Reforma Agrária em Portugal - 40 Anos Depois
Há quatro décadas, na intervenção de encerramento da I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, Álvaro Cunhal afirmou:
(...) «Os latifúndios têm sido e são a miséria, o atraso e a morte. A entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida, vida para os trabalhadores desempregados e seus filhos, vida para a agricultura abandonada, sabotada pelos grandes agrários e pelos grandes capitalistas». (...) «A liquidação dos latifúndios responde ao mesmo tempo à urgência de emprego para os trabalhadores e à urgência de aumentar a produção nacional. Os interesses dos trabalhadores são absolutamente coincidentes com os interesses nacionais».
No passado domingo, assinalando mais um aniversário do assassinato da operária agrícola Catarina Eufémia, morta brutalmente nos campos de Baleizão pelas balas fascistas, em Maio de 1954, quando à frente das suas companheiras de trabalho lutava contra o latifundiário explorador e as forças repressivas da GNR, o Secretário-Geral do PCP afirmou na sua intervenção de homenagem:
(...) "Há quem gostasse de ver arredado da nossa memória e da história do nosso povo, o registo desse património de luta, mas também esse corajoso e empolgante processo de transformação revolucionária da vida nos campos do Alentejo e Ribatejo que foi a Reforma Agrária.
Uma história, onde a Reforma Agrária, está escrita com letras de ouro, pelo que significou de realização colectiva, de transformação, de avanço em direcção a um mundo em construção liberto de exploração.
A história dessa realização ímpar onde, pela primeira vez no nosso País, os trabalhadores decidiram tomar as terras do latifúndio e com elas nas suas próprias mãos o seu destino, concretizando um inovador programa de transformações económicas e de justiça social.
A história de um processo original de ocupação de terras e criação de Unidades Colectivas de Produção, realizado para responder a necessidades imediatas de defesa da economia e de defesa das próprias liberdades, quando a Revolução de Abril era confrontada com a sabotagem económica dos grandes agrários, com as fugas de gado e maquinaria, abandono de culturas, incêndios de olivais e searas e os trabalhadores viam o desemprego a aumentar e, tal como no passado fascista, a fome e a miséria instalar-se nas suas casas.
A história de um processo em que milhares de homens e mulheres, organizados nas suas Unidades Colectivas, passaram a trabalhar mais de um milhão de hectares de terra, a desbravar matagais e terras incultas, a organizar e dirigir a produção agrícola, diversificando o processo de produção e, com isso, pondo fim ao desemprego e conquistando melhorias radicais nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações.
Num tempo em que a reacção tudo fazia para o regresso ao passado fascista, a Reforma Agrária deu um contributo determinante para a defesa e consolidação da democracia conquistada em Abril para responder às necessidades do País.
Ao contrário do que propalavam os propagandistas da contra-revolução, a Reforma Agrária não foi importada de lado nenhum, nasceu do esforço e da imaginação criadora dos trabalhadores organizados nas suas mais de 500 UCP/Cooperativas – elas próprias uma solução original, enquanto estruturas produtivas de tipo novo, nascidas dessa mesma criatividade.
A Reforma Agrária foi, desde o início, alvo de ataques os mais diversos e de uma desenvergonhada campanha de mentiras e calúnias, deformando e caricaturando o seu verdadeiro significado, objectivo e resultados alcançados.
Em relação aos resultados alcançados o seu êxito é inquestionável.
Bastaria comparar o antes com o depois da Reforma Agrária. Todos os indicadores revelam a superioridade da Reforma Agrária em todos os domínios.
Na área semeada, antes era 94 000 hectares, com a Reforma Agrária quase quadruplicou – 395 000 hectares. Área de regadio antes eram 9 300 hectares, com a Reforma Agrária chegámos a ter 23 700 hectares de terra regada. A produção de arroz antes correspondia a 23 500 toneladas com a Reforma Agrária a produção duplicou,- chegou a atingir 48 000 toneladas. A produção de tomate seguiu o mesmo caminho passou de 73 000 toneladas para 180 000. No que diz respeito, por exemplo, a efectivos animais passou-se de 81 000 cabeças normais para 190 000 e a tractores passou-se de 2 690 para 4560.
Com a Reforma Agrária os postos de trabalho saltaram de 21 700 entre trabalhadores efectivos e eventuais, para 71 900!
Este foi um dos raros períodos da história do último meio século no Alentejo em que a região não conheceu o flagelo do desemprego, não perdeu população e viu muitos dos seus filhos regressar à terra!
Também ao nível do investimento e considerando os anos entre 1976 e 1989 a diferença é significativa e revela a elevada capacidade de realização da Reforma Agrária: 1560 construções e reparações em captações de água e 322 barragens e albufeiras; preparação e beneficiação de 300 000 hectares de terra; 1918 instalações para gados, entre muitos outros investimentos!
As UCP’s/Cooperativas tomaram medidas que conduziram a uma notável melhoria das condições de vida dos trabalhadores; estabeleceram salários fixos, diminuíram a diferença entre os salários dos homens e das mulheres, criaram creches, jardins-de-infância, centros de dia, postos médicos!
Tudo isto debaixo do fogo de uma violenta ofensiva das forças reaccionárias, incluindo as que se encontravam no próprio aparelho estatal, que agiam no desprezo e na infracção da legislação que entretanto fora promulgada.
Uma ofensiva iniciada em 1976 pelo Governo do PS/Mário Soares e prosseguida por todos os governos que se seguiram: PS/CDS; PPD/CDS; PS/PPD e PPD sozinho.
Uma ofensiva que teve na famigerada «Lei Barreto», o ponto de partida da ofensiva no plano legislativo e na operação de adesão de Portugal à CEE/UE um instrumento fundamental de destruição desta e de outras importantes conquistas de Abril.
Uma ofensiva que durou 14 anos que pôs o Alentejo a ferro e fogo, numa ostentação e intervenção brutal de forças e de repressão que espalharam o terror por todo o lado!(*)
A Reforma Agrária acabou por ser destruída e o latifúndio restaurado, trazendo novamente ao Alentejo as terras abandonadas, a desertificação e o desemprego, enquanto umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros sem que lhes seja exigida a produção seja do que for. Acabou por ser destruída, mas não pôs fim à necessidade e actualidade de, nas actuais circunstâncias, se concretizar uma Reforma Agrária.
Uma Reforma Agrária que, cumprindo a Constituição da República Portuguesa, liquide a propriedade fundiária e o absentismo!" (...)
(*) Repressão que, em 1979, voltou a praticar o assassinato, com as mortes até hoje impunes de Caravela e Casquinha, dois camaradas militantes do PCP que, como Catarina, lutavam frente à GNR contra a devolução das terras ao latifundiário, durante o governo de uma "independente" (Maria de Lurdes Pintassilgo).
Não esquecemos.
Não deixaremos nunca que apaguem da história esta etapa heroica da luta do proletariado agrícola português, pela realização dessa sua inapagável consigna revolucionária: "A TERRA A QUEM A TRABALHA!"
oassaltoaoceu.blogspot.pt
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