A nora do meu pai
É sempre assim, um tipo anda há dias para pôr a escrita em dia mas há sempre um empecilho, uma indisposição, uma preocupação, que lhe tira a cadeira quando se vai sentar. É a patroa que anda com os azeites, é o dente do ciso do mais velho, é a nota de francês da irmã dele, é o clio que não passa na inspeção, é o raio do autoclismo que não para, é a vida do homem que tem de pensar em tudo.
E o carvalho do mundo em alvoroço, as notícias inquinadas por forças ocultas, as forças do mal contra as forças do bem, as guerras, e a força do povo a esmorecer… Portugal e a crise… ai pátria minha! ai madre Espanha! mãe Rússia! ox Alá! ó Babilónia! Deus queira! querida Europa! tirem as mãos da Venezuela! ai o corno de África! os norte-americanos são os maiores! e os alemães?!... ! alma Grega! ai telha lusa! que não vales nada! como é que eu vou mudar o telhado sem dinheiro?!...
Falaria nestas coisas, se penso nelas! Seria meu dever seguir a minha vocação revolucionária, nem que ela apenas se expressasse na dimensão menor dumas linhas escritas à altura do pescoço, entre o coração e a cabeça, entre o sangue dos guerreiros e o pensamento dos seus líderes.
Mas não! Não falarei no meio da algazarra dos meios de comunicação, das colunas de opinião e dos cafés! Sim! É novidade! A Grécia já chegou à conversa dos cafés! Além do Sócrates e do Cristiano, claro!...
Talvez noutra temática eu seja ouvido:
- Porque é que os alcatruzes têm um buraco no fundo?!
Descobri, por mim próprio, a resposta, quando ainda não tinha idade para dar passo à vaca que rodava a nora, e dessa descoberta conjugada com o funcionamento das engrenagens do engenho, criei, julgo, a vontade de em grande ser engenheiro. É claro que também o cultivo da terra, a rega, os regos de água, a água, me ajudaram a criar e a fazer-me, filho do campo, homem do povo, filho da história e homem de máquinas.
E aqui estou eu a escrever como um menino que quer ser revolucionário, como homem atento ao mundo, como um funcionário de expressão limitada, a perguntar, como um lunático ingénuo, a deixar uma questão:
- Alguém mais, além de mim, ainda se lembra da razão pela qual os alcatruzes, tem um buraco no fundo?!....
...
Provérbio: Os homens são como os alcatruzes da nora: para uns ficarem cheios, ficam outros vazios.
...
Os alcatruzes da nora
Os alcatruzes da nora
Andam sempre a dar e dar.
É para dentro e p’ra fora
E não sabem acabar.
Fernando Pessoa
reidosleittoes.blogspot.pt
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