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quinta-feira, 23 de maio de 2019

A rua do Avô Vidal - Por Beatriz Lamas Oliveira


Beatriz Lamas Oliveira



A Quinta do Anjo S. Miguel fica na freguesia de Ferreiros, no Minho. O nome da freguesia vem de, naquele lugar ter havido forjas romanas. O avô Vidal herdou a Quinta de uma madrinha. Agora, a rua que passa junto ao portão e segue depois para o interior da freguesia tem o nome dele. Rua José Vidal da Costa.
Era o poiso de Verão das crianças. Na quinta havia, e ainda há, lagar de vinho,tulhas, adega,casa dos caseiros. Uma capela. 
A 29 de Setembro fazia-se a missa de S. Miguel o Anjo. Produzia-se vinho. Havia um olival, muitas árvores de fruto,hortas, flores. Um lago com peixes vermelhos chamado a Carranca, datado de 1821! No pinhal até às vezes se dormia a sesta. 
Um ou dois cobertores para estender no chão, umas quantas almofadas, o lanche. Pão com marmelada e bananas! Apanhar caruma para o lume fazia as crianças sentirem-se úteis!Também havia colmeias e abelhas.
Lá em cima, na casa dos caseiros, havia galinheiros, coelheiras, o curral do porquinho. A matança era no fim de verão! Estábulos das vacas_as de leite e os bois de carro. 
Até havia um alambique onde se fazia aguardente. 
As crianças reverenciavam o alambique _parecia um laboratório e ali havia trabalho sério.
Claro, havia sempre cães de guarda. Inesquecível, o Mondego, tão meigo e tão travesso. Doces olhos castanhos.
Na quinta, e sem esforço nenhum, aprendiam-se coisas tão interessantes como sulfatar as vinhas e vindimar do alto das escadas. Escorropichar os copos dos mais velhos. Aprendia-se a diferença entre as pencas e as couves tronchudas, a debulhar ervilhas, desfolhar o milho. Grande sensação de pertença era uma grande roda de mulheres sentadas no chão a merendar broa de milho e sardinhas, os chapéus de palha,as saias de trabalho, rotas e compridas, as malgas do vinho, tintas de alegria.
Apanhar sardaniscas,correr atrás das borboletas,admirar pirilampos, o susto das cobras. O cágado Ameixa da menina Tizinha. O calor do Verão. Primeiro andar de triciclo e depois de bicicleta.
Fazer marmelada e geleia, acender a lareira grande da cozinha, encher a goela dos perús de vinho fino e vê-los bêbados a dançar no chão prestes à degola. Amolar as facas,atiçar o lume no fogão de lenha. Todos os gestos de trabalho tinham o sentido de um jogo divertido.
Matar o porco e aprender anatomia, chamuscar a pele do dito. Os alguidares cheios da carne para o sarrabulho. Cortar o sangue com vinagre, era aula de química.
A quinta? uma escola,uma festa, uma lonjura,um mundo. Mas, mesmo se o mundo da infância era mágico_como serão mágicos quase todos os mundos infantis _ as crianças crescem.
Mas não esquecem.
E uma das melhores recordações está relacionada com as andorinhas e os ninhos que faziam no beiral do telhado. Chegavam em abril, punham ovos , tinham os filhotes. Viviam na quinta uns cinco meses.
O Avô Vidal contou que as essas andorinhas, quando partiam, seguiam para o Algarve , em direção ao deserto do Sahara, atravessando imensidões de floresta para chegarem à África do Sul. Mostrou no mapa este longo percurso! Apaixonante viagem, valentes pássaros lutando pela sua vida.
As andorinhas voam baixo, de dia, fazem mais de trezentos quilómetros por jornada. Aconchegam-se todas juntas durante a noite. Comem muitos insetos durante a viagem. 
Algumas morrem durante o caminho para sul.
Portanto a quinta era uma escola, onde se aprendia química, geografia, anatomia, ornitologia, e sobretudo magia.
O cesteiro vinha fazer cestos para as vindimas, o amolador de facas vinha afiá-las para a cozinha do dia a dia, o carpinteiro vinha consertar dornas e pipas do vinho. 
Os vizinhos vinham comprar ovos, limões e maçãs com o engraçado nome de porta da loja.
Mas aqui não há loja nenhuma! -exclamavam as crianças.
E o Avô Vidal ria. E o cabritinho Junco pulava, as pessoas grandes trabalhavam e conversavam, as crianças eram felizes mas não o sabiam.
gazetacaldas.com

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