PORTUGUESES, DESTA VEZ OS DESCOLONIZADOS SEREMOS NÓS.
Rui Tavares(1) - Público
As derivas verdadeiramente graves começam sempre por coisas pequeninas, daquelas que se pergunta: “mas que importância tem isso”?
É assim com esta questão dos feriados. Que importância tem isso? Pergunta-se. Afinal, é só o 1.º de Dezembro e o 5 de Outubro.
Afinal, o 1.º de Dezembro significa apenas a autodeterminação e o 5 de Outubro significa apenas a república. São apenas ideias.
E depois paramos para pensar que ideias são essas.
Como pode um governo ignorar a autodeterminação sem a qual não seria governo e nem haveria país para governar?
E como poderá algum presidente da república promulgar a supressão do dia da república sem a qual ele não existiria?
Quem não respeita essas coisas pequeninas que são as ideias - as ideias que nos unem, as ideias que lhes dão existência, mesmo que eles não saibam - não é certo que respeite o resto.
Autodeterminação e república não são umas ideias quaisquer.
São as ideias que permitem que se diga que existe uma “República Portuguesa”. São assim, perdoem a comparação tão chã, como as dobradiças de uma porta — a que também se chama “gonzos”, ou “engonços”.
Sem dobradiças, uma porta é apenas um pedaço de madeira.
Ora, tudo na nossa forma constitucional de governo, na nossa democracia, e até na nossa existência independente, gira em torno das duas ideias tão simples que estão por detrás da expressão “República Portuguesa”.
Que um governo consiga menosprezar ambas ao mesmo tempo só parecerá uma coisa pequena até ao momento em que entendermos que o resto - a descrença dos cidadãos, o sofrimento dos mais fracos, a liberdade de expressão independentemente das conveniências, uma noção daquilo que significa o interesse público, a manutenção de uma espinha dorsal neste país que vai para nove séculos, por mais lixado e endividado que esteja,mas com opinião e dignidade, raios - são também coisas que eles não entendem. E aí tudo fará sentido, e não será ainda tarde.
Tal como muito se pode tirar das duas palavras “república portuguesa”, também a interpretação destas duas simples palavras “união europeia” nos dirá tudo o que precisamos acerca de tudo que está mal.
Quanto à “união”, a senhora Merkel e o senhor Sarkozy não querem apenas uma coisa obtusa. Querem uma coisa impossível.
Nunca na história da humanidade houve uma união monetária sustentável sem um instrumento de dívida comum (os eurobonds, neste caso). Nunca quer dizer nunca, desde que as cidades italianas o tentaram no século XIII até ao momento em que os EUA descobriram que a independência deles não duraria mais de quinze anos sem emissão de dívida que salvasse o dólar e os estados federados.
Quanto à “europeia”, a sua base histórica contemporânea está naquilo a que um autor dilecto do nosso Presidente da República - Thomas Mann - uma “Alemanha europeia” que não abusasse do seu poder ao contrário de uma “Europa alemã”, que acabaria fatalmente por destruir ambas.
Ao ver um directório governando a Europa, retirando-nos quaisquer condições de crescimento económico, e a insistência alemã em destruir a soberania dos endividados, talvez cheguemos à conclusão de que teremos de regressar aos três “D” do 25 de Abril.
Só que, desta vez, os descolonizados seremos nós.
(1) Historiador. Deputado independente ao Parlamento Europeu.
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