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250px-LocalRegiaoLisboa.svgO governo enviou para o EUROSTAT, no final do ano de 2012, uma proposta com uma nova configuração das NUTS 3[1] do território português, da qual fazem parte, entre outras, a junção das duas NUTS 3 Grande Porto e Entre Douro e Vouga numa só NUTS 3, designada AMP – Área Metropolitana do Porto (fica com 16 municípios), e, também, a fusão das duas NUTS 3 Grande Lisboa (GL) e Península de Setúbal (PS) numa só NUTS 3, designada AML – Área Metropolitana de Lisboa (mantém os 18 municípios).
No caso da AML a NUTS 3 coincide e coexiste com uma NUTS 2 que tem a mesma designação.
Isso não acontece no caso nortenho porque, lá, a NUTS 3 AMP continuará a fazer parte da NUTS 2 Região Norte, juntamente com mais 7 NUTS 3 (Alto Minho, Cávado, Alto Tâmega, Douro, Terras de Trás-os-Montes, Ave e Baixo Tâmega e Sousa)
No caso do Porto há informação de que aconteceu uma forte resistência da sub-região Entre Douro e Vouga à ideia governamental, oposição que foi protagonizada pelo presidente da CM de S. João da Madeira e, simultaneamente, presidente da Associação de Municípios das Terras de Santa Maria. Este autarca, de nome Castro Almeida, foi recentemente nomeado secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, tendo sido anteriormente secretário de Estado de Cavaco Silva, e, além disso, também já exerceu funções de gestão dos fundos comunitários na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte. Castro Almeida, que foi um “forte” opositor interno de Passos Coelho, terá sido convencido mais tarde da bondade da fusão das NUTS 3.
Há registo de que, na região Norte, houve alguma perplexidade por não ter havido nenhuma reação contra a ideia de fusão da Grande Lisboa com a Península de Setúbal, porque esperava-se uma forte reação das entidades da Península contra este “apagamento” estatístico, dado o valor político que encerra.
O EUROSTAT esteve a analisar a proposta feita pelo governo português e prepara-se para aprová-la em breve.
ratio legis que está na base da proposta governamental quanto ao redesenho das NUTS não tem, aparentemente, apenas motivações estatísticas, porque está muito ligada ao envelope financeiro dos fundos comunitários 2014-2020 (QEC), à sua gestão aplicativa e, ainda, à “filosofia Relvas”[2] aplicada às formas de governo local, intermunicipal e regional registada na novel legislação antes referida.
O governo entende, sem que isso derive de qualquer imposição regulamentar europeia, que a cada uma das 22 novas entidades intermunicipais (20 CIM e duas áreas metropolitanas)[3] deverá corresponder uma só NUTS 3. Assim, a AMP deverá ser uma NUTS 3 tal como a AML será outra.
Mas não há, repete-se, qualquer obrigatoriedade resultante de regulamentação europeia, apontando para um impedimento a haver duas NUTS 3 na AML. Nem nenhuma outra justificação técnica.
Aliás, se houvesse coerência na proposta governamental, a AMP seria também uma NUTS 2, destacando-se, assim, da Região Norte, tal como existe a AML. Mas isso prejudicaria muito a AMP e, por essa razão, tem sido evitada a divisão da Região Norte que Bruxelas deseja.
É bom esclarecer que essa eventual subdivisão, que faria aparecer mais uma Região desenvolvida, a da AMP, não acarretaria automaticamente uma situação prejudicial para Portugal no respeita ao montante global de fundos comunitários no período 2014-2020, porque, a Região Norte restante ficaria mais desviada da média europeia expressa em PIB/hab e, portanto, passaria a receber mais.
As taxas de cofinanciamento máximas para as “regiões desenvolvidas” serão, no período 2014 a 2020, apenas de 50 %, enquanto para as “regiões menos desenvolvidas e ultraperiféricas”[4] irá de 75 a 85 %, e será de 60 % nas “regiões em transição”[5] (Algarve).
Nas “regiões desenvolvidas” (Lisboa) prevê-se que cerca de 80% dos fundos[6]serão destinados à competitividade (SI à inovação, competitividade e apoio à exportação das empresas privadas) na forma de empréstimos e capital de risco; os 20% restantes, designadamente aqueles destinados aos municípios e outras entidades públicas e privadas, serão concentrados em temas como a reabilitação urbana das cidades, o que revestirá um perfil muito idêntico aquilo que tem sido praticado no programa Jessica. Ou seja, não serão financiamentos a “fundo perdido”, mas sim empréstimos.
Isto, para a PS, é desastroso e significa uma enorme privatização de dinheiros públicos.
Há um desígnio político do governo, no sentido de “apagar” a identidade política da Península de Setúbal. E, também, uma motivação no sentido de alisar as estatísticas tapando assim a manifesta situação de divergência negativa que se tem verificado na Península nos últimos 15 anos e que as políticas públicas manifestamente não têm sabido e conseguido corrigir.
Diz-se, para combater esta ideia, que uma importante parte do valor acrescentado na GL se deve a trabalhadores que, residindo na PS, trazem consigo um fluxo financeiro devido às suas remunerações. Mas, do que não há dúvida que o IRC, o IRS, as derramas ficam na GL!
Para efeitos dos fundos disponibilizáveis no período 2014-2020, poderá dizer-se que tanto faz a PS ser uma NUTS 3 autónoma, ou fazer parte da NUTS 3 AML (que, repete-se, será simultaneamente uma NUTS 2).
De facto, em ambos os casos a situação futura será má se não houver mais fundos e, sobretudo, a possibilidade de aplicar medidas políticas de descriminação positiva da Península.
Mas, algumas das medidas de discriminação positiva, prevendo-as na regulamentação interna de cada estado (majoração nos concursos de forma a dedicar mais verbas a uma parte específica de uma determinada região, ou contratualizações específicas), estão, à partida, muito condicionadas pelas regras “concursais” e “concorrenciais” impostas pela EU e abençoadas pelo PSD e CDS. E, depois, haveria sempre um forte impedimento intermunicipal sediado nos órgãos da AML, que, pela sua natureza, inviabilizariam esse favorecimento da PS.
Parece, ainda, que as regras europeias quanto às “ajudas de estado” (fundos europeus e fundos nacionais) não serão nem menos, nem mais, limitativas pelo facto de a PS e a GL serem uma só NUTS 3.
Neste difícil contexto não poderá deixar de se colocar, para análise, a ideia, mais radical, possível no campo teórico, de agregar a PS a outras CIM vizinhas[7] distintas da Grande Lisboa (que ficaria isolada como NUTS 2 e “região desenvolvida”),
Sabe-se bem que estas hipóteses encerram grandes dificuldades de natureza política e, até, de coerência com a ideia de uma regionalização racional e democrática, que, passando pela gestão metropolitana, se tem vindo a defender desde há anos.
Mas, salvo melhor opinião, não se deverá ficar cristalizado numa perspetiva idealista de uma gestão metropolitana que não se sabe quando virá. Nem sequer se algum dia se concretizará.
A enorme e prolongada crise económica e social impõe-nos, quer queiramos ou não, um quadro político muito diverso daquele que era antecipável há quinze anos.
Por estas razões seria de reponderar os ganhos e as perdas para as populações e territórios, provenientes das opções alternativas ventiladas.

[1] NUT – Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Ver aqui
[2] Traduzida numa lei, enviada pelo PR ao Tribunal Constitucional e chumbada em determinados aspetos, com a qual se pretendia fixar um novo e diferente regime jurídico das autarquias locais; um diferente estatuto das entidades intermunicipais (CIM e AM); um novo regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, assim como da delegação de competências do Estado nas autarquias locais e nas entidades intermunicipais e dos municípios nas entidades intermunicipais e nas freguesias, e, finalmente, um diferente regime jurídico do associativismo autárquico
[3] Que, de acordo com a futura lei em trânsito para a PR, serão unidades administrativas autónomas (embora subsistam muitas dúvidas e questões político-constitucionais já levantadas por diversas entidades).
[4] As Regiões NUTS 2 cujo PIB per capita seja inferior a 75 % da média da UE 27.
[5] As Regiões NUTS 2 cujo PIB per capita se situe entre 75 % e 90 % do PIB médio da UE 27 com um tratamento diferenciado para regiões que sejam elegíveis ao abrigo do objetivo de Convergência em 2007-2013
[6] Prevê-se que o envelope financeiro global para o QEC (2014/2020) será de cerca de 3003 milhões de euros para a AML, circulando ainda a informação, não confirmada, de que poderia ser reforçado de forma expressiva.
[7] Duas opções se põem nesse caso: ou liga-la a 4 dos municípios do Alentejo Litoral, retomando em grande parte a circunscrição Distrito de Setúbal, ou, então, estendê-la a partes coerentes do Oeste e da Lezíria do Tejo, formando um Colar Metropolitano em redor da Grande Lisboa (onde poderiam ainda entrar Mafra e Vila Franca de Xira). Já a autonomização da PS como NUTS 2, afigura-se ser pouco racional e inviável do ponto de vista dos regulamentos comunitários.

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