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domingo, 21 de junho de 2015

A MANA VENDEU A TAP - Agora é meter mãos ao trabalho, sobra muito negócio a tratar, muita letra pequena, a ver se alguém se chega à frente com a massa da dívida

A MANA VENDEU A TAP



Clara Ferreira Alves
       
Agora é meter mãos ao trabalho, sobra muito negócio a tratar, muita letra pequena, a ver se alguém se chega à frente com a massa da dívida
Os dois cavalheiros mediram-se mutuamente do alto do seu metro e meio. Mediram-se com açúcar e afeto, depois do embate das Quatro Assoalhadas Advogados com a Abriu Advogados. Caramba, ganhou o melhor. Fonte presente na reunião disse ao jornalista: ele era o brilhozinho nos olhos, ele era a paixão, o entusiasmo, a estrutura, ele era tudo. O Nihilman é tudo menos nihil. É um man, disse a fonte um tudo nada azougada com a recordação da venda da companhia-traço-bandeira. O man já tinha todas as “Histórias de Portugal” em vários volumes, do Oliveira Martins ao Mattoso, do Alexandre Herculano ao Magalhães Godinho, do Rui Ramos ao Fernando Rosas. Mais as enciclopédias em segunda mão, as “Décadas da Ásia” do Barros e as “Crónicas” do Lopes. Leitura de férias, porque gerir uma empresa falida ia dar muito trabalhinho, era preciso reunir com o resto dos brasileiros e ver o que se tirava dali. A companhia tinha sido barata, dada. Aturar trabalhadores, pilotos, perdigotos, enfim, era preciso não entrar numa fria. Havia que partir o bolo em fatias fininhas e distribuir.
Os dois cavalheiros estavam habituados a encontrar-se nestes palcos, das renováveis à compra e venda de estalinhos, serpentinas e foguetes tudo lhes passava pelas mãos, e depois tinham a vantagem suprema do spinning porque um dos cavalheiros, talvez o mais baixinho dos dois, não é certo, tinha um programa de televisão onde anunciava ao Portugal dos Pequenitos as medidas da semana, a agenda ministerial, os recaditos e, de um modo geral, o que se precisasse. Se é para o xôr Dom Fradique… Ainda por cima pagavam-lhe. O outro tinha a reputação de pertencer a um partido que era contra a venda da bandeira aérea mas isso nunca fora obstáculo aos negócios das Quatro Assoalhadas não só porque ele era o homem mais inteligente do partido mas também porque havia quem no partido jurasse que ele era o único homem inteligente do partido. Isto dava-lhe muito campo para fazer o bem e pegar no telefone. Caramba, era assim que a democracia se fizera, com trabalho e muito içar de pulso de homens como ele, homens de grande estatura teórica. Ultimamente, e para o prejudicarem, tinham falado no partido em lançá-lo como candidato a Belém mas não era coisa que lhe interessasse. A ideia de fazer qualquer coisa pelo país que não lhe fosse pessoalmente proveitosa horrorizava-o e além disso tinha inimigos que não viam com bons olhos a alma comercial a servir destino presidencial, tanto mais que andava por aí o vírus da ética. A ética não se come. A ética não alimenta. A ética não é democrática. O outro cavalheiro da Abriu, que se fartava de abrir portas, sabia isso tão bem como ele. Eram os dois do que de melhor o sistema político-partidário do centrão tinha produzido na pátria mas a pátria era mal-agradecida e achava que se fazem omeletas sem ovos. Quem não tem cão caça com gato, era o que era. Estavam numa de aforismos, estas ocasiões negociais davam sempre para a beatitude e a beatitude negocial conduz ao aforismo. Ao provérbio. À anedota. A companhia aérea era um buraco, uma cratera, uma fossa mais funda que o Mindanao, dez mil metros abaixo do nível do mar. Buraco para onde a tinham atirado todos enquanto se passeavam pelo mundo em executiva e primeira a servir o país em missão patriótica. Talvez o negócio do Brasil tivesse contribuído, mas que diabo somos dois povos irmãos e a trapalhice é a mesma, a incompetência igual, a bajulice semelhante. Quem iria notar as diferenças? E o Nihilman injetaria nesta parvoíce não apenas o seu gene americano, o gene do business, como o seu bom aspeto nórdico, o seu olho azul e apaixonado, a sua extensa cultura histórica de Portugal. O homem até sabia o que era o esternocleidomastoideo. Tinha sido um belo combate entre os dois escritórios mas ganhara o socialista, os socialistas são homens para grandes combates. E tinha o melhor candidato. O judeu polaco colombiano brasileiro era portador assintomático de demasiados passaportes. Os portugueses ouvem falar em americanos e ficam aos pulos: temos dono! (Porra, esquecemo-nos do Barraqueiro!). Agora é meter mãos ao trabalho, sobra muito negócio a tratar, muita letra pequena, a ver se alguém se chega à frente com a massa da dívida. O Estado, a ver vamos… O Estado é rico e o contribuinte insanamente generoso. Depois das eleições. Mas todos estavam felizes.
O Presidente aliviou-se. O mano da senhora do Governo que entrara na negociação até escreveu no Facebook, nimbado de orgulho: a minha irmã vendeu a TAP. A mana. Que bonito. Portugal é uma família feliz, daquelas que como diz o Tolstoi não têm história e não interessam nada. Pensou nisto o mais inteligente dos dois. O outro nem sabia quem era a Ana Karenina.
Nota: Com um agradecimento ao Pedro Santos Guerreiro e ao seu maravilhoso artigo no Expresso online, no passado dia 14 , “Vitorino bate Marques Mendes na venda da TAP”.

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 20/06/2015)

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