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sexta-feira, 5 de junho de 2015

A falácia do envelhecimento demográfico

A falácia do envelhecimento demográfico


Quem quiser entrar no debate sobre o futuro do nosso sistema de pensões deve ler o texto de onde retirei a fórmula da figura.


A parte do produto que uma sociedade destina às pensões dos seus idosos, ou seja, o peso da despesa em pensões no PIB (1º membro da igualdade), pode ser entendida a partir da decomposição apresentada no 2º membro:


(1) peso dos idosos (R) na população em idade activa (A) => dependência dos idosos
(2) valor da pensão média (DP/R)
(3) peso da população activa (PA) na população em idade activa (A) => taxa de actividade
(4) peso do emprego (E) na população activa (PA) => taxa de emprego
(5) produto interno bruto (PIB) por empregado (E) => produtividade do trabalho (conceito macroeconómico)


O que está em causa:


Somos bombardeados todos os dias com o 
argumento do envelhecimento demográfico, o que se traduz no crescimento do indicador de dependência dos idosos (1). Segundo o pensamento dominante nos media, se nada fizermos, essa tendência conduz à insustentabilidade do nosso sistema de pensões porque exige uma fatia do produto que os activos não estarão dispostos a libertar. Logo, deduz-se, é inevitável cortar as pensões (2) para compensar o aumento do indicador de dependência dos idosos (1).


Mas este argumento é falacioso porque ignora que o "encargo" com as pensões também tem um denominador que, para uma leitura mais esclarecedora, pode ser decomposto num produto de fracções (3)x(4)x(5). 

O erro do argumento do envelhecimento demográfico está na omissão dos factores que afectam o produto (PIB), o denominador da fracção, e que estão profundamente ligados às políticas económicas adoptadas no país.


Assim, uma política económica recessiva:


- leva muitos desempregados a deixarem de procurar emprego, os desencorajados, o que diminui (3);
- reduz o emprego, o que diminui (4);
reduz o investimento, o que diminui a produtividade do trabalho (5).


Ou seja, o peso das pensões é determinado pela demografia e pela política económica: 
(a) dinâmica demográfica - factor de longo prazo, associado ao desenvolvimento económico e social, que nos nossos dias foi agravado sobretudo pela redução e precarização do emprego e pela emigração; 
(b) política económica - efeitos recessivos ditados pela nossa integração na zona euro, pela abertura da UE a Leste, e pela participação da UE na globalização comercial e financeira; foi levada ao paroxismo com o Memorando imposto pela troika; tem continuidade sob a tutela do Tratado Orçamental que o país aprovou.


Assim, fica à vista que o envelhecimento demográfico não implica necessariamente cortar as pensões (reduzir (2)), ou aumentar a idade da reforma para diminuir o número dos pensionistas (reduzir R, numerador de (1)). 
A evolução favorável da economia (subida das fracções do denominador), se conduzida por uma política económica que promova o desenvolvimento do país, contraria e mais do que compensa o efeito desfavorável do numerador. Foi isso que aconteceu até ao início do presente século.


De facto, o envelhecimento demográfico até estabilizará no quadro de uma política económica de pleno emprego e de uma política social de apoio às famílias (mais emprego, mais estabilidade no emprego, mais infra-estruturas de apoio ...). Por outro lado, o produto crescerá com uma estratégia de desenvolvimento adequada à transição da economia para sectores de maior intensidade tecnológica, o que fará aumentar a produtividade (5).


Se assim é, então porque não se fala nos outros factores? 

Porque esta é a grande oportunidade para os neoliberais abaterem o Estado de Bem-Estar (ver o think-tank Cidadania Social, de que fazem parte Mário Centeno, Jorge Bravo, Margarida Corrêa de Aguiar, Fernando Ribeiro Mendes, ... ) e, finalmente, conseguirem abrir as portas às seguradoras e fundos de pensões. Este é um mercado constituído pelos cidadãos com dinheiro para completar a pensão pública de miséria, entretanto reduzida com mais uma "reforma estrutural", com uma pensão privada que depende das suas poupanças, das comissões das seguradoras e da volatilidade dos mercados financeiros. Isto se, entretanto, o casino não lhes fizer sumir as poupanças, ou reduzir substancialmente as pensões, como tem acontecido (ver aqui).


Este assalto neoliberal ao nosso sistema de pensões, aliás já muito degradado pela reforma de 2007, conta com o apoio dos media que aboliram do espaço público a discussão da política económica e social que tem sido imposta pela UE à Grécia e restantes países sob tutela. Este tabu conta com a complacência do PS que alimenta nos portugueses a expectativa de que, um dia, a Europa vai mudar. Os novos "amanhãs que cantam" justificariam todos os sacrifícios, aliás muito desigualmente distribuídos.


Como está à vista, a UE não é compatível com o exercício pleno da democracia nos seus Estados-membros. Por muito que se recuse o debate público, nos próximos anos vamos mesmo ter de escolher entre:

(a) desmantelar o modelo de pensões de base laboral e solidariedade entre gerações, para permanecer no euro, ou
(b) melhorar o nosso modelo de pensões, garantindo uma elevada taxa de substituição do salário no momento da reforma, o que exige a recuperação da soberania na política económica, ou seja, sair do euro.
É tudo isto que está em jogo. 


ladroesdebicicletas.blogspot.pt

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