Por Que Devemos Apoiar a Grécia
A propósito da Concentração Stop Austeridade – Apoio à Grécia – Mudança na Europa(Lisboa, 19h, Largo Camões), e no dia em que a Praça Syntagma recebeu mais uma manifestação gigantesca (ver foto) contra a austeridade, publicamos a tradução doartigo do Nick Dearden de dia 19, no Global Justice Now, a explicar que o que está em causa nestes dias é a dignidade de todos os povos e o nosso compromisso com a esperança e o futuro.
Ao lutar contra a austeridade mais brutal na Europa, o povo grego está a travar uma batalha épica pelo futuro da democracia europeia, e merece o apoio de todos os ativistas anti-pobreza.
Eleito há menos de seis meses, o governo anti-austeridade do Syiza continua a enfrentar a ira profunda dos líderes europeus. Vilipendiado e atacado, tanto por políticos como pelos media, o «crime» do Syriza é representar os direitos e a dignidade do povo grego, em vez dos interesses financeiros e empresariais que, normalmente, põem e dispõem das instâncias de decisão política europeias. É por isso que o Syriza mantém a popularidade, e é também por isso que as instituições europeias estão tão furiosas.
A Grécia tem sido vítima de um dos exemplos mais brutais de austeridade dos últimos tempos, sofrendo na pele o desemprego em massa, o aumento acentuado das taxas de suicídio, assassinatos, infeções por VIH, depressão, abuso de drogas e gente sem-abrigo. Mas esta tremenda depressão podia ter sido evitada, se as vidas dos gregos tivessem sido postas à frente dos lucros dos bancos europeus.
A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI) formaram uma Troika imperial, que suspendeu até a mais ínfima aparência de democracia, para impor políticas à Grécia — que falharam, até segundo os objetivos por elas próprias definidos. A dívida não diminuiu — antes disparou, quando a economia entrou em queda livre. Até o FMI começou a ter algumas dúvidas quanto o veneno que está administrar.
O verdadeiro motivo por trás destas políticas desumanas é simples — um resgate bancário de enormes proporções. Embora o povo grego não tenha feito absolutamente nada para causar a crise financeira, é ele que está a pagar um preço brutal por os bancos europeus terem feitos empréstimos irresponsáveis ao país, alimentando as redes de corrupção e a militarização. A Jubilee Debt Campaign calcula que a Troika tenha emprestado ao governo grego duzentos e cinquenta e dois mil milhões de euros, a maioria dos quais serviu para resgatar bancos europeus, enquanto a dívida grega continuava a subir.
O atual governo grego é frequentemente apelidado de «extremista», por se recusar a manter ou aumentar a austeridade como condição para obter mais um empréstimo; empréstimo esse que servirá apenas para pagar à própria instituição que o concede.
Ninguém na Troika acredita que estas políticas ajudem a salvar a Grécia. Depois de 1945, aprendemos que só se pode ressuscitar um país com uma combinação de anulação das dívidas e crescimento. Foi assim que a Alemanha pode recuperar da guerra, graças às políticas racionais de países como a Grécia. Mas os atuais líderes europeus estão determinados em humilhar e derrotar um governo que está a colocar em causa todo o credo das políticas económicas contemporâneas. Que deus nos livre de a Grécia demonstrar que, afinal, existe mesmo uma alternativa!
É por isso que devemos apoiar a Grécia. Nos últimos cinco anos, o povo grego não sucumbiu à barbárie, apesar do crescimento de partidos neonazis como o Aurora Dourada. A verdade é que até são eles, os gregos, quem nos tem dado alguma esperança. Mesmo no seio da mais adversa das situações, tentaram manter a sociedade de pé através da organização coletiva, providenciando cuidados de saúde, educação e comida onde o Estado falhou. Toda esta organização foi um elemento fulcral para a eleição do Syriza.
Agora dotados de poder governamental, os movimentos sociais continuam a pôr em causa a lei da austeridade do mercado livre. Recentemente, lançaram uma auditoria à dívida pública para expor a verdade sobre a dívida ilegítima da Grécia e arrancar a máscara aos verdadeiros responsáveis pela crise.
Uma das perguntas mais frequentas sobre a «crise da dívida no terceiro mundo» nos anos oitenta e noventa é «por que é que os países pura e simplesmente não se recusaram a pagar?» Durante essas crises, também os países africanos, asiáticos e latino-americanos foram obrigados a adotar medidas profundas de austeridade e «ajustamento», para pagar o preço pela ação dos bancos e das elites corruptas e irresponsáveis. O resultado foi um sofrimento incalculável, em consequência da destruição de economias inteiras. E foi com base nesse sofrimento, na subjugação destes países, que a nossa economia global, a tal do «o mercado é que sabe», se construiu.
Hoje, a Grécia mostra-nos por que é que não houve mais países a recusar-se a pagar. A intimidação constante, os subornos e chantagem tornam-no praticamente impossível.
Mas não completamente impossível. Nenhum governo conseguirá resistir a tanta pressão sozinho. O Syriza mantém o apoio dos movimentos sociais que o sustentam; mas a Grécia também precisa da solidariedade internacional — a mesmo que devemos a todos os que, no passado, fizeram frente à finança internacional.
A Europa está numa encruzilhada. Vamos continuar a seguir esta via anti-democrática, onde setores cada vez maiores das nossas sociedades são vendidos ao desbarato, as desigualdades continuam a aumentar desalmadamente, a pobreza e o desemprego são considerados falhanços pessoais, e uma «vida boa» só se acha nos mercados? Ou vamos antes não esquecer a importância da ação e e do apoio coletivos, da igualdade e dos direitos humanos, e lutar por novas formas de democracia, que nos permitam explorar as nossas capacidades e assumir a tarefa monumental de salvar o nosso planeta?
A Grécia é esperança. É uma oportunidade das que só acontece uma vez em cada geração. Não a deixemos passar.
observatoriogrecia.wordpress.com
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