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domingo, 19 de maio de 2019

CATARINA EUFÉMIA - UM POUCO DA SUA LUTA E DA SUA HISTÓRIA


Catarina  militante do PCP.

Uma das razões que determinou a escolha deste tema – para além do indicado no ponto 2. – tem que ver com a circunstância dele, transversalmente, fazer incursões e apresentar investigação sobre boa parte das disciplinas do curso, como é verificável através da avaliação do trabalho.
Algumas dessas incursões estarão, porventura, prejudicadas por alguma ingenuidade ou delírio, face à natureza de algumas fontes. Cito, a título de exemplo, as referências ao assalto ao Quartel de Beja (página 8, apenso um)  ou até o mundo do futebol ( página 115, apenso um). Refiro-me, neste caso, às memórias do viúvo de Catarina, cuja elaboração foi passada a texto a partir de gravações que fiz ao próprio, ou de velhos manuscritos a que tive acesso.

O assassinato de Catarina Eufémia, ocorrido em 1954, é contemporâneo de factos nacionais e internacionais, que entendi não ignorar.
Ora porque, no Alentejo em particular, houve ocorrências cujo escrutínio conferem ao crime enquadramentos sociais e políticos que o subtraem do terreno de acontecimento fortuito – mais de trezentas prisões, oito homicídios, falam por si – ora ainda porque no plano nacional se viveram momentos de controvérsia, intriga palaciana, glórias mil vezes cantadas até à exaustão, tragédia, crimes políticos, eles também ajudantes de campo para uma compreensão integrada do que sucederia em Baleizão.
Internacionalmente, aludo a acontecimentos contemporâneos do crime que vitimou Catarina Eufémia, os quais cooperam para um entendimento mais alargado do clima que então se vivia, o qual,
directa ou indirectamente, influenciou o regime de Salazar.
Destacarei, por exemplo, o suicídio rocambolesco do ditador brasileiro Getúlio Vargas, Presidente da República, que mergulhou o então líder do Governo Oliveira Salazar numa profunda depressão, como pude verificar em correspondência trocada entre Salazar e o então seu Ministro Santos Costa.
Há, na bárbara eliminação física de Catarina Eufémia, um clima nacional e internacional assinalado por dramas e tragédias, violência e algum fogo de artifício, que reconduzem a camponesa baleizoeira ao território das causas e coisas comuns, sem a arrancar a ferros do mito nacional em que se acabaria por  se transformar.

Ao longo deste trabalho – especialmente em matéria de cruzamento de fontes – detectei, aqui e ali, subtis discrepâncias, que não valorei em excesso, dados os quase 52 anos decorridos após o crime.
Limitei-me a usar, para a descoberta de uma espécie de fio de prumo das mencionadas discrepâncias, o chamado senso comum ou, utilizando um jargão judiciário, tudo visto e ponderado optei pela livre apreciação da prova. As mais de 700 (setecentas) páginas da tese esclarecem, espero, todas as dúvidas.

Relativamente às questões de forma e organização do trabalho,  escolhi para a sua realização  uma linguagem de tipo cinematográfico. Recusei uma tese inundada de citações, necessariamente pouco atractiva, escolhendo o caminho de uma sucessão de quadros cujas leitura e apuramento finais, prescindindo de explicações redundantes ou opiniões pessoais, permitam fazer luz sobre o essencial do crime e do mito.

Preferi uma sucessão de oito quadros os quais,em forma de texto, fac-similes ou fotos, muito apreciaria que determinassem a compreensão inteligente do fenómeno Catarina Eufémia. Trata-se, reconheço, de uma opção de algum risco, que assumo, todavia, como a melhor escolha, dada a abundância e qualidade dos materiais recolhidos.
Independentemente da apreciação e valoração finais dos meus examinadores, autorizem-me a confidência de que cheguei feliz ao fim desta empreitada.
Oxalá quem comigo cooperou sinta e pense o mesmo. Não terão sido em vão os cotejos de 11.242 documentos, 655 testemunhos, dezenas de milhares de quilómetros, percorridos de norte a sul do país.

Oxalá, finalmente, ser merecedor da consideração que em mim depositaram, não apenas as centenas de fontes que me falaram ou confiaram documentos e até roupas, mas sobretudo os filhos e o viúvo de Catarina Eufémia, cidadã do meu país cujos exemplo, testemunho de vida e memória me comovem e honram.
Em parte, pelas piores razões, acrescento.
Mas também por motivações históricas que urge conhecer.
Catarina, hoje, permitam-me a ousadia, já vive comigo.
Porventura, alguns puristas da chamada gramática normativa considerarão haver neste trabalho alguma irregularidade na utilização das flexões verbais ou, até, outros, no tipo de letra usado. Neste particular, ou também na numeração de páginas, conservei tudo como foi produzido, nos momentos da escrita, em tempos diversos, ao longo dos meses.
É uma opção consciente.

Por razões de ritmo, ora escolhi o chamado presente histórico, ora
o passado, porque essa escolha subtrairía o texto do vírus da previsibilidade e da sua conformação à norma, que tanto, aliás, foi transgredida por Catarina Eufémia, fossem como foram diversos os seus contextos.




Escravatura e o começo das greves


O Alentejo já tinha sido fustigado, no século XVI, pela escravatura pura e dura. Em 1466,  havia três mil negros, importados das antigas colónias, expostos e à venda na Praça do Giraldo em Évora. Duas décadas depois, estavam disponíveis mais de trinta mil escravos só para a zona do Alentejo. Para além de outros documentos que consultei, destaco a investigação levada a efeito pelo historiador José Ramos Tinhorão, no seu livro “Os Negros em Portugal”, editado pela “Caminho”.
Muitos destes homens morreram à fome, à bala, espancamentos e os tratamentos mais bárbaros, quando a sua resistência soçobrava à violência imposta pelo dealbar das primeiras lavouras alentejanas.
O ano de 1911 é, no entanto, verdadeiramente, na prática, o primeiro do novo regime. Mais serenados os ânimos após as turbulências do 5 de Outubro de 1910 e do triunfo da República, é também chegado o tempo de fazer dos acontecimentos nacionais vividos o balanço elementar.
Sob a vigência do primeiro governo provisório da República, 1911 é um ano conclusivo para uma avaliação realista das alterações produzidas na natureza política  do novo regime.
Alguns dos caudilhos da República eram homens e cidadãos devotados à causa do progresso social do seu povo e do seu país. Mas outros, dos mais destacados, ostentavam um republicanismo de fachada sob o qual se ocultava uma mentalidade retrógrada. Nos momentos decisivos deixavam cair o véu e tornava-se clara a sua opção.
É a sua acção nos grandes confrontos sociais que define liminarmente a natureza política da primeira República.
É também nessa emaranhada conjuntura ideológica e política que se torna possível aferir do timbre de classe dos trabalhadores das fábricas e dos campos na época em curso no Portugal da primeira década do século de novecentos.
Sob o novo regime são praticamente irrelevantes as alterações nos domínios da economia, das condições sociais dos trabalhadores, do regime de propriedade da terra e dos meios de produção. São os interesses dos grandes detentores da riqueza que norteiam, com poucas excepções, a política dos diversos governos da República e o comportamento social concreto dos seus mais destacados dirigentes.
A criação da GNR em Maio de 1911, no momento em que, por exemplo, no Alentejo do latifúndio, se travavam agudas lutas pelos interesses vitais dos assalariados agrícolas, é uma iniciativa que obedece claramente a propósitos de lançar contra o mundo do trabalho uma força repressiva, verdadeiramente pretoriana e de choque, contra os que reclamam trabalho e pão.
Nos domínios da agricultura nada foi feito para alterar a velha estrutura agrária de raiz feudal. Vale a pena atender ao quadro seguinte.




-          a norte do Tejo, o minifúndio em tomo das grandes quintas senhoriais funcionava em termos da necessidade de mão-de-obra servil dos grandes proprietários;
-          a sul do Tejo, o latifúndio e o seu exército de assalariados sem terra, fustigados pela exploração mais despiedada, submetidos a um salário de fome e ao desemprego sazonal crónico. Nos mais agudos conflitos do trabalho, os mais destacados «tribunos» da República alinhavam de imediato com os latifundiários.
É verdade que, no plano económico, logo na segunda década do ano de mil e novecentos o governo republicano português sofreu, como qualquer outro sofreria, dos efeitos da difícil conjuntura internacional de preparação e desencadeamento da Primeira Guerra Mundial.
No plano social foram, porém, os trabalhadores que suportaram o peso maior da crise e, nos campos do Alentejo, foram os grandes detentores da terra os privilegiados pelos governantes republicanos, com raras excepções.

Um forte movimento sindical organizado de massas afirma-se como esteio fundamental do seu combate. O número de sindicatos de trabalhadores rurais a partir de 1911 e até quase aos começos da Primeira Guerra Mundial sobe a um ritmo notável: de 32 nos princípios de 1912, são já 67 em Agosto do mesmo ano, 94 no mês de Fevereiro de 1913 e 127 em Abril desse mesmo ano, por ocasião do Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, conforme notícia de primeira página do jornal O Camponês..
O peso da crise sobre os trabalhadores varia por vezes de localidade para localidade, de concelho para concelho. No caso de distrito de Évora, antes das grandes greves rurais de 1911-1912, as lutas por melhores salários estão no centro, com as diferenças das tabelas de zona para zona, de local para local. Os salários em réis por dia para os homens eram, no Inverno, para o concelho de Évora e na Igrejinha, de 260 réis (800 no Verão); em Évora Monte e Reguengos, 240; em Machede, 280; em S. Manços, de 200/300; no concelho de Montemor-o-Novo, de 300 para 320; em Cabrela, igualmente 320; na cidade de Montemor-o-Novo, 200 réis.
No plano organizativo, regista-se um aumento de participações nas reuniões preparatórias, em congressos e conferências de sindicatos e outras agremiações de classe. Enquanto um ano antes, no Congresso Nacional de 15 de Setembro de 1910, numa reunião preparatória em Lisboa - na Sala Algarve da Sociedade de Geografia - participam 22 associações de classe (entre as quais apenas uma do Alentejo, a de Évora, e na reunião do Porto já participam 57 sindicatos e cooperativas operárias), no 11º Congresso Sindicalista de Lisboa, realizado no Sindicato dos Tipógrafos, na Rua de S. Bento, em 7 de Maio de 1911 com quase o dobro das delegações, a representação de Évora mais numerosa traz consigo a mensagem de luta da importante greve dos assalariados agrícolas da região alentejana que entreabre horizontes novos ao movimento camponês do Alentejo.
A informação eborense levada ao Congresso referente à acção repressiva do governo republicano é elucidativa.
O governador civil de Évora, Paulino de Andrade, promete aos trabalhadores, com quem falou, regular, com abertura, a situação que levara à greve. Mas a primeira medida deste representante do governo é o encerramento da sede da sua Associação dos Trabalhadores Rurais. Em Évora, na cidade e no distrito, sob cargas da GNR e de forças do Exército, são encerradas todas as Associações de Classe. E os grevistas tiveram de fazer as suas reuniões nos campos, ao ar livre. E são em seguida atirados para as prisões os trabalhadores mais destacados. As restantes Associações Operárias de Évora e de todo o distrito decidem fazer uma greve de solidariedade em que participam mais de 20 000 trabalhadores, homens e mulheres.

A greve geral dos assalariados agrícolas dos distritos de Évora, Portalegre e Beja, em Maio/Junho de 1911, pela sua amplitude, unidade e firmeza, pelo carácter que assumiu, pela forma como foi conduzida e foi reprimida, inscreve-se nos anais do movimento operário português, em geral, e do movimento do operariado rural alentejano, em particular, como a mais importante luta de massas nos primeiros anos do regime republicano em Portugal.
No ano de 1911, logo ao romper de Janeiro, o processo de luta continua.
Em Elvas mais de 1000 trabalhadores fazem greve e conquistam sob a violência policial a jorna pedida de 200 réis; mais de 800 em Évora se manifestam nas ruas e na Praça do Giraldo, entre choques com forças militares do quartel local; mais de meio milhar em Degoladas conseguem com a greve os 200 réis de jornas; em Veiros, também cerca de 500 fazem a greve sofrendo violências e vários a prisão; em Fronteira, em número igual, fazem a greve, contra a intransigência dos agrários; em Campo Maior, sob a violência da repressão, a greve é declarada como protesto contra as baixas jornas e as desumanas condições de trabalho; e Évora Monte (o histórico local onde 77 anos antes fora assinada a Convenção que expulsava D. Miguel para fora do país) o povo manifesta-se e vence nas suas exigências de trabalho; em Santa Eulália os protestos populares enfrentam a violência repressiva; em Canha é a greve vitoriosa por mais salário e a redução da jornada de trabalho de sol a sol; em Igrejinha, choques com a guarda; em S. Manços, os trabalhadores resolvem atrasar as tosquias obrigando os agrários a um acordo; em Cabrela, a greve de mais de 200 trabalhadores, sob a exigência de 320 réis de jorna nos primeiros 3 meses, 500 na época das ceifas e 400 nos restantes meses do ano, os conflitos com as autoridades levam ao cerco da casa do regedor; em Mora, sob as cargas da guarda, cerca de 2000 grevistas arrancam a melhoria das jornas; em BarbacenaPortel, por duas vezes (uma, a que atrás referiro nas freguesias de Santa Cruz e Amieira ligada à defesa dos Baldios, esta com a intervenção da GNR, acabada de criar); de novo em CanhaIgrejinhaS. Manços e Cabrela, as greves, com a participação de centenas de assalariados agrícolas, em vários casos enfrentando as violências da repressão e dos agrários e em geral vitoriosas, abalam o Alentejo, abrem novos horizontes à política salarial e nas condições de trabalho e de vida que representam melhorias até aí negadas pelos agrários.
As ceifas de 1911 já são feitas num quadro salarial mais favorável.
Em Portel, em Évora, em Reguengos de Monsaraz, em Arraiolos, em Viana do AlentejoMontemor-o-Novo, em Redondo, em Vendas Novas, emMora, no Alandroal, em Gavião, no Alvito, no Torrão do Alentejo, em Vila de Frades; em BarbacenaCastelo de VideS. VicenteVila Boim,Terrugem (estas últimas cinco já nos inícios de 1912); em Beja; em Elvas, assim como em Campo MaiorCrato e Arronches, onde se produziram confrontos e tumultos de certa gravidade - o movimento grevista de 1911 chega a atingir aspectos insurreccionais que fazem tremer os latifundiários e pôs à prova a natureza  do regime republicano.
O número de grevistas, só no concelho de Évora, ultrapassou os 5000.
Estas greves, em simultâneo com as do distrito de Santarém, constituem o despertar do movimento camponês em todo o sul do Tejo.
A greve iniciou-se em torno de reivindicações salariais e tem na origem a situação de mal-estar generalizado em relação à política agrária dos governantes.
Em Évora, no dia 2 de Junho, aderem à greve camponesa os trabalhadores dos serviços de limpeza da Câmara, os sapateiros, os corticeiros, os operários da construção civil e outros; também em Arraiolos e Reguengos de Monsaraz.
Variam as exigências de salários: em Évora são reivindicados para os três quadrimestres do ano salários respectivamente de 700, 500 e 400 réis. Atemorizados com o vigor do movimento grevista, os agrários oferecem pagar 800 réis no período das ceifas, que são recusados pelos trabalhadores. Em Arraiolos 700 réis para os serviços de gadanha,. ceifa e debulha mecânica e a  liberdade de contratos especiais. Durante o último quadrimestre e Janeiro seguinte o preço será de 400 réis fixos, nos primeiros três meses do ano de 500 réis fixos; os agrários aceitam a abolição do trabalho nocturno, com excepção do trato do gado; os assalariados em serviço dos lagares e adegas terão contratos especiais. Exclusivamente para Évora, o pagamento dos salários será feito ao sábado durante ou após a largada do trabalho. Toda uma variada escala de salários é acordada com os grevistas. Em Portel dão-se choques violentos com a força pública.

O movimento grevista em períodos alternados estende-se por todo o último semestre de 1911 e prossegue pelo início de 1912. Os agrários não poderão contratar ranchos de fora do Alentejo enquanto houver trabalhadores disponíveis nos concelhos alentejanos. É todo um processo negocial de concessões mútuas, mas de grande determinação e firmeza dos trabalhadores.

A grande greve de 1912 dos trabalhadores de Évora, que viria a ser ferozmente reprimida pelo governo de Augusto de Vasconcelos, recolhe toda esta contribuição.

O arranque para a greve por iniciativa da Associação de Classe dos Trabalhadores Rurais de Évora é um rasgo notável de organização de uma greve como a que se projectava levar avante.
No dia 31 de Maio, ao romper da aurora, uma «arruada» de 500 trabalhadores espalha-se pela cidade em campanha de adesão à greve. Em poucos dias a greve alastra a todo o distrito. As outras Associações operárias de Évora aderem ao apelo e operários da construção civil, corticeiros, sapateiros, trabalhadores das obras e dos serviços municipalizados de limpeza, calceteiros, paralisam o trabalho. Mais de 5000 trabalhadores aderem à greve. No Rossio de S. Brás, mais de 8000 protestam contra o trabalho desumano de que são vítimas.
No dia 3 de Junho, cerca de 16 000 trabalhadores, homens e mulheres, participam num grande comício na Praça de Touros que aprova em massa a tabela de salários elaborada pela direcção do movimento.
Os agrários, surpreendidos com a força e o ímpeto do movimento, tentaram todos os meios para recusar as tabelas propostas.
As Associações de Classe são encerradas. As forças repressivas desencadeiam a violência e greves de solidariedade eclodem em vários pontos do País (regiões de Lisboa e Setúbal).
No mês de Agosto, o tribuno Afonso Costa dá aos grevistas ordem de prisão e deportação para as colónias de África.
Os mais destacados militantes sindicais e grevistas são encarcerados e levados para bordo do Afonso de Albuquerque. Entre eles encontram-se dirigentes sindicais da Federação Rural como João José Candieira, Vital José e Sebastião Cebola.

O ASSASSINATO DE CATARINA

O assassinato de Catarina Eufémia em 19 de Maio de 1954, na herdade do Olival, em Baleizão, propriedade do agrário Fernando Nunes, envolve-se de aspectos dos mais monstruosos de hediondez e sadismo do seu assassino, Carrajola, tenente da GNR do quartel de Beja, e mostra ao mesmo tempo  a força da repressão.
E o crime de Baleizão mostra também como, em momentos de intensa comoção de massas, a arma da repressão  contra o mundo do trabalho pode violentar e ferir no mais fundo os sentimentos de fraternidade e solidariedade humana dos trabalhadores.
Naquele dia, em Baleizão, no concelho de Beja, em plena época das ceifas, os assalariados agrícolas, no termo do período de desemprego sazonal e crónico, numa decisão colectiva unanimemente tomada nas praças de jorna, recusam trabalhar pelo salário oferecido pelos agrários e reclamam mais uns escudos por um trabalho dos mais penosos da faina agrícola alentejana – a ceifa -, sob o sol da canícula que nem os chapéus de palha triga das mulheres, nem os de negro feltro dos homens pode neutralizar.
O agrário Fernando Nunes, por alcunha «O Carteirinhas», como o conjunto entendido entre si dos agrários, não cede à reivindicação dos ceifeiros. E o pessoal entra em greve - a forma mais elevada que tem à mão para resistir à prepotência e à ganância dos exploradores e fazerem valer as suas razões.
O agrário da herdade do Olival tenta quebrar a unidade dos ceifeiros e ceifeiras de Baleizão contratando um rancho de fora. Os da terra chegam-se à fala com os de fora e estes, esclarecidos pelos seus camaradas baleizoeiros, solidarizam-se com eles e abandonam o trabalho.
É nesta altura que entra a GNR, os impede de retirar e os obriga a trabalhar sob as armas aperradas. Numa concentração, o povo de Baleizão em peso - cerca de mil e quinhentas pessoas - quer de novo falar com os ceifeiros de fora. A força da GNR impede-os, mas 16 valentes mulheres furam a barreira e avançam para falar com os companheiros do outro rancho.

Catarina, a cabeça da fila indiana das mulheres, com um filho ao colo, é interpelada pelo tenente Carrajola que lhe salta ao caminho e  berra: «p***! Vai para casa criar os teus filhos!» E dá-lhe uma violenta bofetada.
«Não me bata», grita Catarina, «o que eu quero é trabalho e pão para os meus filhos!» Carrajola encosta-lhe  o cano da pistola metralhadora e friamente faz três disparos. O corpo cai ante os olhos estarrecidos das suas camaradas. Felisberta Cascalheira, uma das 16, ainda hoje não pode falar do que viu sem uma funda emoção.
Naquele dia, na herdade do Olival, do «Carteirinhas», o sangue de uma heróica mulher do campo - na altura com um posto de responsabilidade local do  Partido Comunista - adubou com sangue as searas do futuro.

Mas para os assalariados agrícolas do Alentejo, Catarina Eufémia, trabalhadora, mulher e mãe não morreu. Vai continuar a ser uma bandeira viva da luta dos seus companheiros. Uma vintena de anos mais tarde o seu nome é dado a uma UCP da sua região. Hoje, em Portugal, há mais de cem praças, ruas ou avenidas com o seu nome.
Em Agosto de 1955, numa grande concentração de assalariados agrícolas de Baleizão, fazem junto da Casa do Povo um protesto contra o desemprego. Novas prisões são feitas pela GNR local e nos confrontos a população apedreja o posto local da guarda.
Em Janeiro de 1957, cerca de 200 trabalhadores fazem várias concentrações na Casa do Povo protestando contra o desemprego e reclamando trabalho - que se repetem em Outubro do mesmo ano. Em Dezembro de 1955, são despedidos das obras nas estradas e realizam juntos o protesto contra essa decisão reclamando a continuação do emprego. E mais uma vez é a luta contra a repressão que mobiliza os trabalhadores baleizoeiros na exigência da libertação - que consegue – de alguns companheiros presos para «interrogatório» pela GNR local. Em 20 de Abril de 1958, em número de 240, fazem uma greve de protesto contra o despedimento de 20 companheiros. No dia seguinte, cerca de 700 concentram-se em protesto frente ao posto da GNR. E de novo contra o desemprego cerca de 200 se concentram em Janeiro de 1959. No mês de Março são as mulheres que paralisam o trabalho por uma semana, reclamando aumento dos salários, e os trabalhadores locais entregam uma exposição com 500 assinaturas para a Junta Central das Casas do Povo, reclamando o salário mínimo.

E em Abril de 1965 o povo de Baleizão sai à rua em protesto contra a Guerra Colonial quando toma conhecimento da morte em África de um jovem soldado da localidade.
Aldeia Nova de São Bento é outro local onde a luta foi uma constante da vida diária dos trabalhadores.

Em Maio de 1946, juntamente com os trabalhadores de Vale do Vargo e Serpa, manifestam-se em massa contra a falta de géneros exigindo o aumento dos abastecimentos. Em Maio de 1948, em conjunto com os de Montes VelhosQuintosPenedo GordoVale de Vargo e Pias paralisam o trabalho e reúnem-se numa grande concentração em Aldeia Nova, reclamando o aumento dos salários. No mês de Janeiro de 1949, em número de 150, concentram-se na Casa do Povo reclamando trabalho.

Em Junho de 1950, em número de 400, concentram-se junto da Casa do Povo, do Grémio da Lavoura e do posto da GNR em protesto contra o desemprego no fim das ceifas e, em Outubro, em número de 100, concentram-se frente à Junta de Freguesia exigindo trabalho, assistindo-se ao facto insólito de a GNR e a Guarda Fiscal locais fazerem causa comum com os desempregados.

Em 15 de Dezembro de 1952, 200 desempregados concentram-se na Casa do Povo exigindo trabalho e em Janeiro de 1953, em número de 400, concentram-se na Casa do Povo pelas mesmas reivindicações. Em 10 de Maio, outros 400 reúnem-se para acerto das jornas a exigir e no dia 12 um rancho abandona o trabalho por o agrário não ter cumprido a jorna negociada. Em Maio de 1955, em torno das suas comissões de praça, combinam a jorna a pedir em conjunto com os trabalhadores de Pias e Vale de Vargo, conseguindo o aumento combinado.

No Verão do mesmo ano concentram-se na Casa do Povo protestando contra o desemprego. Em Novembro de 1956 fazem várias concentrações na Casa do Povo reclamando trabalho, e voltam a reclamá-lo numa concentração de 100, no mês de Outubro.

Nos dias 1, 2 e 3 de Julho de 1958, juntos numa concentração de milhares de assalariados com os de Cabeça Gorda, Neves, Salvada, Boa Vista, Penedo Gordo, Vila Azeda, Baleizão e Quintos fazem greve e promovem uma manifestação contra a burla eleitoral.

Os trabalhadores de Pias e Baleizão, em Julho de 1944, juntamente com os trabalhadores de Vale do VargoQuintos, Montes VelhosPenedo Gordo e Aldeia Nova param o trabalho, organizam uma grande concentração e exigem o aumento das jornas para as ceifas.

Em Janeiro de 1945, 70 operários agrícolas das duas aldeias e de Serpa promovem concentrações nas Casas do Povo de protesto contra o desemprego.
Em Maio de 1953, mais de 1000 trabalhadores, com as suas comissões de luta, exigem o aumento das jornas. Simultaneamente, os operários da construção civil de Pias fazem greve por solidariedade com a dos operários agrícolas locais, exigindo eles também o aumento dos salários - os de Vale de Vargo, em número de 130 homens e 20 mulheres, concentram-se em frente do posto da GNR exigindo a libertação dos presos políticos. A GNR impõe à população o recolher obrigatório após as dez da noite.
Nos finais de 1954, começos de 1955, integrados numa grande movimentação nacional da juventude, os jovens de Aldeia Nova, Grândola, Montoito, Pias, Vale de Vargo, Silve ira, Montemor e outros promovem concentrações e recolhem abaixo-assinados de protesto contra as armas atómicas e pela paz em Goa, ainda debaixo da tutela portuguesa.

As aldeias de Pias e Vale de Vargo são também pontos de referência dos mais luminosos do percurso de combate do movimento popular no Alentejo contra a grande exploração agrária e a política fascista. Em Agosto de 1947, os assalariados rurais de Pias tinham feito urna grande concentração na Casa do Povo local de protesto contra o desemprego e reclamando trabalho, e em Março/Abril de 1948, juntamente com os dePenedo Gordo, recusam as jornas que os agrários se propunham pagar na cava das vinhas e nas mondas.
Maio de 1954 é o mês em que os trabalhadores das duas aldeias, juntamente com os de Aldeia NovaSerpa e Baleizão, firmes nas praças de jornas, conseguem arrancar o aumento salarial acordado.

Entre os dias 23 e 30 de 1953 as mulheres de Vale do Vargo fazem greve nas ceifas e conseguem obter a jorna combinada. Em fins de 1954, são os trabalhadores homens locais a obter através da greve o aumento das jornas. Em Fevereiro, em número de 200, haviam feito greve por mais salário nas mondas. Em Outubro, em conjunto, os operários agrícolas de Vale de Vargo e Serpa concentram-se, os primeiros na Junta de Freguesia, os segundos na Câmara, em protesto contra o desemprego.
Já em 1956, os de Vale de Vargo, em número de 100, subscrevem um manifesto a reclamar contra a falta de géneros e igualmente nos princípios do ano se concentram em número de quase uma centena frente à Junta de Freguesia exigindo trabalho.
Em Novembro são os de Pias - que haviam exigido em massa o fim do desemprego no Verão de 1955 - a entrar em greve de protesto contra as condições desumanas de trabalho impostas pelos agrários.

Em Novembro, os de Pias, concentram-se na Casa do Povo exigindo trabalho e, em 21 de Maio de 1957, em número de 200, na praça de jornas recusam trabalhar nas condições pretendidas pelos agrários.
Em Junho de 1958 os trabalhadores de PiasVale de VarroSerpa e Quintos fazem um dia de greve de protesto contra a burla eleitoral. E em 1, 2 e 3 de Julho, os três primeiros e os de Serpa fazem greve e manifestam-se contra a burla eleitoral. Em Novembro, os assalariados agrícolas deVale de Vargo juntam-se em massa na Casa do Povo, e frente ao posto da GNR reclamam contra o desemprego. No início de 1959, 200 trabalhadores desempregados de Pias concentram-se na Casa do Povo reclamando trabalho.

Em Junho de 1961, os operários agrícolas de Pias (que já em Fevereiro de 1960 se haviam concentrado junto das Casas do Povo com os deSerpaVale de VargoAldeia Nova) concentram-se na Câmara Municipal de Serpa exigindo «trabalho ou pão». Os trabalhadores de Pias fazem um abaixo-assinado, exigindo que nas ceifas dessem trabalho a todos os desempregados. E que todos se comprometessem a não trabalhar mais que as 8 horas. Em 8 de Maio, os ceifeiros de Vale de Vargo fazem «greve geral» contra a política do regime fascista, e em Novembro de 1963 os dePias fazem também greve contra a redução dos salários e o agravamento das condições de trabalho. Depois, em Março de 1964, 100 trabalhadores de Pias, ao serviço do agrário João Rogado, fazem greve por ele os ter querido obrigar a trabalhar de empreitada.
Nas sedes de concelho do distrito de Beja (este incluído), tratando-se de centros urbanos, os assalariados agrícolas neles moradores identificam-se mutuamente nas lutas e no reconhecimento da natureza objectivamente parasitária daquele tipo de regime agrário.

Alguns foram referidos em conjunção com os de freguesias rurais várias.
Os operários agrícolas de Barrancos concentram-se juntamente com os de Baleizão e Pias, em Dezembro de 1950, num protesto colectivo contra a falta de trabalho.

Em Beja, depois da greve de 1932, os assalariados agrícolas desenvolvem uma agitação em massa apelando ao protesto contra o desemprego. Vinte anos depois, em Maio de 1952, na Herdade do Monte-MeIo, abandonam a herdade porque o agrário recusa o melhoramento e humanização das condições de trabalho. Nos dias 1, 2 e 3 de Julho de 1958, milhares de operários agrícolas e industriais de Beja, juntamente com os das Neves,Cabeça GordaSalvadaBoavistaPenedo Gordo e Vila Azeda (com Baleizão do concelho de Serpa) fazem greves e manifestações contra a burla eleitoral, quando concorria à Presidência da República o general Humberto Delgado. Mas em Janeiro de 1961 são os trabalhadores da construção civil que se recusam a receber os salários enquanto não lhes pagassem as horas extraordinárias.
Entre 25 e 30 de Maio de 1953, os operários agrícolas de Cuba, juntamente com os de BrinchesQuintos, Ferreira do Alentejo e Vila Verdeconcentram-se por decisão colectiva nas praças de jorna e conseguem arrancar os salários que haviam combinado.
Em Mértola, encostada quase às Minas de São Domingos, os trabalhadores contratados pela câmara para obras municipais recusam, em Abril de 1947, o trabalho de sol-a-sol que lhes querem impor e exigem o horário das 8 horas.

Já em Maio-Junho de 1949, os ceifeiros de Mértola combinados com os de Ferreira do Alentejo, à volta das suas comissões de praça, e na segunda semana das ceifas, exigem, e conseguem, o aumento dos salários. Em Maio de 1952 recusam-se a trabalhar pelo salário que os agrários querem impor na praça de jornas de Vale dos Mortos e conseguem que sejam aumentados. Em Outubro de 1958 são os descarregadores do cais do Guadiana que fazem greve de dois dias pelo aumento dos salários. Em fins de Agosto são os rendeiros e seareiros locais em conjunto com os de Serpa que exigem crédito mais acessível e a revisão dos preços agrícolas.
Em Moura, no dia 18 de Agosto de 1949, mais de 600 assalariados rurais concentram--se frente à Câmara manifestando-se contra o desemprego.
Na Vidigueira, 50 operários agrícolas juntam-se na Casa do Povo exigindo trabalho e protestando contra o desemprego.

A odisseia emancipadora do operariado agrícola e industrial do Alentejo processou-se ao longo dos anos, e de uma forma particularmente tenaz, nas quase 5 décadas de ditadura  sob a férula repressiva do poder de classe dos grandes detentores da riqueza nas diversas épocas que antecederam o 25 de Abril de 74.
Em grandes herdades, como à de Palma, dos Machados, da Comporta, de Rio Frio, das Galveias e outras, os latifundiários tinham mesmo aquarteladas nos seus feudos - que outra coisa não eram os latifúndios - patrulhas da GNR, que eram particularmente retribuídas pelas benesses dos grandes proprietários da terra.
Os guardas das patrulhas privativas serviam de forma rasteira os interesses dos senhores, reprimindo com brutalidade os assalariados e os trabalhadores famintos que tinham, para matar a fome dos seus, de recorrer a actos clandestinos.
A caça às perdizes, a «limpeza» de um borrego, o rabisco da azeitona ou da boleta pagavam-se caro quando caíam sob a alçada dos senhores e dos seus serventuários.
Os grandes agrários dispunham, além disso, dos seus próprios vigilantes - gente sem escrúpulos destituída de qualquer sentimento de solidariedade pelos seus  companheiros.
A determinada altura do domínio do fascismo, os guardas privativos dos agrários substituíam o chumbo do cartuxo de caça por sal e, com essa carga particulannente dolorosa, faziam sofrer ainda mais os atingidos, tantas vezes os homens, mulheres e crianças que à sorrelfa, pelas sombras da noite, iam «buscar o comer onde ele o houvesse».

Era naturalmente a repressão «caseira», porque, sob a ditadura fascista, com a PI/PVDE/PIDE/DGS, a brutalidade das forças repressivas era mais cruel e refinada. Os que caíram sob a alçada dos tribunais ou dos carcereiros  ficavam muitas vezes atrás das grades - se não perdiam as vidas às mãos dos torcionários - anos e anos.

O  TRIBUTO DA REPRESSÃO

No Alentejo do latifúndio, onde a brutalidade e o carácter criminoso da repressão  mais se fizeram sentir, esta assumiu aspectos sinistros. Na lista ainda incompleta das centenas de prisioneiros alentejanos - aprisionados pela PIDE e a GNR e em vários casos com verdadeiros requintes de malvadez - estão homens e mulheres que foram submetidos às torturas mais cruéis e bestiais.
O caso de José Pacheco, de Sines, já falecido, feito prisioneiro por duas vezes, é dos mais hediondos.
José Pacheco foi preso pela GNR e levado para o posto de Beja. Foi metido num gélido subterrâneo acimentado e ali, nu, fustigado com um chicote de arame que lhe retalhou o tronco, submetido a espancamentos constantes e brutais por um soldado e pelo próprio comandante do batalhão de Beja, com o posto de capitão.
Este indivíduo foi particularmente cruel. Queria que José Pacheco «falasse», antes de ser levado pela PIDE (era a sua segunda prisão e havia-se comportado valentemente na primeira sob a tortura da odiosa polícia do regime).
Recusando-se também na segunda prisão a prestar quaisquer declarações, o capitão da GNR (pouco antes de a PIDE chegar para levar consigo o preso) tentou até à última colher o «triunfo» do seu servilismo ao regime e espancou-o com a maior ferocidade gritando «falas ou não falas!».
Ante a recusa do «paciente», o carrasco chorou de raiva por não lhe ter conseguido quebrar a firmeza e feito «falar». Nesse estado foi José Pacheco entregue aos agentes da PIDE, que já lhe conheciam o timbre e o levaram sem outras torturas para as celas do Aljube - os famigerados curros.
Outro, João Machado, de Montemor-o-Novo, por ocasião da greve de Junho de 1945; e já cruelmente torturado até à morte, Germano Vidigal foi selvaticamente espancado no posto local da GNR e atirado, quase inconsciente, para a praça de touros onde estiveram encerrados mais de 1500 grevistas de Montemor, São Cristóvão, Lavra, Escoural, sem receberem qualquer alimento ou terem, sequer, o contacto das famílias.
Durante esta acção foram metidos na estrebaria da GNR onze grevistas, num ambiente infecto, sob o cheiro das bostas e da urina dos cavalos durante quase oito dias, na maior parte do tempo sem comer.
Outro caso é o de Mariana Janeiro, de Baleizão, barbaramente torturada pelos agentes  da PIDE, na sede da António Maria Cardoso, que ficou inutilizada para o resto da vida até ao seu falecimento recente.
É pouco conhecido o caso do jovem alentejano Francisco Ferreira Marquês, na altura vivendo em Lisboa. Nos curros do Aljube, submeteram-no às mais maquiavélicas privações, que acabaram por lhe causar a morte na própria cela.
Aliás, todos os que foram vítimas dos métodos da PIDE o sabem – uns mais do que outros, naturalmente.

A lista que a seguir publico está incompleta por insuficiências informativas, mas é esclarecedora.
Porque se tornava injusta qualquer omissão parcial, considerei melhor inscrever nomes dos prisioneiros  caídos nas malhas da repressão sem a referência concreta dos anos de condenação e reclusão.
Que atingem seguramente a casa dos milhares.
E os mortos - como diz a canção de Lopes-Graça - «não os deixamos para trás abandonados». Catarina Eufémia, Germano Vidigal, José Adelino dos Santos, Patuleia, Adângio, Francisco Madeira, Firmino, Francisco Madeira - uma lista com eventuais falhas - tombaram às mãos dos inimigos da liberdade e da Democracia.
Passar os olhos pela lista que a seguir incluo, meditar no seu significado, recordar com reconhecimento os que fizeram a dádiva das suas vidas e da liberdade para que livre fosse o seu povo, é uma obrigação dos actuais e dos vindouros amigos e defensores da Liberd
ade, da Democracia, do Progresso Social.


ASSASSINADOS

António Adângio (Aljustrel)
António Graciano (Aljustrel)
Catarina Eufémia (Baleizão)
Francisco Madeira (Aljustrel)
Germano Vidigal (Montemor-o-Novo)
José Adelino dos Santos (Montemor-o-Novo)
José António Patuleia (Vila Viçosa)
Luís António Firmino


PRESOS

Abilio Camacho Lança (Aljustrel)
Abilio José de Oliveira (Santiago do Cacém)
Adelino Correia Terruta (Grândola)
Adelina Iria (Alcácer do Sal)
Adelino Silva (Aljustrel)
Adolfo Barbosa Bexiga (Pias)
Adriano Minhoca (Montemor-o-Novo)
Afredo Samina (Montemor-o-Novo)
Alberto Batalha (Aljustrel)
Alberto Guerreiro Amaro (Aljustrel)
Albino França (Montermor-o-Novo)
Alexandre Pirata (Montemor-o-Novo)
Amadeu Pinceleiro (Aljustrel)
Américo Sarilho (Alcácer do Sal)
Ana Carrascal (Vale de Vargo)
Ana Correia (Aljustrel)
Ana Ramos Machado (Pias)
Ana Rita (Pias)
Anacleto José Rebimba (Vila Viçosa)
Angelino Charraz (Serpa)
Anselmo Dias dos Reis (Pias)
Antero Beltrão Fernandes (Aljustrel)
António Mestre (Beja)
António Cacholas (Pias)
António Abel (Montemor-o-Novo)
António Adângio (Aljustrel)
Antónia Alves Correia (Alter do Chão)
António Amaro (Aljustrel)
António Angelino (Aljustrel)
António B. Farrica (Montemor-o-Novo)
António Barbado (Montemor-o-Novo)
António Barraco Pica (Montemor-o-Novo)
António Barranquinha (Pias)
António Batalha Indiano (Aljustrel)
António Borba (Montemor-o-Novo)
António Bordalo (Montemor-o-Novo)
António Borges Pica (Pias)
António Branquinho (Pias)
António Bravo (Montemor-o-Novo)
António Cabecinha (Montemor-o-Novo)
António Cabeçudo Pias (Pias)
António Cabrito Guerreiro (Aljustrel)
António Caetano (Pias)
António Calção (Montemor-o-Novo)
António Caldeirinha (Escoural)
António Cardadeiro Salvador (Pias)
António Cardoso Bento Rocha Martins (Pias)
António Cardoso Pias (Pias)
António Carrasco Afonso (Pias)
António Carvalho (Pias)
António Carvalho (Serpa)
António Castro (Aldeia Nova)
António Castro (Vale de Vargo)
António Catarino Rebelo (Elvas)
António Conduto Rosa (Aljustrel)
António Correia Carvalho (Pias)
António Costa Lopes (Aljustrel)
António da Cruz Carvalho (Nisa)
António da Luz (Aljustrel)
António da Palma (Aljustrel)
António dos Aivados (Aldeia dos Aivados)
António Eduardo (Aljustrel)
António Estimo (Alcácer do Sal)
António Fandango (Montemor-o-Novo)
António Farrica (Montemor-o-Novo)
António Fernandes
António Francisco Luz (Vale de S. Tiago)
António Guerreiro Colaço (Aljustrel)
António Guerreiro Custódio (Aljustrel)
António Guerreiro Pereira (Aljustrel)
António Horta (Pias)
António Inácio Martinho (Ervidel)
António Jacobeu (Alcácer do Sal)
António Jarra (Aljustrel)
António Joaquim Figueira (Aljustrel)
António Joaquim Gervásio (Montemor-o-Novo)
António Joaquim Pintalhaço (Pias)
António José Cardador (Ervidel)
António José de Almeida (Évora)
António José Patuleia (Vila Viçosa)
António Júlio Felicidade (Aljustrel)
António Lopes (Aljustrel)
António Lopes de Souso (Aviz)
António Lorencinho Coroa
António Luz Romana (Aljustrel)
António Malhão (Montemor-o-Novo)
António Manuel Bugio (Beja)
António Maria Coelho (Aljustrel)
António Marques (Montemor-o-Novo)
António Mendonça (Montemor-o-Novo)
António Mestre (Aljustrel)
António Miguel Simão (Mértola)
António Moita (Pias)
António Mouralinho (Aldeia Nova)
António Mouriel (Aldeia Nova)
António Palma Brito (Aljustrel)
António Palma Fernandes (Aljustrel)
António Patrão (Montemor-o-Novo)
António Paulo (Vale de Vargo)
António Pereira (Pias)
António Pernatorta (Montemor-o-Novo)
António Pica (Pias)
António Pinto Ferreira (Montemor-o-Novo)
António Pinto Paz (Aljustrel)
António Piteira (Montemor-o-Novo)
António Ramalho Alcântara (Pias)
António Rita Pós de Mina (Pias)
António Rosa Palma (Aljustrel)
António Sabugueiro (Montemor-o-Novo)
António Saltacardos (Montemor-o-Novo)
António Santiago Barão Carapinha (Aljustrel)
António Silva (Aljustrel)
António Tavares (Monforte)
António Teodoro da Silva Salvador (Beja)
António Toucinho (Vale de Vargo)
António Velhinho (Pias)
António Vitorino Camelo (Montemor-o-Novo)
António Zorro (Escoural)
Armando Pós de Mina Covas (Pias)
Armando Roberto (Aljustrel)
Arnaldo (Aldeia Nova)
Arnaldo Seita Machado (Vale de Vargo)
Artur Cavaco Garcia (Aviz)
Augusto Carrascal (Aldeia Nova)
Augusto Carrascal (Pias)
Augusto Molarinho (Mina de S. Domingos)
Auli Francisco do Nascimento (Mértola)
Aurora Rosa Costa (Beja)
Belchior Alves Pereira (Mértola)
Bento Cacholas (Pias)
Bento Cordeiro
Bento da Silva (Pias)
Bento de Jesus Caraça (Montemor-o-Novo)
Bento Guerreiro Ventura (Pias)
Bento Mateus
Bento Mendes Sena (Vale de Vargo)
Bento Moita da Silva (Pias)
Bento Pina Alcântara (Pias)
Bento Pires
Bento Rita Pós Mina (Pias)
Bento Rosa Marfins (Vale de Vargo)
Bernardino Machado (Pias)
Bernardo Paisana (Pias)
Cândido Alves Barja (Castro Verde)
Cândido Arraiolos
Cândido Fernandes Plácido de Oliveira (Vila de Fronteira)
Cartos Paulino (Aljustrel)
Custódio Henriques (Ponte de Sor)
Dinis Miranda (Montoito)
Diogo Velez (Pias)
Domingos Carmona (Pias)
Domingos Javali
Domingos Pereira (Vale de Vargo)
Domingos Preguiça
Edmundo Manuel da Beja (Beja)
Edmundo Manuel da Silva (Aljustrel)
Eduardo Francisco Páscoa (Beja)
Esmeralda Moleiro (Aljustrel)
Estêvão Oca (Pias)
Ezequiel Rosa Frederico (Aljustrel)
Ezequiel Vidigal
Fernando António Horta Castanho
Fernando Chambel (Galveias)
Fernando Ferreiro Costa Martins (Pias)
Fiel Godinho Machado (Vale de Vargo)
Flamino Soares (Escoural)
Fortunato Domingos Rito Grou
Francisco do Carmo Pereira (Aljustrel)
Francisco Pereira
Francisco Velez (Pias)
Francisco Adolfo Batalha (Aljustrel)
Francisco Almeida Carrasco (Vale de Vargo)
Francisco Alves Guerreiro (Aljustrel)
Francisco Angelino (Aljustrel)
Francisco António Bizarro (Benavila)
Francisco António Casquinho
Francisco António Laginha (Aljustrel)
Francisco António Ramusga (Ermidas-Sado)
Francisco António Rasquinho (Aljustrel)
Francisco António Rato (Beja)
Francisco Arranca (Pias)
Francisca Banza (Aljustrel)
Francisco Batista (Pias)
Francisco Batista da Silva (Portalegre)
Francisco Carmo Carreta
Francisco Carreto Farinha
Francisco Comprido (Pias)
Francisco Conceição (Aljustrel)
Francisco Domingos Batista Carmona
Francisco Durão Póvoas (Serpa)
Francisco Fabião (Aldeia Nova)
Francisco Fanha
Francisco Farinha (Pias)
Francisco Ferreira Marquês (Évora)
Francisco Fortunato Banza (Aljustrel)
Francisco Geadinha (Aljustrel)
Francisco Gordo (Pias)
Francisco Luz (Aljustrel)
Francisco Manuel Ferreira (Évora)
Francisco Miguel Duarte (Beja)
Francisco Moita
Francisco Narciso Ribeiro (Aljustrel)
Francisco Nilha Jorge (Aljustrel)
Francisco Palma Afonso (Aljustrel)
Francisco Palma Emídio (Aljustrel)
Francisco Pereira (Aljustrel)
Francisco Pica
Francisco Seita (Vale de Vargo)
Francisco Serrano Gordo (Aljustrel)
Francisco Zorro Gomes (Casa Branca)
Gil Cornélio Gonçalves (Elvas)
Herculano Jorge Marinu Bragança (Portalegre)
Hilório Gil (Aljustrel)
Inocêncio Alves Coelho (Vale de Vargo)
Isidro António Tadeu (Aljustrel)
Isidro Felisberto Canelas (Arronches)
Jacinto Amaro (Aljustrel)
Jacinto da Palma luz (Aljustrel)
Jerónimo Toucinho (Vale de Vargo)
João António Honrado (Ferreiro do Alentejo)
João Cruz Cebola (Nisa)
João de Brito Vargas (Castro Verde)
João Eugénio Soares (Aljustrel)
João Francisco Rosa (Aljustrel)
João Gil (Aljustrel)
João Gordo Mendes (Nisa)
João Joaquim Machado (Montemor-o-Novo)
João Manuel Bombom Louceiro (Castro Vede)
João Manuel Gil (Aljustrel)
João Martins Laginha (Aljustrel)
João Mendes Fernandes (Aljustrel)
João Pedro Leitão (Aljustrel)
João Pero Leitão (Castro Verde)
Joaquim Angélico
Joaquim Badalinho (Montemor-o-Novo)
Joaquim Barão Carapinha (Aljustrel)
Joaquim Barreiros Biléu Pereira (Montemor-o-Novo)
Joaquim Batista Tarragosa (Vale de Vargo)
Joaquim Botos (Aljustrel)
Joaquim Cardadeiro (Pias)
Joaquim Cigano
Joaquim Correia (Vendas Novos)
Joaquim Cruz Teodoro (Pias)
Joaquim do Cruz Dias (Vila Viçosa)
Joaquim Isidro (Aljustrel)
Joaquim José Caldeira
Joaquim José Dias (Vendas Novas)
Joaquim Manuel da Costa (Montemor-o-Novo)
Joaquim Manuel Ferreira (Elvas)
Joaquim Palma Simão (Aljustrel)
Joaquim Pereira (Grândola)
Joaquim Quintas
Joaquim Rita Grou
Joaquim Rosa (Arraiolos)
Joaquim Tomás Costa Pinto
Jorge Carrasco Badarrinha (Pias)
Jorge do Carmo (Santiago do Cacém)
Jorge Vistas (Pias)
José Alberto da Silva (Aljustrel)
José Alfredo Barros (Pias)
José Amaro Santos (Aljustrel)
José Angelinho Rocha (Aljustrel)
José António Alves Dias (Aljustrel)
José António Angelino
José António Canhoto (Aljustrel)
José António Pires (Alvito)
José António Pombinho (Portel)
José Augusto Gomes (Aljustrel)
José Avaiola
José Baião Valente
José Bicho Machado
José Braz Correia
José Broa
José Cândido Machado (Pias)
José Carlos (Santiago)
José Casimiro
José Castanho Bandadas (Aljustrel)
José Coelho Borges (Pias)
José Coelho Tiago
José da Silva Batista (Pias)
José Ferreiro (Vendas Novas)
José Figueira (Vendas Novas)
José Francisco Carraleira
José Francisco Indiano Palma (Aljustrel)
José Gomes Mendes (Aljustrel)
José Guerreiro Aranha (Aljustrel)
José Guerreiro Jorge (Aljustrel)
José Jacinto Luzia (Aljustrel)
José Joaquim Rolim (Évora)
José Laginha (Aljustrel)
José Lino Carracho (Redondo)
José Lobato Pulquério (Vale de Vargo)
José Luís Sequeira (Aljustrel)
José Luz (Aljustrel)
José Manuel Benedito (Aljustrel)
José Moita Tiago (Pias)
José Oca (Pias)
José Olaio Valente (Moura)
José Pacheco (Sines)
José Paulo
José Pedrinho (Pias)
José Pedro Guerra (Vale de Vargo)
José Pereira (Aljustrel)
José Pia
José Pombo (Aljustrel)
José Rita Antunes
José Rita Machadinho
José Santos Dias (Pias)
José Sesudo da Luz (Aljustrel)
José Silva Batista (Pias)
Lídia Rosa Nobre (Beja)
Lourenço Pardalinho (Pias)
Luís António Angelino (Aljustrel)
Luís Carvão (Pias)
Luís Pires Mendonça (Portalegre)
Luís Tomé Oliveira (Aljustrel)
Luís Varejo Banza (Aljustrel)
Ludgero Pardal (Aljustrel)
Manuel Albino (Crato)
Manuel António Figueira (Aljustrel)
Manuel António Palmo Lopes (Aljustrel)
Manuel António Sousa Ribeiro (Aljustrel)
Manuel Assunção Capeta (Aljustrel)
Manuel Baião Valente
Manuel Banza (Aljustrel)
Manuel Barão Carapinha (Aljustrel)
Manuel Bravo Nunes (Pias)
Manuel Briso Pina (Belmonte)
Manuel Caeiro Machado
Manuel Caneso Vitela (Ponte de Sor)
Manuel Carrasco Caeiro (Pias)
Manuel do Luz (filho) (Aljustrel)
Manuel do Luz (pai) (Aljustrel)
Manuel dos Reis
Manuel E. Pacheco (Aljustrel)
Manuel Fernandes Coelho (Aljustrel)
Manuel Francisco Candeias (Elvas)
Manuel Guerreiro (Aljustrel)
Manuel Guerreiro Jorge (Aljustrel)
Manuel Guerreiro Nilha (Aljustrel)
Manuel João Calado (Aviz)
Manuel João Patrício (Aljustrel)
Manuel Joaquim Ferreiro (Pias)
Manuel Latainha
Manuel Lopes (Aljustrel)
Manuel Morais (Vale de Vargo)
Manuel Pedro Sousa (Vale de Vargo)
Manuel Pós de Mina Prazeres (Pias)
Manuel Raimundo Patinha (Aljustrel)
Manuel Raimundo Paulino (Aljustrel)
Manuel Reis Avoila (Pias)
Manuel Rosário Moita (Vale de Vargo)
Manuel Salvador Bernardino (Aljustrel)
Marciano (Aljustrel)
Margarida Morgadinho (Aljustrel)
Maria Albertina Ferreira Diogo (Santiago do Cacém)
Maria Coelho Caeiro (Pias)
Maria da Piedade Morgadinho (Aljustrel)
Maria do Carmo Freiras de Oliveira Pinto
Maria Fernanda Corte Real Graça e Silva
Maria Mariana Godinho (Vale de Vargo)
Mariana Baião Valente
Mariana Balbina Janeiro
Mário Pires
Mário Tiago Moita
Miguel Francisco Ramos (Borba)
Miguel Pires Grou (Pias)
Nuno José Potes Duarte (Viana do Alentejo)
Olímpio Pedro Álvaro (Aljustrel)
Pedro Monge (Aldeia Nova)
Pedro Soares (Beringel)
Raul Teresa Rosa (Aljustrel)
Rodrigo Carmona (Pias)
Rodrigo Carvalho
Romão Cabanas (Pias)
Romão Coelho (Pias)
Salvador José Carvalho (Moura)
Sérgio do Ó (Aljustrel)
Silvestre Inácio Mendes (Aljustrel)
Vasco Fadista
Vicente Angélico
Vicente Relvas (Montoito)
Virgílio Augusto Esperança (Pias)
Virgílio José Mestre (Aljustrel)















Datas nacionais relevantes nos períodos que precederam a morte de Catarina e vigoraram durante o ano da sua ocorrência

1885
Filhos de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e do juiz José de Sousa Mendes, os gémeos César e Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nascem em Cabanas de Viriato, Distrito de Viseu, Portugal.
1907
César e Aristides licenciam-se em Direito na Universidade de Coimbra e depois seguem a carreira diplomática.
1908
Em Portugal, o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados. Aristides casa com a sua prima Angelina; o casal virá a ter 14 filhos.
1910
Aristides é nomeado Cônsul em Demerara, Guiana Francesa. Revolução de 5 de Outubro e proclamação da República portuguesa  1911/16
Aristides Cônsul em Zanzibar, problemas de saúde para toda a família.
1914: Início da I Guerra Mundial.
1916
Portugal entra na I Guerra Mundial a favor dos Aliados; batalha de Verdun, massacre do corpo expedicionário português.


1918
Termina a I Guerra Mundial com a vitória dos Aliados (França, Reino Unido, etc.). Aristides é nomeado Cônsul em Curitiba (Brasil). 1919
Por causa das suas convicções monárquicas, Aristides é castigado pelo governo de Sidónio Pais.

 

(ano do assassinato de Catarina Eufémia, 1954)

19 de Janeiro - Em Conselho de Ministros é apreciada a situação das possessões portuguesas na Índia, considerada muito grave.
26 de Janeiro - Encerramento da colónia penal do Tarrafal, em Cabo Verde.
Diversos jovens de Grândola são julgados pela acusação de terem participado numa recolha de assinaturas a favor da paz e contra a "guerra fria".
Fevereiro
A Direcção Universitária de Lisboa do MUD Juvenil, no comunicado “Pela Unidade e a Amizade dos Estudantes Portugueses com os Estudantes do Mundo Inteiro!", reclama contra as prisões de Maria Cecília Alves, Aurélio Santos Monteiro e Vasco Costa Marques, participantes no III Congresso Mundial de Estudantes de 1953.
12 de Abril - Através da Emissora Nacional, Salazar dirige-se ao País para se referir à questão de Goa e da União Indiana.
Maio - Ocorrem lutas de assalariados agrícolas do Alentejo e Ribatejo, que contam com grande participação juvenil.
19 de Maio - No decorrer de uma greve em Baleizão, Catarina Eufémia, jovem trabalhadora agrícola, é morta a tiro por um tenente da GNR.
20 de Maio - São decretadas disposições destinadas a completar a regulamentação sobre o exercício do direito de associação (D. L. n.º 39660).
21 de Maio - Registam-se greves de trabalhadores da indústria têxtil no Porto, com a intervenção de forças militares e prisão de vários grevistas. A zona da Covilhã constituiu outro dos focos de agitação, devido a um movimento de solidariedade dos seus trabalhadores.
22 de Junho - Francisco Cunha Leal, Rodrigues dos Santos e Moreira de Campos enviam uma exposição ao Chefe do Governo, criticando a posição governamental na questão goesa. Círculos da oposição fazem ainda circular um manifesto, em que se transcreve um discurso do deputado goês Froilano de Melo, proferido em 1949, no qual este declarava ter o Governo responsabilidades perante a situação na Índia.
Uma nota oficiosa da Presidência do Conselho reafirma as posições oficiais em "defesa da integridade da Nação".
Julgamento de Isaura Silva, condenada a 4 anos de prisão por, com outras jovens enfermeiras do MUD Juvenil, ter impulsionado a luta das enfermeiras pelo direito ao casamento.
22 de Julho - A União Indiana ocupa os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli. No dia seguinte, uma nota oficiosa do Ministério dos Negócios Estrangeiros condena a atitude indiana e afirma que se resistirá a qualquer tentativa para a ocupação de Goa.
30 de Julho - Novas greves de trabalhadores rurais de Vale de Vouga, Pias e Baleizão.
Agosto
Divulgação do comunicado “Paz na Índia” do MUD Juvenil.
9 de Agosto - Reorganização dos serviços da PIDE, pelo D. L. n.º 39749. O Governo aumenta os poderes da PIDE, ampliando a detenção, sem controlo judicial, de 3 meses para 360 dias, passando também a instrução preparatória dos processos a ser da competência do pessoal dirigente da organização.
19 de Agosto - Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado, Albertino Macedo e Lobão Vital, membros do MND, serão presos sob a acusação de divulgarem um documento propondo negociações com a União Indiana sobre Goa. Serão acusados de traição à Pátria e julgados no Tribunal Plenário do Porto, sendo condenados.
Setembro
A Comissão Central do MUD Juvenil e a sua IV Assembleia de Delegados deliberam que o sentido dominante da sua acção política seja a luta pela paz na Índia e pela restituição à liberdade dos dirigentes do MND. O MUD Juvenil promove a distribuição do manifesto de António Sérgio "Paz em Goa".
Outubro
O Governo português faz diligências junto de países ocidentais, com o objectivo de obter urna solução favorável para a questão indiana.
18 de Novembro - Detenção de vários elementos da Oposição.
O MUD Juvenil aclama a vitória vietnamita em Dien-Bien-Phu, denuncia a intervenção militar norte-americana na Guatemala e saúda a derrota, na Assembleia Nacional Francesa, do projecto que visava viabilizar o rearmamento da Alemanha. A Comissão Central do MUD Juvenil decide apresentar o seu pedido de filiação na Federação Mundial das Juventudes Democráticas e na União Mundial dos Estudantes, posteriormente aceites.
É fundado o Movimento para a Independência da Guiné e Cabo Verde (MING).
«Melhoramento” é uma revista de publicação contínua mas de periodicidade não obrigatória, onde serão comunicados os resultados dos estudos efectuados na Estação de Melhoramento de Plantas (EMP), bem como de outros com interesse directo para os fins daquele organismo, quer de carácter técnico quer científico, de importância metropolitana ou ultramarina.
Tem como colaboradores habituais o pessoal da E. M. P., dos centros de melhoramento existentes ou a criar nos territórios ultramarinos e, acidentalmente, personalidades portuguesas ou estrangeiras que em «Melhoramento» queiram publicar estudos de alto interesse sobre melhoramento de plantas e da técnica agronómica.
«Melhoramento» publica estudos originais sobre: Melhoramento de plantas cultivadas, principalmente de cereais e forragens; melhoramento e ordenação das pastagens; técnicas de cultivo adequadas às plantas melhoradas; estudos taxonómicos monográficos das plantas agrícolas; Ecologia e Fitosociologia; Citologia e Genética; Estatística matemática aplicada à agricultura; Fitopatologia; Quimica e Fisiologia.
Assistido apenas por uma sobrinha, Aristides de Sousa Mendes morre «pobre e humilhado”, no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa.
General Humberto Delgado (assassinado junto à fronteira espanhola por um comando da Pide)
Ribeiro dos Santos (estudante, assassinado pela Pide em 1972 - Universidade de Lisboa)
Bento Gonçalves (Secretário-Geral do PCP, morreu no Tarrafal como algumas dezenas de outros tarrafalistas, comunistas e anarco-sindicalistas sobretudo, para ali deportados, em consequência das péssimas condições a que foram sujeitos)
Alfredo Caldeira (dirigente do PCP, igualmente morto no Tarrafal pelas mesmas razões de Bento Gonçalves)
Manuel Vieira Tomé (ferroviário e dirigente sindical, um dos dirigentes da greve geral de 18 Janeiro 1934, preso e assassinado pela polícia política em 1934)
Ferreira Soares (médico comunista de Espinho, assassinado a tiro pela Pide no seu consultório em 1942)
Germano Vidigal (operário da construção civil e dirigente sindical, assassinado pela Pide em 1945)
Soeiro Pereira Gomes (escritor, membro do CC do PCP, morre em 1949, perseguido pela Pide e impossibilitado de se tratar)
José Morelra (operário e responsável pela ligação às tipografias do PCP, morre em 1950 após prisão e torturas, assassinado pela Pide)
Alfredo Lima (operário agrícola comunista de Alpiarça assassinado a tiro pela GNR em 1950)
Cândido Martins (Capilé) -(operário comunista assassinado pelas forças repressivas em Almada em 1961 durante uma manifestação)
António Adângio (mineiro comunista de Aljustrel, assassinado pela GNR em 1962 durante uma manifestação)
Estevão Giro (comunista assassinado pelas forças repressivas durante a manifestação do lº Maio 1962, em Lisboa)
Alfredo Diniz (Alex) -(funcionário do PCP assassinado pela brigada da Pide comandada por José Gonçalves em 1945)
Militão Ribeiro (membro do Secretariado do PCP, é preso, torturado e morre nos calabouços da Pide em 1950, após escrever uma carta à Direcção do PCP, utilizando o seu próprio sangue como tinta)
Catarina Eufémia (assassinada pela GNR em Baleizão em 1945)
José Dias Coelho (pintor, a quem José Afonso dedicou uma canção conhecida, funcionário do PCP assassinado pela Pide em 1961, em Lisboa)
João Arruda (assassinado no dia 25 de Abril de 1974 pelos pides acoitados neste edifício)
Fernando Reis (assassinado no dia 25 de Abril de 1974 pelos pides acoitados neste edifício)
José Barnetto (assassinado no dia 25 de Abril de 1974 pelos pides







Datas e factos internacionais ocorridos no ano da morte de Catarina

Enrico Fermi nasceu em Roma em 1901 e morreu de cancro em 1954. Foi um dos poucos físicos da era moderna a combinar a teoria com a experiência.
Doutorou-se em Pisa. Após alguns anos na Alemanha, regressou à Universidade de Roma, onde, em 1926, se dedicou à mecânica estatística de partículas que obedecem ao princípio de exclusão de Pauli, como os electrões. O resultado é a chamada estatística de Fermi-Dirac, uma vez que Dirac chegou independentemente às mesmas conclusões. Em 1933 Fermi introduziu o conceito de interacção fraca, que em conjunto com o recém postulado neutrino, entrariam na teoria do decaimento beta. Juntamente com um grupo de colaboradores, Fermi começou uma série de experiências em que foram produzidos artificialmente núcleos radioactivos, pelo bombardeamento com neutrões de vários elementos. Alguns dos seus resultados sugeriram a formação de elementos transuranianos. De facto, o que eles observaram, e que mais tarde foi comprovado por Hanh, foi a cisão nuclear. Em 1938 Fermi recebeu o Prémio Nobel da Física por este trabalho.
Foi então para os E.U.A., onde viria a participar no projecto Manhattan. Dirigiu o projecto de construção do primeiro reactor nuclear na Universidade de Chicago. Depois da Guerra, Fermi dedicou-se à Física das partículas, a que deu contribuições importantes.
O elemento de número atómico 100, descoberto um ano após a sua morte recebeu o nome de Férmio em sua honra.
1954, início da luta de libertação da Argélia

A 4 de julho de 1954, a Alemanha Ocidental conquistou sua primeira Copa do Mundo de futebol, ao derrotar a Hungria por 3 a 2 na Suíça.
ALAN MATHISON TURING (1912-1954). Matemático britânico, pioneiro na teoria dos computadores. Nasceu em Londres e estudou nas Universidades de Cambrigde e ...
Rabi Yossef Yitschak Kazen, pioneiro do judaísmo na interne, foi fundador e Diretor do site www.chabad.org, lançado na época como "Chabad-Lubavitch no Cyberspace" e considerado o pioneiro da educação judaica na internet.

Rabi Kazen nasceu em Cleveland, Ohio, em 1954, filho de Rabi Zalman e Sra. Shula Kazen, fugitivos das prisões estalinistas e do Holocausto. O lar dos Kazen sempre foi um centro de atividade judaica e Yossef Yitschac, o mais jovem de sete irmãos, cresceu ajudando a reinstalar imigrantes russos, preparando e entregando refeições para os pobres, e oferecendo-se como voluntário para todo tipo de atividade comunitária.

Quando menino, Yossi Kazen deixou o lar para estudar em Nova York, perto do Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória, a quem amava sinceramente. Foi um dos primeiros voluntários dos Tanques de Mitsvá, agora comuns, circuitos de telefone internacionais Lubavitch e muitas outras idéias e programas originais, e tinha muitos amigos.
Mesmo antes da Web, Kazen foi um dos inovadores tecnológicos de Lubavitch, e ajudou a desenvolver o sistemas por meio dos quais as palestras do Rebe eram transmitidas via telefone para Chabad instalados em todo o globo.

Porém muito mais ainda estava por vir.

Com o advento da tecnologia de comunicação através do computador, Kazen reconheceu imediatamente seu potencial para atingir uma audiência quase ilimitada, especialmente para pessoas que se encontravam em regiões geograficamente restritas ao acesso de informações e vivência judaica.

Em 1988, muito antes de a Internet se tornar popular, Kazen fez contato com milhares de pessoas em Fidonet, uma rede de discussão online que foi distribuída em diversos pontos do mundo inteiro. Esta tecnologia era tão primitiva que às vezes demorava quatro dias para as mensagens viajarem de uma parte a outra do mundo.
Getúlio Vargas
Getúlio Dornelles Vargas (19/4/1882 - 24/8/1954) foi o que mais tempo governou o Brasil, durante dois mandatos. De origem gaúcha (nasceu na cidade de São Borja), Vargas foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954.
Entre 1937 e 1945 instalou a fase de ditadura, o chamado Estado Novo.
O Segundo Mandato
Em 1950, Vargas voltou ao poder através de eleições democráticas. Neste governo continuou com uma política nacionalista. Criou a campanha do " Petróleo é Nosso" que resultaria na criação da Petrobrás.

Getúlio Vargas assumiu o poder em 1930, após comandar a Revolução desse ano, que derrubou o governo de Washington Luís. Os seus quinze anos de governo seguintes, caracterizaram-se pelo nacionalismo e populismo. Sob seu governo foi promulgada a Constituição de 1934. Fecha o Congresso Nacional em 1937, instala o Estado Novo e passa a governar com   poderes ditatoriais. Sua forma de governo passa a ser centralizadora e controladora. Criou o DIP
( Departamento de Imprensa e Propaganda ) para controlar e censurar manifestações contrárias ao seu governo.
Perseguiu opositores políticos, principalmente partidários do comunismo. Enviou Olga Benário , esposa do líder comunista Luis Carlos Prestes, para o governo nazista.

“Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos económicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. “
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reacção. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1954





“MATARAM-NA POR CINCO TOSTÕES”
À CONVERSA COM MARIANA CASCALHEIRA, CAMPONESA DE QUINTOS

Amiga e companheira de Catarina Eufémia, Mariana Teresa Correia Cascalheira, de Quintos, concelho de Beja, é um testemunho vivo imprescindível para se tentar compreender, por um lado, como é que os trabalhadores rurais alentejanos e as suas (grandes) famílias viviam nos anos cinquenta. Por outro, um pouco da personalidade da mártir camponesa, que, mais do que uma jovem irreverente, foi uma consciente lutadora política, com ligações ao único partido clandestino existente e em actividade na altura, o Partido Comunista Português.
Mariana Cascalheira, nascida a 29 de Maio de 1936, pertence a uma velha geração de mulheres do Alentejo que, quando crianças, deixaram a escola (era sozinha de mulher», como me disse) para ajudar os pais a criar os irmãos, executando os mais diversos trabalhos domésticos. Como a maioria dos filhos dos rurais alentejanos, começou a trabalhar no campo muito cedo, apenas com 11 anos. No diálogo a seguir transcrito  de forma simples, respeitando o máximo possível a linguagem oral - Mariana Cascalheira começa por referir os seus tempos de infância e juventude e revela os motivos que levaram os seus familiares próximos a passar de camponeses a operários, na Área Metropolitana de Lisboa. Mariana Castalheira fala-nos de Catarina Eufémia, «uma mulher que sabia o que queria e o que dizia». Por último, a velha camponesa fala-nos da sua experiência como presidente da Junta de Freguesia de Quintos, já depois do 25 de Abril.

Pergunta
Com que idade começou a trabalhar?
Resposta


Ai, ai!... Comecei a trabalhar com 11 anos.

P.
Andou na escola?
R.
Graças a Deus.
P.
Até que classe?
R.
Fiz a 3.ª classe com 9 anos.
P.
Porque não fez a 4.ª classe?
R.
Eu tinha seis irmãos e era sozinha de mulher e, então, a minha mãe trabalhava no campo e eu ficava em casa cuidando dos meus irmãos.
P.
Era mais nova, mais velha?
R.
Era mesmo ao meio. Havia três mais novos e três mais velhos, éramos sete.
P.
A senhora fazia a lida da casa?
R.
Sim senhor. O meu pai sempre possuiu gado e tinhamos muito trabalho.
P.
O seu pai era pequeno agricultor?
R.
Não, era amigo de criar gado, tinha sempre assim um «rebanhito”. Era pastor. Depois o meu pai fez uma aventura que, se calhar, muita gente não era capaz de fazer. Com cinquenta e tal anos, foi para Alverca do Ribatejo.
P.
Foi para lá trabalhar?
R.
Como aqui não havia trabalho, os meus irmãos mais novos levavam os verões inteiros sem trabalhar e então foram para Alverca. Convidaram a minha mãe para ir lá, ela foi ver e não gostou da maneira como estavam sendo cuidados, trabalhando e maltratados... A minha mãe veio, falou como meu pai, venderam as coisinhas todas que tinham e foram para Alverca. Estiveram lá 18 anos, olhando pelos meus Irmãos e a trabalhar.
P.
Em Alverca trabalhavam no campo ou em fábricas?
P.
Os meus irmãos trabalhavam em fábricas e o meu pai na construção civil, dando serventia a pedreiro.
R.
Portanto, de camponeses passaram a operários...
R.
Sim senhor... o meu pai com cinquenta e tal anos. O meu pai nunca gostou de lá estar, mas, para ajudar os filhos...
P.
Isso foi em que ano, lembra-se?
R.
1958.Nessa altura abalou muita gente do Alentejo...
Pois, era um tempo de fome, de muita fome.
P.
E a senhora ficou aqui em Quintos ou também foi para Alverca?
R.
Eu fiquei, já era casada. E também ficaram dois irmãos meus.
P.
Começou a trabalhar com 9 anos. Em quê?
R.
Comecei a trabalhar com 11 anos, aos 9 foi quando fiz a 3.ª classe. O primeiro trabalho que fiz foi mondar.
P.
A monda durava quanto tempo?
R
Começávamos aí em Janeiro, depois era a monda do grão e essas coisas todas... era até Maio.
P.
A apanha do grão era à noite?
R.
Pois, o grão era à noite, da uma da manhã até às dez e meia, coisa assim. Tinha de ser apanhado pela fresca, senão cai para o chão.
P.
Iam a pé para o local do trabalho?
R.
Nem que fosse no fim do mundo, íamos a pé.
P.
E a apanha da azeitona era em que altura?
R.
Começávamos no fim de Outubro e era até fins de Natal.
P.
A apanha da azeitona era difícil, por causa do frio e da chuva. Começavam a trabalhar a que horas?
R.
Começávamos às oito horas, mas tinhamos de abalar de casa aí às seis ou sete da manhã, conforme o local para onde íamos trabalhar, se era perto ou longe. Depois, voltávamos às sete horas da noite, sem luz, sem nada, todas molhadas e mal agasalhadas... Muitas das minhas camaradas ainda vinham carregadas com lenha para se aquecer aquele bocado da noite. Eu nisso tive sorte, porque o meu pai tinha burros e carregava a lenha. Mas havia pessoas que andavam na minha companha que, ao fim de um dia de trabalho, ainda vinham com um molho de lenha à cabeça.
P.
Usavam luvas?
R.
Não, não se podia apanhar azeitonas com luvas. A gente chegámos a pontos de andarmos trabalhando à azeitona sem comer. Não deixavam tão-pouco a gente comer.

P.
Então porque?
Não tinhamos hora de almoço. E ninguém podia dizer nada. Se alguém tentava dizer alguma coisa, no outro dia já não podia trabalhar.
P.
Quando começou a trabalhar, com 11 anos, quanto é que ganhava por dia?
R.
Ai! já não me lembro, mas, se calhar, aí uns seis escudos (0,03 cêntimos) por dia. Eu ainda cheguei apanhar e a descascar amêndoas a três e quinhentos (3$50- três escudos e cinquenta centavos) por dia.
P.
Quanto custava um pão nessa altura?
R.
Não me lembro, porque nessa altura toda a gente cozia o panito em casa. Só as pessoas que viviam muito mal, muito mal, é que compravam o pão. Acho que um pão de quilo custava à volta de dois escudos. Olhe, cozíamos o pão de noite: amassávamos às oito horas da noite e quando a gente abalávamos para o trabalho já deixávamos o panito cozido.
P.
Amassavam todos os dias?
R.
Não, de oito em oito dias. E, às vezes, cozíamos quando ainda tínhamos dois ou três panitos duros, que era para não se comer logo os moles, para não se comer tanto. O pão mole era mais desluzido, comia-se mais depressa. Pense lá bem: a gente éramos nove pessoas lá em casa, cozíamos aí uns 35 ou 40 quilos para a semana.
P.
Vamos agora falar um pouco sobre a Catarina Eufémia? Ela era de Baleizão ou aqui de Quintos?
R.
Ela era de Baleizão. O marido dela era cantoneiro e veio trabalhar para cá, por isso vieram para cá morar. Eles estiveram numas casas nó meio de Quintos, mas por pouco tempo, porque a renda era alta, tinham três filhos e o marido ganhava pouco. Por isso eles vieram morar para aqui [nota:monte onde hoje habita Mariana Cascalheira], porque isto não era uma casa como é agora, era um celeiro e já velhote.
P.
E esta casa era de quem? Da sua família?
R.
Esta casa era de um agrário. Ela [Catarina Eufémia] veio para Quintos e ele arrendou-lhe a casa. Depois, foi fazer a «aceifa» a Baleizão, mataram-na e o marido nunca mais quis saber...
P.
Quando Catarina morou aqui,  a senhora morava aonde?
R.
Naquelas casas ali ao lado, aquelas que estão caídas, que eram dos meus pais. Éramos vizinhas. A coitada tinha uma vida muito difícil. Difícil era para toda a gente nessa altura.
P.
Ela chegou a pertencer ao seu rancho, trabalharam juntas?

R.
Mãe da minha alma!... «Lidi» (lidei) com ela, conhecia-a tão bem como aqui as minhas mãos. Então o último filho que ela teve nasceu ali ao lado... o segundo beijinho que ele apanhou foi meu... assim que soube que ela tinha tido o filho vim logo lê-la. «Lidi» muito com ela.
P.
Lembra-se do dia em que ela morreu?
R.
Lembro-me. Ela foi de abalada  para Baleizão. Abalou para Baleizão, a pé, com três filhos pequenos.
P.
Foi pela estrada? Isto ainda são uns 10 quilómetros de Quintos a Baleizão.
R.
Não foi pela estrada, foi a direito, atravessando aí os campos. Foi ela e também outra vizinha, que também era de Baleizão. Eu fui pela estrada ter com ela. E, então, no tempo da «aceifa» havia sempre aquelas coisas, o patrão oferecia tanto, o trabalhador achava pouco e não saía [não ia trabalhar], perdia-se às vezes dois e três dias.
P.
Era uma espécie de greve?
R.
Mas vindo ao terceiro ou quarto dia, as pessoas não tinham «mais remédio» que era sair [ir trabalhar]. Ela como não era daqui e como o marido dela também não ceifava, então nem sempre saía, porque cada qual puxava as suas mulheres trabalhadoras... uma prima, uma irmã... e ela, coitadinha, ficava em casa, sem trabalho. E então o que é que ela resolveu? Ir para Baleizão, deixava os filhos com a sogra e fazia a «aceifa».
P:
E ela precisava de trabalhar...
R.
Pois, a coitada. A minha mãe e mulheres de outro tempo estavam a lavar no barranco - nesse tempo não havia máquinas, não havia água canalizada, não havia nada... lavávamos no barranco -, a minha mãe viu a Catarina abalar com três filhos pequenos e disse-lhe: «Ainda assim, comadre Catarina, para onde é que você vai?» Ela respondeu-lhe: «Vou para Baleizão. Vocês aqui não saem, não saem, mas quando vem a terça ou a quarta-feira todos saem, todos ganham e eu não ganho nada. Vou para Baleizão, a minha sogra fica-me com os meus filhos e eu faço lá uma rica aceifa”. A minha mãe disse assim: «Ai, comadre Catarina, com três filhos, ainda assim o que é que você vai fazer? O seu marido ganha para o panito e o azeite, aonde é que você vai, mulher»!? As mulheres do outro tempo, desde que houvesse pão e azeite para a açorda... A Catarina voltou-se para a minha mãe, tão zangada, e disse-lhe: «Então só comemos pão e azeite»? Coitada, abalou... Ela abalou para Baleizão e a gente abalou pela estrada, fomos ter com ela para a luta.
P.
Ela teve essa pequena discussão com a sua mãe, porque a sua mãe e as mulheres mais velhas satisfaziam-se com pão e azeite, para a açorda. A Catarina não era da mesma opinião. A Catarina tinha consciência política?
R.
Tinha. Tinha e muita.
P.
Ela pertencia a algum partido?
P.
Pertencia ao Partido Comunista Português.
P
A sério?
Sim senhor, sim senhor.
P.
A senhora pertencia ao PCP?
R.
Eu não pertencia, mas já nessa altura era simpatizante. Já o meu pai era do Partido Comunista. E os meus irmãos também.
P.
Recebia o «Àvante!» e propaganda política?
R.
Recebia mas isso era uma coisa que tinha de ser muito bem vista. Quem ficava com essas coisas, tinha de as saber esconder, às vezes debaixo do colchão. Isto era muito mau, não havia liberdade. O meu pai, em sonhando que, de madrugada, deitavam papéis a falar da situação política, ia buscá-los e vinha logo para eu ler. Quanto ao «Avante» era preciso um grande segredo, por causa da Guarda e da PIDE.
P.
Chegou a ter reuniões com a Catarina Eufémia?
R.
Cheguei a reunir com ela num sítio em que as extremas das propriedades de Baleizão davam aqui com as nossas, e a Catarina juntava-se com os dois grupos, quando íamos à água, e combinava coisas, falava dos salários, entregava os papéis, como devíamos fazer.

P.
E o marido, também?
R.
Eu com o marido já não tinha aquela lidação. Não o ouvia, como a ouvia a ela. Olhe, era uma coisa fora de série, foi por isso que a mataram. Não havia por aqui mais nenhuma mulher igual. Ela sabia as coisas e não tinha medo de nada.
P.
Ela esclarecia as outras companheiras? Segundo você me disse há pouco, quando ela foi trabalhar para Baleizão criticou as mulheres de Quintos, por ficarem em casa dois ou três dias mas depois irem trabalhar e não terem uma posição firme...
R.
Pois, ela via essas coisas todas. E mataram-na por cinco tostões. Ela foi para lá, e aquele patrão, o Fernando Nunes, em Maio de 1954, dava 12 escudos [0,06 cêntimos] por dia ao pessoal de Baleizão. As pessoas queriam 12$50 e ele não quis dar. Então, o pessoal de Baleizão não quis ir trabalhar. Ele foi buscar pessoas ao Penedo Gordo, por 12$50. Quando as pessoas de Baleizão souberam, acharam muito mal de ele não querer dar 12$50 ao pessoal da terra e ir buscar outros e pagar essa quantia. Depois, o que é que a Catarina e outros trabalhadores de Baleizão, mulheres e homens, fizeram? Tentaram ir falar com os de Penedo Gordo, queriam interromper, para aquela gente não começar a trabalhar.
P.
E depois?
R.
Foi nessa altura - ela era a da frente, porque era uma mulher muito decidida -, que o guarda disparou a sangue frio. Eu estava atrás dela.
P.
Nessa altura, dos 12$00/12$50, quanto ganhavam em Quintos?
R.
Pouco mais ou menos a mesma coisa. Isto era tudo o mesmo.
P.
Quando vocês combinavam as jornas, com a Catarina e com as outras mulheres ligadas ao PCP, ligadas à luta, ela dirigia a conversa? Como é que ela dirigia a reunião, lembra-se?
R.
Aquilo não era bem uma reunião, era um encontro. Era na fonte, onde íamos à água. A fonte era quase à extrema de Vale de Alcaide, que pertence a Baleizão, com a estrema do Barroca , que pertence a Quintos. Era aí que as mulheres de Quintos e de Baleizão «se encontrávamos». Não falávamos só do trabalho, falávamos de outras coisas, que ela dizia à gente, que a gente éramos umas parvinhas ao pé dela. A mulher sabia.
P.
Era uma mulher mais esclarecida?
R.
Ela era uma pessoa com muito.., sabia tudo. Ela discutia com qualquer pessoa, fosse feitores, fosse tudo, até com os patrões. Uma vez estava com ela e já não sei o que o patrão lhe disse, que ela respondeu: «Sai daí, malandro, malandros, não fazem nenhum e têm tudo, e a gente quer semear uma leira de coentros e não temos onde «assemear». A mulher era muito esclarecida. Não dizia era onde aprendia nem donde vinham aquelas instruções.
P.
Ela trazia alguns papéis para vocês lerem?
R.
Sim, e foi por isso tudo que a mataram, porque ela era uma mulher diferente, a gente éramos umas parvinhas ao pé dela. Quem lhe dava aqueles esclarecimentos todos, não sei. Na altura, havia quem dissesse que era o marido que lhe dava aqueles esclarecimentos todos. Ela chegou a fazer urna angariação de fundos para o Francisco Miguel...
P.
O Francisco Miguel,  velho militante comunista, natural de Baleizão?
R.
Sim, uma vez juntou um grupo de mulheres e pediu-nos dinheiro para o Francisco Miguel, que estava preso. A gente arranjámos a maneira de lhe dar, umas quinze tostões, outras vinte e cinco tostões, à medida que podíamos...
P.
Ela conhecia o Francisco Miguel?
R.
.
Não sei, pelos vistos. Já nessa altura ela falava no Álvaro Cunhal.
P.
Esse nomes para vocês não representavam nada?
R
A gente sabia mais ou menos, mas não conhecíamos, não havia televisões, não havia nada dessas coisas. A primeira vez que fomos a Baleizão, à homenagem dela - tanta gente, tanta gente, que aquilo não tem explicação, tanta família -,as ruas cheias de gente, quem conhecia o Álvaro Cunhal agarrado a ele, «abraçando nele», eu cá até pensava que era algum da PIDE, pensava que era para fazerem mal ao homem. Conhecia-o da fotografia, que ainda hoje a tenho em casa, mas pessoalmente nem sabia quem era.
P.
Nesses encontros, Catarina falava de que assuntos?
R.
Falava de tudo. Eu não sei aonde é que ela ia buscar coisas que nós nunca tínhamos ouvido falar, como a emancipação da mulher, por exemplo. Eu gostava de ler e não era das mais parvas, mas não conhecia a maioria das coisas que ela falava. Ela por vezes dava-me coisas para ler... Mas havia aí pessoas que até tinham medo de lidar com ela. Tinham medo de serem presas. A gente éramos vigiadas em todo o lado, diga lá!... Até quando íamos apanhar grãos, às tantas da noite, a guarda ia-nos perseguindo, para apanhar as nossas conversas.
P.
Houve muitas prisões políticas aqui em Quintos?
P
Daqui nunca foi ninguém preso. Agradecemos ao padre. Ele nunca foi bom para ninguém, mas nisso foi bom. Vinham aí para saber se havia aqui comunistas, e ele dizia assim: “Aqui em Quintos não há comunistas. Dêem-lhes vinho, dêem-lhes pão, que aqui não há comunistas”. E nunca chegou a denunciar ninguém, porque ele sabia quem é que lutava por essas coisas, quem escrevia frases nas paredes.
P.
Encontravam-se sempre na fonte?
R.
Quase sempre. Ainda chegaram a dizer ao meu marido - na altura éramos namorados: «Não queiras pôr emenda na tua moça, qualquer dia ainda lhe acontece o mesmo da Catarina Eufémia». Como eu «ombrava» muito com ela, éramos vizinhas, amigas e companheiras, íamos trabalhar juntas... Ela era mais velha do que eu, mais velha mas não muito, aí uns quatro ou cinco anos. Mas a minha natureza era assim, também gostava da política. E assim que chegou o 25 de Abril, nunca mais estive sossegada...
P.
Sossegada?
R.
Pois, nunca mais estive sossegada na política.
P.
Quando foi o funeral da Catarina, o que é que aconteceu aqui em Quintos?
R.
Eu não estava cá, estava nos matos, para lá da Corte Condessa, onde a gente não via ninguém. Tenho um primo-irmão, que ainda é vivo, que trabalhava numa padaria e, então, como estava aqui na aldeia, porque trabalhava de noite, o regedor chegou ao pé dele e disse-lhe: «Chico, devias ir chamar o Tio António Paulino - era o enterrador, que estava numa hortinha ali ao pé da ponte do Guadiana -, porque morreu uma velhota dos matos».
P.
Disseram que era o funeral de uma velhota e não da Catarina, para o povo não ficar a saber?
R.
Sim. O meu primo foi dizer ao enterrador. Como era uma velhota dos matos, ninguém acompanhou o corpo à cova. Só quem foi ao funeral foram algumas velhotas de cá, que já não podiam nada na vida - porque nesse tempo em se podendo com a foice e com o sacho tinha que se trabalhar, porque não havia reformas -, foram ao funeral e qual não foi o seu espanto quando viram que era a Catarina. Ela foi sepultada... mas esteve sempre fechada no hospital para a autópsia, foi tudo às escondidas...
P.
O marido e os filhos não foram ao funeral?

R.
Os filhos eram pequenos e o marido acho que não foi. Ainda vieram pessoas de Baleizão, embora não soubessem quando era o funeral, mas a guarda não permitiu e, no regresso, já não foram pela estrada, foram aí pelos barrancos, a corta-mato...
P.
Havia pessoas de Baleizão que queriam vir a Quintos ao funeral?
R.
Pois, ainda tentaram, mas nem souberam, ninguém soube, foi tudo às escondidas.
P.
Como é que se chamava o regedor de Quintos?
R.
António Francisco Felizardo.
P.
Que profissão é que tinha?
R.
Tinha uma padaria. Ele pouco amigo era de trabalhar, coitado.
P.
Como é que se chama o seu primo?
R.
Francisco Manuel Luís.
P.
O regedor falou com o seu primo?
R.
Pois, para ir chamar o enterrador.
P.
O seu primo trabalhava na padaria do regedor?
R.
Não, trabalhava noutra, de uma prima-irmã do meu primo.
P.
Como é que se chamava o enterrador?
R.
Era o Tio António Paulino.
P.
O que é que fazia, além de enterrador?
R.
Era trabalhador agrícola.
P.
A senhora Mariana foi presidente da Junta de Freguesia de Quintos depois do 25 e Abril?
R.
Fui, durante oito anos. De 1985 até 93, acho eu... E já tinha sido tesoureira durante três anos.
(Catarina Eufémia filiou-se no Partido Comunista Português em 1953, tendo feito parte do Comité Local de Baleizão.)

POEMAS sobre CATARINA







CATARINA EUFÉMIA
Francisco Miguel (dirigente do PCP, já falecido, natural de Baleizão)

Na vasta planície os trigos não ceifados.
Ao longe oliveiras batidas pelo sol.
Tu serena caminhas para os soldados
com a ideia, para todos um farol.
A brisa não se levantara.
Ias armada apenas da razão.
Contigo os milhões que têm, fome
contigo o povo que não come e que ali cultiva o nosso pão.
O monstro empunhava as armas de aço.
Tu pedindo a paz serena caminhavas
levando um filho no colo 
outro no regaço.
As armas dispararam, tu tombaste.
Com teu sangue a terra foi regada.
E ali à luz do sol que tudo ardia
dava mais um passo a nossa caminhada.
Na boca da mulher assassinada
certeza da vitória nos sorria.
o sol que o teu sangue viu correr
que teus camaradas viu ali aflitos
ouvirá amanhã os nossos gritos
quando o novo dia amanhecer
Que nessa terra heróica - Baleizão -
onde se recolhe o trigo branco e loiro
teu nome gravado em letras de oiro
tem já cada um no coração




CATARINA EUFÉMIA
Sophia de Mello Breyner Anderson



O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua


RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA
José Carlos Ary dos Santos


Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado

da palavra saudade a mais bonita a mais prenha.
de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.
Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.

AO RETRATO DE CATARINA
Carlos Aboim Inglez (dirigente do PCP,
já falecido)


Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
tanta seara continhas
notando-se já nas entranhas
em teu ventre a vida tinhas

Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura


Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto
extracto
comunidade.sol.pt






QUANDO TUDO ACONTECEU...
1928: Filha de camponeses sem terra, Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasce na aldeia de Baleizão, concelho de Beja (Alentejo, Portugal). 1945: Casa com António Joaquim do Carmo, operário da CUF e com ele vai viver, durante algum tempo, no Barreiro. 1954: Ao protestar contra a miséria, num latifúndio de Baleizão é assassinada a tiro por um tenente da GNR. É sepultada em Quintos. 1974: Depois da Revolução de Abril os seus restos mortais são trasladados de Quintos para Baleizão.




INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

     Filha de camponeses sem terra, a 13 de fevereiro de 1928 tu nasces em Baleizão, aldeia na província do Alentejo. De dia teus pais estão ausentes, a laborar num latifúndio. Em casa irmãos vários, trabalho muito. Nem sequer te sobra tempo, ó Catarina, para ires à escola aprender a ler.
    Ao entrares na adolescência começas logo a trabalhar, à jorna, nos latifúndios. Aprendes tudo sobre os trabalhos no campo, desde a sementeira até à ceifa.
CASAMENTO
     Aos 17 anos namoras e casas com o António Joaquim do Carmo. Ele é operário da CUF e por isso vocês vão viver na vila do Barreiro (margem esquerda do Tejo, frente a Lisboa) onde nasce a vossa primeira filha. Mais tarde o António é dispensado da CUF e vocês regressam a Baleizão.
QUINTOS
    António Joaquim consegue um emprego de cantoneiro na sua terra natal, Quintos, aldeia que fica a uns 10 quilómetros de Baleizão. O salário que recebe não chega para sustentar a família. Circunstância que te força, ó Catarina, a voltar ao trabalho nos latifúndios.
Porém as tua jornas diárias, ó Catarina, acabam fragmentadas por gestações e partos, pois de ti arribam mais dois filhos. Cresce o amor, também a fome...



MORTE


   No dia 19 de maio de 1954 lideras um grupo de 14 ceifeiras que exigem um aumento de mais dois escudos na jorna diária. De repente, na herdade do Olival, às 11 da manhã vocês já estão cercadas por soldados da GNR. O tenente Carrajola sai de trás de uma oliveira, aponta para ti e berra:
    - O que queres tu, ó idiota? 
    Respondes, tranquilidade:
    - Quero pão para matar a fome dos meus filhos!
    Carrajola logo te acerta violenta bofetada e tu, Catarina, cais de costas mas amparando o filho de oito meses que levas ao colo. Porquê um filho no local de trabalho? Resposta óbvia: ele tem que mamar durante o dia...
    Levantas-te e provocas o tenente:
    - Quer matar-me?
    Carrajola saca a pistola, dispara três tiros à queima-roupa, cais morta. Derradeira queda e o teu menino fica ferido.
                                     

FUNERAL

    Durante o funeral a GNR dispersa à bastonada a multidão que chora e protesta contra a tua morte. No tumulto nove camponeses são presos para depois serem julgados e condenados a dois anos de prisão.
O carro funerário arranca e abala, não para o cemitério mas para a estrada. Para evitar romagens subversivas, por ordem da GNR já não vais ser sepultada em Baleizão mas em Quintos.

CARRAJOLA

      O tenente Carrajola não vai a tribunal nem sequer é castigado pela GNR. É apenas transferido de Baleizão para Aljustrel onde acaba por morrer em 1964 (morte natural).

ZECA AFONSO


Ó Catarina: ainda durante a ditadura fascista em tua homenagem o Zeca Afonso entoa o Cantar Alentejano, letra de Vicente Campinas:

Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer.
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer.
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr.
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou.
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou.
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou.
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p'ra si.
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti.
Aquela andorinha negra
Bate as asas p'ra voar.
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar.

TRASLADAÇÃO

    Ainda em 1974, ó Catarina, a Revolução dos Cravos traslada os teus restos mortais de Quintos para Baleizão.


À MEMÓRIA DE CATARINA EUFÉMIA, MILITANTE COMUNISTA ALENTEJANA
António Gervásio

Não conheci directamente Catarina Eufémia, mas acompanhei de perto a luta em que ela perdeu a vida. Segui as manobras e as provocações da PIDE e da GNR em torno do seu funeral. Conheci vários seus familiares.
Poucos dias depois deste cruel assassinato fui transferido para o distrito de Beja, como funcionário do Partido Comunista Português, sendo responsável pela organização. Vivi de perto todo esse crime do fascismo, o assassinato de Catarina.
Passaram-se 49 anos. Peço desculpa por repetir a descrição de acontecimentos conhecidos mas, às vezes, é bom relembrar a história.
Foi a 19 de Maio de 1954, no começo das ceifas, numa luta por melhores jornas, nas redondezas de Baleizão, onde o famigerado Carrajola, um tenente da GNR de Beja, num acto de ódio criminoso, assassinou Catarina com uma rajada de metralhadora. Por lutar por melhores jornas!
Os trabalhadores agrícolas de Baleizão estavam em greve, reivindicavam melhores jornas nas ceifas. A GNR tinha a aldeia cercada. Próximo dali, um rancho, arregimentado pelo agrário, «furou» a greve. Catarina e mais 14 companheiras romperam o esquema da GNR e foram ao encontro do grupo que ceifava. Foram interceptadas pelo tenente Carrajola que as questionou, cheio de ódio, sobre o que queriam elas. Catarina respondeu: «Quero pão para matar a fome aos meus filhos!» Em resposta, o criminoso Carrajola disparou uma rajada de metralhadora, matando Catarina...
Este bárbaro crime provocou profunda dor e revolta no Pais, em particular na região de Beja e na terra baleizoeira. O fascismo matava homens e mulheres por lutarem por Pão e Trabalho, pela Liberdade e pela Democracia.
Uma das fortalezas alentejanas da resistência antifascista, Baleizão, era onde o PCP, na clandestinidade, contava com forte influência e onde as mulheres comunistas tinham uma activa militância na luta revolucionária contra a ditadura salazarista, na luta pela Liberdade.
Há gente que não gosta do PCP e procura negar que Catarina fosse militante do Partido. É necessário dar luta contra essas mentiras. Catarina Eufémia era não só militante, desde 1953, como era também membro do Comité Local de Baleizão do PCP e um dos seus membros mais activos.
Catarina Eufémia tornou-se um nome querido e respeitado, não só entre os militantes comunistas mas entre muitos milhares de portugueses e portuguesas. Não é por acaso que, ao longo destes 49 anos, largas centenas de pessoas dos vários cantos do País vão todos os anos, em Maio, ao comício do Partido em homenagem à camponesa de Baleizão.
O nome de Catarina está gravado na longa história do nosso Partido. Catarina é uma mártir da resistência antifascista e um símbolo da coragem na luta sem tréguas contra a ditadura, pelo Pão, pelo Trabalho, pela Liberdade e pela Democracia em Portugal.
Alentejo, 1 de Fevereiro de 2002

* Dirigente do PCP na clandestinidade, nos anos 50, no Alentejo


www.vidaslusofonas.pt

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