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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

UM REPÓRTER ESPANHOL ENTRA NA FAVELA DO MORRO DOS MACACOS - Relato pavoroso de um jornalista espanhol, do jornal El Pais, que entrou na favela carioca do Morro dos Macacos depois dos incidentes entre os narcotraficantes e a polícia.

Relato pavoroso de um jornalista espanhol, do jornal El Pais, que entrou na favela carioca do Morro dos Macacos depois dos incidentes entre os narcotraficantes e a polícia. Note, pela narrativa do repórter, que os próprios moradores se alinham a bandidagem, muitos por receio, mas com certeza alguns, por puro prazer proporcionado pelo poder.


O percurso no interior de um táxi pela denominada faixa de Gaza e a favela Nelson Mandela, na zona norte do Rio de Janeiro, serve de pouco porque a operação lançada esta manhã pela Polícia Militar já foi concluída. Também não há movimentos destacáveis nas favelas Manguinhos e Jacarezinho, nas quais a polícia também entrou nas últimas horas, detendo suspeitos e apreendendo drogas e armas.

A ofensiva contra o narcotráfico desatado
no passado fim de semana nestes subúrbios pôs tudo de pernas para o ar e já se contabilizam mais de 33 mortos. Não é que a miséria tenha uma aparência diferente, mas hoje a gente caminha mais rápido pela rua e tenta não se expor demais ante um mais que provável tiroteio. É a cara mais sombria e angustiante do Rio de Janeiro.
Um repórter espanhol entra na favela do morro dos macacos
São cerca de duas da tarde da terça-feira e o acesso principal à favela Morro dos Macacos, o mesmo lugar que no sábado se converteu em zona de guerra -os narcotraficantes chegaram a derrubar um helicóptero da polícia a tiros-, aparenta normalidade. Só há uma patrulha da Polícia Militar com três policiais na vigia. Parecem tranqüilos, como se nada tivesse acontecido ultimamente. Identifico-me como jornalista e pergunto se no interior da favela há patrulhas policiais. Um agente responde-me que não pode dar essa informação. Pergunto se a situação está sob o controle da polícia, tal e como os máximos responsáveis pelas forças da ordem do Rio tinham assegurado à imprensa dois dias antes.

- "Não posso dizer. Aparentemente está tranquilo, mas não posso garantir nada. Se decidir entrar, estará sob sua total responsabilidade", diz o
policial, amável.

Decido ir até à parte baixa da favela, só ao primeiro trecho da ruela principal, para falar com alguns comerciantes sobre o sucedido no último fim de semana. Contam que a escola local já retomou as aulas, conquanto as portas permanecem fechadas. Na rua não há muito movimento e só algumas pequenas lojas de bugigangas funcionam a essa hora.

Uma vizinha narra que permaneceu presa em sua casa todo o final de semana. - "Tinha que estar louco para sair", explica, enquanto me olha com uma mistura de curiosidade e desconfiança. Um pouco mais adiante, em frente a um pequeno bar, há um sofá todo rasgado sobre a calçada. Sobre o móvel na parede leio: "Alô, drogas mil. ADA"Amigos dos Amigos é o nome da facção criminosa que controla o Morro dos Macacos. Com estas grafites os narcotraficantes marcam seu território.

São duas e meia. Vou um pouco mais adiante, a uns 250 metros da entrada da favela, faço minha última parada. No lado esquerdo da rua distingo uma pequena praça cercada e rodeada por pequenos bares e armazéns, a maioria já fechados. O fato chama-me a atenção e me aproximo-me de um dos únicos locais que ainda funcionam para perguntar por que quase ninguém está trabalhando. O encarregado, de uns 50 anos, se abana enquanto prepara sorvetes para duas garotas, uma adolescente e outra que não chega aos 10 anos. Depois de me apresentar, menciono a situação do fim de semana e pergunto se é verdade que parte da invasão protagonizada pelo bando de criminosos Comando Vermelho se produziu por aquele acesso principal.

- "Não teve nenhuma invasão. Foram os polícias militares que os trouxeram até aqui no interior do caveirão, e depois os soltaram", me responde a adolescente, sem me ocultar sua irritação por minha presença. O comentário é absurdo e soa à versão dos fatos dos criminosos locais. A garota retrocede uns passos e comenta algo com um rapaz de sua mesma idade que está presente no lugar. Não consigo ouvir o que dizem.

Não passa muito tempo até que se aproxima um indivíduo entre 40 e 50 anos com o torso nu e a cabeça raspada. No pescoço um grande cordão de ouro com um pingente: o dente de algum animal de grande porte. Depois de saudar-nos, aparecem por trás dele vários meninos armados com pistolas automáticas e fuzis de assalto. Minha primeira reação é a de abaixar a cabeça, levar as mãos à nuca e ficar de joelhos ante eles, mas irracionalmente dou-lhes as costas porque não suporto a imagem das pistolas encarando-me. O medo me invade. Tenho em frente a mim o dono do local sentado em uma cadeira, em estado de pânico.

O homem do pingente se aproxima e coloca uma pistola de grande calibre contra a minha têmpora. Todos falam e gritam ao mesmo tempo. Reconheço dois sub-fuzis UZI. Todos são muito jovens. Dois meninos me encaram. O chefe dirige-se a mim:

- "Agora vai dizer quem é você e o que anda fazendo aqui".

- "Sou jornalista e vim entrevistas algumas pessoas sobre o que aconteceu aqui durante o fim de semana".

- "Cara, se estiver mentindo te apagamos aqui mesmo".


Um repórter espanhol entra na favela do morro dos macacosDa carteira extraem minha carteirinha de jornalista e meu RG espanhol. O homem estuda a documentação enquanto alguns narcotraficantes advogam a gritos pela minha execução.

- "Tirem este espanhol daí e levem para o centro da praça", resolve o chefe. Enquanto empurram-me, um dos meninos me diz ao ouvido: - "Se você for um desses jornalistas que fazem reportagens sobre nós... vai-te preparando mané". Um suor frio percorre-me as espinhas.

Então o líder fala:

- "Jornalista, deixa de tremer, porque se quiséssemos ter te matado, já estaria". São as primeiras palavras minimamente tranquilizadoras. Revisam meu bloco de anotações e meu celular, e retiram do meu bolso um pequeno gravador digital. Um dos meninos tenta convencer o resto de que o gravador é uma câmera oculta.

No meio da gritaria e com uma UZI apontando ao estômago, imploro misericórdia e tento explicar que no gravador não há nenhum material que possa comprometê-los. Consigo manipular o aparelho até que soa a última entrevista gravada essa manhã com um conhecido experiente brasileiro em pobreza. O líder conclui que devo ser libertado. Devolve-me a carteira e meu material de trabalho. No entanto, assalta-me o pressentimento de que nem tudo tinha terminado.

Minha intuição não falha. Aparece um indivíduo que aparenta ser outro cabeça do narcotráfico local, bem mais jovem e um pouco gordo, também bem mais agressivo. Dá a ordem de que me retenham e se aproxima. Encarando-me,
pisa ano meu pé direito e rasga a minha camisa. Outros dois me dão um par de golpes na cabeça e me sacodem, o recém chegado busca como um possesso alguma câmera. Não encontra nada, mas pega o celular e a gravadora e me diz:

- "Corre rua abaixo e não olhe para trás se não quiser morrer".

Acato a ordem e percorridos alguns metros, ouço gritos: - "Põe a camisa ou eu atiro!". Visto-me apressadamente com os trapos que sobraram. São 14:40. Quando saio da favela e me aproximo dos polícias que estão de campana.

- "Retiveram-me durante 10 minutos. Quase me matam".

- "Tinham muitas armas?"

- "Sim, muitas. E eles também eram muitos.

- "Seguem aí adentro..."


Cai a madrugada e olho absorto uma foto surpreendente publicada na edição digital de um jornal local: dentro de um carrinho de supermercado abandonado em um dos acessos ao Morro dos Macacos há um homem executado a tiros com o rosto desfigurado. A foto foi feita duas horas após minha libertação. Na imagem há vários curiosos tirando fotos com os celulares, e em primeiro plano distingue-se uma garota que observa a cena de costas à câmera. Pela roupa e o cabelo poderia jurar que é a mesma que pouco antes pôs em perigo minha vida.


http://www.mdig.com.br/


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