é avaliado por um consultor, que dá a sua opinião — que sim, ou que não. Se os pais não aceitarem a opinião do consultor, o passo seguinte é recorrer aos tribunais.
Apesar de existir agora alguma margem de escolha no que diz respeito ao registo dos nomes em Portugal, isso não significa que o panorama nacional vá mudar. Na verdade, os registos dos últimos anos mostram exatamente o contrário. Em relação ao futuro, Ivo Castro não tem dúvidas — haverá sempre Joões e Marias.
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