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O comunista António Filipe, deputado eleito por Santarém, diz que o investimento é o pilar em que menos se avançou nesta legislatura.
Recusa abalos na relação com o PS por causa de discursos mais duros, alerta para os perigos das maiorias absolutas (do PS e da direita), recusa concorrência com o Bloco e afasta um imposto com o nome de Jerónimo de Sousa.
Por que escolheram Santarém para mostrar essa política alternativa que o PCP diz querer para o país?
Santarém é um distrito com muitas particularidades e através do qual é possível ilustrar os principais problemas que afectam a realidade nacional. Está no centro geográfico do país, representa muito fielmente em termos eleitorais o conjunto do país, tem muita diversidade. Tem zonas industrializadas e tem a maior empresa do sector ferroviário - a EMEF, no Entroncamento -, talvez a única do país com capacidade para construir material circulante ferroviário. Tem uma aptidão agrícola enorme e tem uma empresa pública agrícola, a Companhia das Lezírias.
Que é das poucas empresas públicas que dá lucro.
É uma das poucas empresas públicas, ponto final. E é a demonstração de que o que é público não tem de ser mal gerido. O distrito tem uma grande aptidão agrícola e diversidade significativa de produções que justificaria plenamente um maior investimento no sector agro-industrial.
Mas Santarém também tem problemas muito complexos nos cuidados de saúde primários e hospitalares. Tem uma área florestal significativa, na parte do pinhal interior, em Mação, que sofreu muito com o incêndio do ano passado. É um distrito com várias realidades bem demarcadas, com a lezíria do Tejo e depois a norte o médio Tejo, com características muito distintas; tem problemas de acessibilidade tremendos, tanto na travessia do Tejo (com pontes centenárias) como na margem sul do Tejo.
É um pouco um retrato do país. E o que querem corrigir?
Vamos dar atenção particular ao problema da industrialização e ao desenvolvimento da capacidade industrial do país, ao desenvolvimento da capacidade agrícola e de escoamento dos produtos agrícolas, à necessidade de investimento nos serviços públicos.
Ao fim de três anos, o investimento na produção e nos serviços públicos foi aquilo em que menos se avançou?
São áreas em que de facto menos se avançou, o investimento público tem estado em níveis muito reduzidos - de há 21 anos -, que atribuímos aos constrangimentos criados pela obediência aos critérios de convergência da UE e de limitação do défice.
Na verdade, não há dinheiro para tudo.
Não tem havido. Ou seja, tem havido dinheiro para tudo menos para aquilo que é preciso. Houve para salvar os bancos e para suportar juros incomensuráveis da dívida pública.
A renegociação da dívida desapareceu do discurso do PCP no último ano. Porquê?
O calendário político e parlamentar é muito exigente e há muitas questões a que é preciso dar resposta. Mas não é questão que o PCP tenha abandonado - pelo contrário.
A relação com o PS no OE2019 não foi abalada por excessos de linguagem do PCP dos últimos meses?
Não tem de ser abalada. O discurso político é contundente quando tem de ser. Sempre dissemos que esta solução é um Governo minoritário do PS. O PCP não faz parte do Governo nem há nenhuma coligação governamental. Há um partido que está no Governo e o PCP sempre se manifestou favorável a convergir no que fosse positivo – e há medidas aprovadas graças à nossa persistência – e a não ocultar as divergências que temos na questão laboral, na participação de Portugal na UE, no sistema financeiro. Infelizmente, é o PS que prefere convergir com os partidos da direita.
O PCP tem mais poder estando do lado de fora do que dentro do Governo?
O PCP não equacionou a sua presença ano Governo nesta legislatura. Não por não ter capacidade para fazer parte de uma solução governativa mas por considerar que não havia condições para que essa participação fosse possível. Não podemos falar de hipóteses que não se verificam. A vida política faz-se com os pés assentes na terra e em realidades palpáveis.
Se há medidas aprovadas sobretudo pela teimosia do PCP, como costumam dizer, teme que uma maioria absoluta do PS volte atrás nesses direitos?
Claro que sim. A experiência de governo maioritário do PS liderado por José Sócrates não foi boa para o país e é motivo de reflexão para os portugueses que possam sentir-se tentados a dar uma maioria absoluta ao PS. Nesta legislatura, foi sobretudo por não existirem maiorias absolutas nas eleições que conseguimos obter resultados significativos – e o papel do PCP é indiscutível.
António Costa já disse que mesmo com maioria absoluta quer continuar a dialogar de forma próxima com o PCP e BE. Acredita nisso?
Só a prática poderia demonstrar a veracidade dessas afirmações. Eu diria que a experiência passada não é boa.
Presumo que não tenha curiosidade em saber.
Tem razão (risos), de facto não tenho curiosidade em saber.
Não há engulho com o PS mas o relacionamento com o Bloco continua a não ser muito cordial. O que motiva esta rivalidade?
O PCP não alimenta qualquer espírito de rivalidade em relação ao Bloco de Esquerda. A luta política que se trava em Portugal não é entre o PCP e o BE, mas verificamos que existe da parte do BE uma enorme hostilidade relativamente ao PCP em muitas situações.
E se olharmos para as propostas de ambos, são muito similares.
São, sobretudo quando é o PCP a apresentá-las primeiro. (risos) Há muitas matérias em que convergimos com o Bloco.
Por que não trabalham mais em conjunto?
Trabalhamos em conjunto no que é possível e em que há convergência. Na legislatura anterior juntámos assinaturas para suscitar a inconstitucionalidade de normas orçamentais, com sucesso; agora também na lei dos metadados, cuja decisão se aguarda.
Isso são exemplos extra-Parlamento.
Se formos ver os sentidos de voto verificamos que a regra em termos legislativos é a convergência. As divergências são menos, mas têm pressão mediática maior.
No debate orçamental parece que estão a puxar cada um para seu lado e depois há pressa em chegar à boca do palco.
Nunca entrámos muito nessa corrida. O nosso objectivo é fazer propostas e lutar por elas. No decurso das conversas que ocorrem, nós não anunciamos resultados sobre as medidas antes de os obter. Não há nenhuma obsessão da nossa parte pela promoção mediática do que conseguimos obter.
Porque não trabalham mais em conjunto? Não dialogam com o BE?
Nós dialogamos com o Governo; é ao Governo que propomos. Não faz sentido irmos propor as nossas medidas a um partido que não faz parte do Governo. Se fosse de coligação, obviamente estariam todos à mesa.
Temos dois partidos que vão na mesma estrada, no mesmo sentido mas em faixas diferentes e poderiam…
Eu diria em veículos diferentes, cada um com o seu, como já uma vez foi dito: "cada um pedala na sua bicicleta".
Também há bicicletas para duas ou mais pessoas.
Mas se as duas pessoas não têm o mesmo ritmo de pedalada, as coisas podem não funcionar.
Mas se as duas pessoas não têm o mesmo ritmo de pedalada, as coisas podem não funcionar.
É o caso?
Não sei, compete a quem está de fora avaliar. Nós sabemos o ritmo a que pedalamos, não conhecemos os ritmos alheios.
O primeiro-ministro parece ter uma atitude mais cordial com o PCP, trata-o melhor nos debates quinzenais e é mais irónico para o Bloco.
Essa apreciação é sua, não é minha. Não me compete fazer esse tipo de apreciações, é uma questão para quem aprecia de fora.
Essa apreciação é sua, não é minha. Não me compete fazer esse tipo de apreciações, é uma questão para quem aprecia de fora.
Uma das bandeiras do PCP é uma maior justiça fiscal. Já temos o imposto Mortágua, podemos ter a taxa Robles; para quando um imposto com um nome do PCP?
Impostos com nome de dirigentes comunistas não é uma medalha que nos agrade ou que o PCP queira ter ao peito. A nossa luta fundamentalmente tem sido para que haja uma maior justiça fiscal para aliviar os impostos sobre os rendimentos do trabalho – sobretudo o IRS.
Esses já são taxados, há por aí rendimentos e património que não o são e que o PCP queria começar a taxar.
Sim, tem-se batido para que haja menos impostos sobre o trabalho e mais impostos sobre o capital. Não significa que queiramos um imposto Jerónimo ou o imposto Paulo Sá. Mas a nossa linha tem sido a de procurar tributar os aumentos de capital e os lucros especulativos de operações financeiras de modo a aliviar os impostos sobre os rendimentos do trabalho. Mas não queremos dar nenhum nome ao imposto. Deus nos livre!
Não querendo impostos com o seu nome, quer pelo menos um futuro entendimento com o PS?
Se houver disponibilidade do PS para entendimentos que sejam positivos para o povo português temos sempre essa disponibilidade.
Chegados ao fim da legislatura, pondo num prato da balança os avanços e no outro a falta de investimento, a dívida, a subjugação a Bruxelas e ao euro que vão limitar o crescimento do país, esse balanço mantém-se assim tão positivo?
É positivo. Não é o facto de não termos conseguido tudo ou muito do que desejaríamos que vamos desvalorizar aquilo que conseguimos.
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