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terça-feira, 28 de maio de 2019

ENTREVISTA - HELOÍSA APOLÓNIA - NÃO SOU MARXISTA SOU ECOLOGISTA





sol.sapo.pt



publicamos um excerto da entrevista de heloísa apolónia. a versão integral pode ser lida na edição de 17 de fevereiro da revista tabu, do semanário sol.


o que separa um ‘verde’ de um comunista, depois de uma associação de tantos anos?
separa-nos desde logo a matriz ideológica. e temos um posicionamento diferente sobre várias questões. por exemplo, os verdes são muitíssimo mais veementes no ‘antinuclearismo’. mas temos muitas coisas em comum.

como se caracteriza em termos ideológicos? é marxista?
não. sou ecologista. e sou de esquerda, naturalmente. mas os verdes não se focam apenas sobre as questões ambientais. temos uma visão ecologista da sociedade, abrangente.

isso diferencia-os de movimentos ambientalistas como a quercus?
julgo que os movimentos ambientalistas se focam muito nas questões ambientais. isso é importante, mas nós temos uma visão que não ignora a dimensão social e económica. no aumento da electricidade, a quercus terá dito ‘só este aumento?’. porque queria que as pessoas se retraíssem no consumo. nós dizemos que o aumento da electricidade é uma brutalidade inaceitável.

é um insulto dizer que os verdes são vermelhos por dentro?
é um preconceito.
há ex-dirigentes do pcp que ajudaram na recolha de assinaturas para formar os verdes.

está a falar do livro da zita seabra, certo?
nomeadamente.
emprestaram-me esse livro e insisti em lê-lo do início e não apenas as quatro ou cinco páginas sobre os verdes. e quando lá cheguei arrependi-me imenso e recusei-me a ler o resto.
porquê?
uma pessoa que diz que ajudou a formar os verdes em 1983, quando foram criados em 1982, que diz que a primeira deputada dos verdes foi a maria santos quando não foi, pergunto-me onde é que esteve na origem dos verdes.

os verdes terem sido uma criação do pcp para neutralizar o movimento ecologista é um mito?
contam-se muitas coisas que não são verdade, formam-se muitos preconceitos a partir de coisas contadas. aquilo que eu sei é o seguinte: estou nos verdes já há uns anos, estou na direcção nacional, conheço o projecto político dos verdes e conheço a independência total. é sobre isso que eu me consubstancio. é um projecto que me alicia imenso.

alguma vez nos verdes se manifestaram opiniões para não continuar na cdu?
sim! até numa convenção dos verdes. já houve pessoas que manifestaram obviamente essa opinião mas, curiosamente, não me lembro de alguém ter feito uma opinião profundamente negativa da coligação cdu. mas em todos os momentos eleitorais a aliança é avaliada pelos verdes e pelo pcp.

acha que há pessoas que votam na cdu por causa dos verdes?
sim! mas quantas pessoas me disseram isso! e nas últimas eleições recebi imensas mensagens a dizer que seria a primeira vez que votariam na cdu, por causa dos verdes. se não acrescentássemos nada à cdu pergunto-me também [risos] qual seria o interesse da outra parte, não é? mas sobre isso terá de ser o pcp a reflectir.

pcp e verdes têm reuniões regulares, ao nível partidário?
não. já passou uma legislatura inteira sem que as duas direcções se reunissem. temos posições parecidas? sim. mas já pedi a uma colega sua para reflectir se tínhamos muitos posicionamentos diferentes em relação ao bloco de esquerda.

os verdes, o pcp e o be são parecidos?
há uma visão das coisas que é de esquerda. por isso é normal que muitos posicionamentos sejam idênticos. agora, dizer que somos um prolongamento da voz do pcp.... refuto isso completamente.

a vida interna do seu partido é quase clandestina em termos de conhecimento público. porquê?
os verdes têm muito mais vida para além do parlamento. o sol recebe comunicados de iniciativas nossas todos os dias. agora os critérios da comunicação social, isso gostava eu um dia de perceber.

reúnem-se todas as semanas?
a comissão executiva [a direcção] sim.

e têm grandes discussões, ou as coisas são pacíficas?
depende.

há algum assunto em que me possa dizer que tiveram uma grande discussão antes de chegar a um acordo?
sim, no nosso projecto de casamento de pessoas do mesmo sexo. embora concordássemos na questão da adopção, tivemos uma discussão sobre a melhor estratégia a seguir para conquistar direitos.

o que pensam sobre as barrigas de aluguer?
não há unanimidade entre os verdes. tem havido discussão interna.

lembra-se do momento do seu despertar ecológico?
provavelmente foi quando aderi aos verdes.

como foi?
casualmente. eu tinha uns 17 ou 18 anos. ia a passar na baixa de lisboa e parei para ver um teatrinho de rua contra o nuclear, que era uma causa que me dizia muito. deixei ficar o meu contacto, motivada para ser chamada. fui contactada, comecei a participar em iniciativas, em reuniões e fui-me aliciando cada vez mais pelo projecto. e ganhando também mais consciência ecologista.

qual é a sua prática ecológica nos gestos do dia-a-dia? faz separação do lixo, por exemplo?
faço triagem do lixo, em casa. a causa ecologista, sendo uma causa social, também reflecte muito da nossa prática pessoal. tenho muitos cuidados com o consumo de energia e já tenho a casa toda servida com lâmpadas economizadoras. também poupo na água. mas essa é uma batalha constante lá em casa que ainda não consegui ganhar [risos].

uma batalha com os seus filhos?
sim. um pré-adolescente e uma já adolescente.

tem um carro eléctrico?
não. ainda não estão generalizados. eu vivo na periferia de lisboa, numa zona extraordinariamente mal servida de transportes públicos. muitas vezes fico no parlamento até tarde e isso obriga-me a não ter opção para chegar a casa. fizemos uma opção: trazer diariamente o carro cheio. já as minhas deslocações para fora, que são frequentes, são sempre feitas de transporte público. utilizo imenso a linha do norte.

um dos cartazes mais conhecidos dos verdes defende o consumo de produtos locais. sempre que vai às compras vê a origem dos produtos?
vejo. e já deixei de comprar fruta pelo facto de não ser portuguesa. vou aos hipermercados, como toda a gente vai, fazer aquelas compras do mês e, felizmente para o pequeno comércio, recorro muito às mercearias.

alguma vez cortou um pinheiro para fazer a árvore de natal?
não. tenho há muitos anos uma árvore artificial.

é religiosa, crente?
não. mas comemoro o natal e tenho inclusive um presépio em casa, que fiz com os miúdos.

é vegetariana?
não sou. mas como muita comida vegetariana.

qual é a sua pegada ecológica, sabe?
[risos] já a fiz. mas agora não tenho presente o resultado.

teve essa preocupação?
toda a gente no grupo parlamentar e toda a direcção andou a fazer a conta. e fazemos a pegada ecológica das nossas convenções e das iniciativas.

aqui no parlamento há pessoas de bancadas que não são próximas da sua que admire?
dou-me bem com gente de todas as bancadas. é normal que criemos maior proximidade naquilo que falamos, com as pessoas que estão [sentadas] próximas de nós. mas não posso dizer ‘aquelas pessoas daquele grupo parlamentar não os suporto e não me dou bem com ninguém’. não há.

as suas amizades e a política têm alguma ligação? tem amigos de direita?
tenho. imensos!

separa então as suas amizades e a política...
sim. tenho muitos amigos de infância, e também da juventude, que não têm nada a ver com concepções políticas. e ainda faço amizades hoje que não têm a ver com afinidades da política. o confronto de ideias é uma coisa com que lido bem. o maior grupo de amigos, o da faculdade, tem simpatizantes de todos os partidos da ar. e, claro, também tenho imensos amigos da minha área. porque fiz amigos nos verdes.

é uma pessoa mundana? gosta de sair?
sim. gosto de sair, claro. eu sou uma pessoa perfeitamente normal. sou igualzinha às outras.

pode ser-se normal e não gostar de sair à noite...
é verdade. consideraríamos isso também normal. sim, mas eu gosto de sair, gosto. gosto e sempre que posso saio.

gosta de dançar?
gosto. muito mesmo. já fiz dança, inclusivamente. será um dos meus desportos favoritos, entre aspas. agora não faço dança, faço natação de manutenção e já fiz divertidíssimos workshops de dança e gosto de dançar. gosto de ir a discotecas. e gosto de dançar em festas e tudo o mais.

tem cuidado com a sua forma física, com a sua aparência?
gostava de ter mais cuidado. de ter mais tempo para mim.

tem algumas extravagâncias pessoais, pequenos prazeres relacionados com o consumo, como roupas?
acho que não sou uma consumidora exagerada, mas não lhe vou dizer assim: ‘eu com três ou quatro trapos podia sobreviver’.

mas é uma pessoa poupada, em geral? a ecologia não implica resistir ao consumismo?
não sou uma pessoa por demais consumista. acho que tenho lógicas de poupança. racionalmente.

qual é a maior ameaça ecológica que portugal enfrenta?
a maior ameaça é a secundarização das questões ambientais. estamos em tempo de crise, e nesta altura é muitíssimo fácil passá-las para último plano. e a conservação da natureza, por exemplo, leva um rombo tremendo neste orçamento. outra preocupação actual: não termos um ministério do ambiente. a junção de uma amálgama de tutelas no mesmo ministério resultou na diluição do ambiente. não temos simplesmente política para o ambiente em portugal. não se fala disso.

o ambiente não dá dinheiro.
errado. o ambiente tem potencial económico. quando falamos do aparelho produtivo temos que incluir riquezas naturais que podemos potenciar para um turismo sustentado, e podem dar uma componente de exportação inacreditável. mas fazemos exactamente o contrário. por exemplo, a hipotética desclassificação do alto douro vinhateiro, se for construída a barragem do tua, é uma absoluta desgraça.

e qual é a maior ameaça que os portugueses enfrentam nesta crise?
o facto de o governo estar a fazer tudo ao contrário. quando é apresentada uma perspectiva – nomeadamente através do memorando da troika e do orçamento do estado – cuja consequência directa é um aumento brutal do desemprego e um afundamento na recessão, isto deve deixar-nos obviamente preocupados e a perceber que este não é o caminho a seguir. estão-nos a esfrangalhar completamente!

os verdes têm um solução?
os verdes dizem que é determinante promover uma renegociação da dívida, de modo a que criemos alguma folga para promover o necessário a gerar riqueza. ou seja, dinamizar a nossa actividade produtiva, dar poder de compra às populações de modo a que os cidadãos possam ser agentes da economia e a partir daí dar mercado às micro, pequenas e médias empresas, que no cômputo geral são uma boa fatia do emprego em Portugal.


 manuel.a.magalhaes@sol.pt

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