Coisas que os gregos deram ao mundo
Os gregos deram a democracia, a filosofia e a literatura ao mundo (pelo menos, ao mundo ocidental) e estão agora a dar uma bela lição de dignidade. Esta ideia, tão repetida nos últimos tempo, parece-me justa, mas redutora.
Voltei a pensar nisto na última sexta-feira, no início de uma noite de temporal, quando viajava de regresso a casa desde Chaves e escutava, na rádio do Estado, um daqueles inúmeros programas indigentes de "debate político". Nele, uma senhora chamada Ana Sá Lopes, depois de várias intervenções em voz arrastada a dizer que o Syriza é o máximo, que António Costa anda lá perto e que o governo é formado por pessoas ignorantes, que não têm a noção da realidade do mundo em que vivem, recomendava a leitura de um clássico que nos vem desses extraordinários fundadores da democracia: a Odisseia, de Homero, "um livro antigo, já com milhões de anos".
Descontando a velha ideia romântica que temos da "democracia" grega, ou melhor, ateniense - um sistema em que havia os cidadãos e os outros, os que não tinha direitos, como os estrangeiros, os escravos e as mulheres - pergunto-me porque não exaltamos hoje outras coisas que os gregos dessa mesma época nos deixaram e que a maioria de nós aprendeu na escola.
Em Esparta, uma das mais poderosas cidades-estado da Grácia antiga, as pessoas pertenciam ao Estado desde o nascimento atéà morte. Os recém-nascidos eram examinados por um conselho de anciãos, que mandava eliminar os que fossem portadores de deficiência física ou mental ou até os que não fossem suficientemente robustos. Esta antiga e sofisticada forma de eugenia viria a ser utilizada pelos nazis na Alemanha, já no século vinte, mas estes, ao contrário dos gregos, não têm boa imagem junto da opinião pública. Acrescento ainda que as crianças espartanas eram espancadas pelos pais para se tornarem mais fortes (uma prática que ainda hoje muitos especialistas em educação que aparecem na televisão ou escrevem nos jornais não desdenham de todo) e que as mulheres espartanas eram educadas quase exclusivamente para ter filhos robustos, adquirindo o direito de casar e parir só após uma experiência com um escravo especializado - da união resultava uma criança que era imediatamente morta, tal como o escravo, que era abatido aos trinta anos.
Já da mais sofisticada Atenas, a verdadeira pátria da democracia só para alguns, nem vale a pena recordar a aceitação, jurídica e social, da pederastia e da pedofilia. Vá lá saber-se porquê, este hábito dos grandes cidadãos, alguns deles ainda hoje reconhecidos como génios, perdeu algum do seu prestígio, embora, como vemos frequentemente em Portugal, continue a ser praticado pelo povo e pelas elites. E, por falar em elites e em grandes homens, vale a pena recordar que a escravatura foi uma das bases do progresso cultural e material dos gregos (como de todos os povos que a praticavam, incluindo os portugueses de antanho). Como muitos historiadores demonstram, a existência de escravos permitia aos helénicos dedicar-se às coisas do espírito (e a seduzir petizes, já agora). Pois não escreveu, no seu opúsculo Política III, o imenso Aristóteles que "Quem pode usar o seu espírito para prever é naturalmente um comandante e naturalmente um senhor, e quem pode usar o seu corpo para prover é comandado e naturalmente escravo; o senhor e o escravo têm o mesmo interesse”?
Ah!, a Grécia Antiga, essa Mãe de todas as virtudes e de todos os vícios...
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