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sábado, 4 de maio de 2019

Portugal ainda tem mais dias de ditadura do que de democracia



www.dn.pt



A passagem de mais um aniversário sobre o 25 de Abril de 1974 provocou a publicação de várias investigações e ensaios sobre a história do Estado Novo e da Revolução. A maioria destes novos livros não são de historiadores, além de que essa matéria política e social começa a ser tema de literatura, situação até aqui pouco comum. A publicação destes livros resulta do interesse dos portugueses pela sua história mais recente e, ao mesmo tempo, confirma que as editoras se aperceberam de um bom filão.


Para o historiador Rui Ramos, muita desta história está a ser "feita na maior parte por não historiadores: jornalistas e protagonistas da época". O historiador responsável pela última grande História de Portugal alerta para o facto de "haver publicações interessantes, mas não são história, mesmo que contribuam com nova documentação".


Quando se lhe pergunta até que ponto esta produção refaz a visão desses tempos, Rui Ramos nega que tal aconteça: "Há uma natural continuação das interpretações de há vários anos e parece-me que o que está a ser feito é mais uma consolidação de conhecimento em vez de novos entendimentos, quer sobre personagens ou processos."


A explicação é simples: "Apesar de já terem passado 45 anos sobre a Revolução de 1974, ela ainda é uma parte central da liturgia do atual regime democrático e há uma natural timidez em interpretar o que se passou fora das visões canónicas estabelecidas. A maior parte das pessoas que fazem história coíbe-se um pouco e talvez exista até um certo receio - injustificado - em enfrentar as interpretações celebradas."

Relutância em pôr em causa

Para Rui Ramos, muito do que está a ser publicado é "baseado no estudo de documentação que não tinha sido usada, mas ainda predomina o discurso e a memória dos tais protagonistas da época". Insiste em que a ausência de uma nova interpretação seja por medo, pois "não há censura ou qualquer limitação", é mais devido à "relutância em pôr em causa visões que têm sido aceites".


Segundo Ramos, entre as várias razões estão "um peso muito grande do discurso e a memória dos protagonistas que ainda estão vivos e elaboram sobre o que viveram, uma interpretação forte e legitimadora por terem estado lá e vivido aquilo, que resulta numa espécie de autoridade acrescida para os que querem pronunciar-se sobre aquele tempo".


Essa sombra dos acontecimentos cobre também os historiadores mais novos, afirma: "Há uma certa reverência para com essa liturgia, sobretudo em termos de história, até porque o historiador não gosta de fazer parte da história e por isso não quer entrar em choque com protagonistas." Acrescenta: "O historiador sente-se mais à vontade quando trabalha sobre épocas onde os protagonistas não têm a possibilidade de dizer "não foi bem assim" porque têm uma memória diferente."

Utilizar o povo como Fernão Lopes

Opinião diferente tem o historiador Rui Tavares sobre os livros de novas gerações de historiadores, como os que valorizam "alguns elementos de história social e cultural do 25 de Abril, afastando-se de uma história política, a das lideranças e dos partidos, como sendo a determinante na transição do Estado Novo para o regime democrático".


Para Rui Tavares, existe um interesse muito grande dos portugueses nesse período da história, "que não é só virado para o passado mas também para o futuro". Avisa: "Costumo lembrar que Portugal ainda tem mais dias de ditadura do que de democracia. Só vamos ultrapassar essa situação em 2022."


Dá exemplos dessa nova visão que está a ser escrita, como a do historiador André Canhoto Costa, que publicou recentemente As Cinco Grande Revoluções da História de Portugal, em que "fez com muita competência o que em Portugal escasseia e que os anglo-saxónicos chamam de história popular". No qual, explica, "faz um esforço comparatista de analisar cinco revoluções desde 1383 até 1975", situação que "na academia não acontece muito porque há uma tendência para se ser muito monográfico nos trabalhos".


Segundo Rui Tavares, alguns destes trabalhos recuperam "o exemplo de um grande historiador das revoluções, Fernão Lopes, que traz o próprio povo para o centro da narrativa". É também o caso de dois outros historiadores, Ricardo Noronha e Luís Trindade, num trabalho a ser editado em breve: "No qual salientam o dinamismo da sociedade portuguesa desencadeado pelo 25 de Abril, incluindo os que estavam no Portugal europeu e os que vieram das ex-colónias, soltando nos anos de 1974-75 uma energia que esteve contida, transformando decididamente a sociedade portuguesa e deixando tudo em aberto. 

O que fazem é inverter os nexos explicativos e analíticos a que estamos mais habituados e são tradicionais na leitura do 25 de Abril, como o de evitar o relevo nas lideranças partidárias e trazer a população que logo no próprio dia 25 exige o que não estava na agenda dos líderes político-militares."


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