Breve memória da ocupação da Grécia pela Alemanha de Hitler
O país que Hitler considerava o “símbolo da civilização humana” foi alvo da mais brutal e desumana repressão que se possa imaginar.
© Getty Images
A percepção que a generalidade das pessoas tem do terror nazi durante a Segunda Guerra Mundial não consta, por desconhecimento, o sofrimento brutal infligido aos gregos pelas tropas de Hitler entre 1941 e 1944.
Todavia, como afirma o grande historiador inglês Mark Mazower em “Inside Hitler’s Greece – The Experience of Occupation, 1941-1944” (publicado em 1993), Atenas sofreu “a fome mais atroz que a Europa ocupada alguma vez conheceu fora dos campos de concentração”.
Para se ter uma pequena ideia da dimensão da tragédia, só no primeiro ano da ocupação nazi, entre Outubro de 1941 e Outubro de 1942, e só nas aglomerações urbanas de Atenas e do Pireu, 49 188 gregos morreram de fome, segundo uma estimativa muito por baixo. Durante todo o período da ocupação nazi, entre 1941 e 1944, terão morrido de fome cerca de 500 mil gregos. De facto, afirma Mark Mazower, “a inflação e a destruição que a Grécia conheceu não têm paralelo em toda a Europa ocupada”.
A comunidade judaica da Grécia, uma das mais antigas da Europa, foi praticamente aniquilada. E a repressão brutal e sangrenta levada a cabo pela Wehrmacht para tentar jugular a resistência grega – sobretudo o EAM/ELAS (Frente Nacional de Libertação/Exército Popular de Libertação Nacional, que chegou a ter cerca de um milhão de aderentes) – cifrou-se em dezenas de milhares de mortos.
O país que o próprio Hitler considerava o “símbolo da civilização humana” foi alvo da repressão mais brutal e desumana que se possa imaginar. Hitler considerava que na sua “nova ordem europeia” os seus súbditos apenas existiam para proporcionar ao Reich matérias- -primas, mercadorias e mão-de-obra, e em nenhum caso poderiam esperar vir a ser associados políticos da Alemanha.
Talvez ninguém tenha expressado mais cruamente o pensamento de Hitler que Hermann Göring ao dirigir-se aos comissários do Reich e aos comandantes dos territórios ocupados, em 6 de Agosto de 1942: “Por toda a parte nos territórios ocupados vejo pessoas a empanturrar-se, enquanto o povo alemão tem fome. Por amor de Deus, vocês não estão aí para trabalhar em prol da prosperidade dos povos que vos foram confiados, mas para lhes tirar tudo o que puderem. Espero que se consagrem a esse objectivo com todas as vossas forças. Essa preocupação permanente pelo bem-estar dos estrangeiros tem de cessar de uma vez por todas […] Estou-me perfeitamente nas tintas para que os vossos administrados morram de fome. Eles que morram, desde que nenhum alemão morra de fome.”
No magnífico romance “Um Apartamento em Atenas”, publicado em 1945 pelo escritor americano Glenway Wescott (1901-1987), as forças de ocupação alemãs ordenam à família Helianos (um casal com dois filhos) que aloje no seu apartamento no centro de Atenas um obstinado e preconceituoso capitão do serviço de Intendência da Wehrmacht, Ernest Robert Kalter, que às tantas diz aos seus hospedeiros forçados: “Vocês, os gregos, estão todos cheios de doenças venéreas.”
O oficial nazi apropria-se da sala de estar, do quarto principal e da casa de banho, obrigando o casal Helianos a dormir na cozinha. Além disso, o casal tem de cozinhar para ele, lavar-lhe a roupa e estar permanentemente ao seu serviço. Entretanto, os filhos – o rebelde Alex e a misteriosa Leda – passam fome, enquanto o capitão Kalter dá os restos das suas copiosas refeições a um velho bull terrier.
Voltando à realidade descrita por Mark Mazower – de que não está longe a ficção de Wescott, que se baseia, aliás, num caso verdadeiro – “os cadáveres macilentos eram abandonados nas ruas durante horas até que as carroças municipais viessem buscá-los. Eram amontoados e depois levados para o cemitério mais próximo”. Mais: “O espectáculo dos cadáveres amontoados nas ruas mergulhava as pessoas numa angústia profunda” e muitas acabaram por enlouquecer depois de testemunhar e viver esse terror.
Nasci em Roma em 21 de Janeiro de 1945, poucos meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Vim para Lisboa em 1946, morar em casa dos meus avós paternos. Já com nove ou dez anos de idade, folheei às escondidas um álbum de fotos sobre o Holocausto nazi, que o meu avô tinha na sua pequena biblioteca, intitulado, se não me falha a memória, em inglês: “We Have not Forgotten”. Nunca mais esqueci o que vi.
Tal como os portugueses e quaisquer outros povos, os gregos também têm memória da sua própria história, designadamente, a que o seu país viveu em meados do tão sangrento século xx. Todavia, a Grécia nunca obteve o pagamento pela Alemanha das reparações que lhe eram devidas, apesar dos crimes contra a humanidade que foram cometidos contra os gregos pelos nazis durante a ocupação da Grécia pela Alemanha de Hitler. Porque os outros países aceitaram fechar os olhos.
Nota final: Escrevi este texto indignado com os insultos que têm sido lançados contra o governo grego e contra o Syryza por vários governantes portugueses, mas também por alguns dirigentes do PS, e sobretudo por jornalistas e comentadores outrora de extrema-esquerda, que se passaram para a direita e ainda não conseguiram exorcizar os seus velhos demónios. Que este texto lhes faça bom proveito. Se o lerem.
Todavia, como afirma o grande historiador inglês Mark Mazower em “Inside Hitler’s Greece – The Experience of Occupation, 1941-1944” (publicado em 1993), Atenas sofreu “a fome mais atroz que a Europa ocupada alguma vez conheceu fora dos campos de concentração”.
Para se ter uma pequena ideia da dimensão da tragédia, só no primeiro ano da ocupação nazi, entre Outubro de 1941 e Outubro de 1942, e só nas aglomerações urbanas de Atenas e do Pireu, 49 188 gregos morreram de fome, segundo uma estimativa muito por baixo. Durante todo o período da ocupação nazi, entre 1941 e 1944, terão morrido de fome cerca de 500 mil gregos. De facto, afirma Mark Mazower, “a inflação e a destruição que a Grécia conheceu não têm paralelo em toda a Europa ocupada”.
A comunidade judaica da Grécia, uma das mais antigas da Europa, foi praticamente aniquilada. E a repressão brutal e sangrenta levada a cabo pela Wehrmacht para tentar jugular a resistência grega – sobretudo o EAM/ELAS (Frente Nacional de Libertação/Exército Popular de Libertação Nacional, que chegou a ter cerca de um milhão de aderentes) – cifrou-se em dezenas de milhares de mortos.
O país que o próprio Hitler considerava o “símbolo da civilização humana” foi alvo da repressão mais brutal e desumana que se possa imaginar. Hitler considerava que na sua “nova ordem europeia” os seus súbditos apenas existiam para proporcionar ao Reich matérias- -primas, mercadorias e mão-de-obra, e em nenhum caso poderiam esperar vir a ser associados políticos da Alemanha.
Talvez ninguém tenha expressado mais cruamente o pensamento de Hitler que Hermann Göring ao dirigir-se aos comissários do Reich e aos comandantes dos territórios ocupados, em 6 de Agosto de 1942: “Por toda a parte nos territórios ocupados vejo pessoas a empanturrar-se, enquanto o povo alemão tem fome. Por amor de Deus, vocês não estão aí para trabalhar em prol da prosperidade dos povos que vos foram confiados, mas para lhes tirar tudo o que puderem. Espero que se consagrem a esse objectivo com todas as vossas forças. Essa preocupação permanente pelo bem-estar dos estrangeiros tem de cessar de uma vez por todas […] Estou-me perfeitamente nas tintas para que os vossos administrados morram de fome. Eles que morram, desde que nenhum alemão morra de fome.”
No magnífico romance “Um Apartamento em Atenas”, publicado em 1945 pelo escritor americano Glenway Wescott (1901-1987), as forças de ocupação alemãs ordenam à família Helianos (um casal com dois filhos) que aloje no seu apartamento no centro de Atenas um obstinado e preconceituoso capitão do serviço de Intendência da Wehrmacht, Ernest Robert Kalter, que às tantas diz aos seus hospedeiros forçados: “Vocês, os gregos, estão todos cheios de doenças venéreas.”
O oficial nazi apropria-se da sala de estar, do quarto principal e da casa de banho, obrigando o casal Helianos a dormir na cozinha. Além disso, o casal tem de cozinhar para ele, lavar-lhe a roupa e estar permanentemente ao seu serviço. Entretanto, os filhos – o rebelde Alex e a misteriosa Leda – passam fome, enquanto o capitão Kalter dá os restos das suas copiosas refeições a um velho bull terrier.
Voltando à realidade descrita por Mark Mazower – de que não está longe a ficção de Wescott, que se baseia, aliás, num caso verdadeiro – “os cadáveres macilentos eram abandonados nas ruas durante horas até que as carroças municipais viessem buscá-los. Eram amontoados e depois levados para o cemitério mais próximo”. Mais: “O espectáculo dos cadáveres amontoados nas ruas mergulhava as pessoas numa angústia profunda” e muitas acabaram por enlouquecer depois de testemunhar e viver esse terror.
Nasci em Roma em 21 de Janeiro de 1945, poucos meses antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Vim para Lisboa em 1946, morar em casa dos meus avós paternos. Já com nove ou dez anos de idade, folheei às escondidas um álbum de fotos sobre o Holocausto nazi, que o meu avô tinha na sua pequena biblioteca, intitulado, se não me falha a memória, em inglês: “We Have not Forgotten”. Nunca mais esqueci o que vi.
Tal como os portugueses e quaisquer outros povos, os gregos também têm memória da sua própria história, designadamente, a que o seu país viveu em meados do tão sangrento século xx. Todavia, a Grécia nunca obteve o pagamento pela Alemanha das reparações que lhe eram devidas, apesar dos crimes contra a humanidade que foram cometidos contra os gregos pelos nazis durante a ocupação da Grécia pela Alemanha de Hitler. Porque os outros países aceitaram fechar os olhos.
Nota final: Escrevi este texto indignado com os insultos que têm sido lançados contra o governo grego e contra o Syryza por vários governantes portugueses, mas também por alguns dirigentes do PS, e sobretudo por jornalistas e comentadores outrora de extrema-esquerda, que se passaram para a direita e ainda não conseguiram exorcizar os seus velhos demónios. Que este texto lhes faça bom proveito. Se o lerem.
Cronista, jornalista, ex-deputado
e ex-secretário de Estado português
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