Resposta a um crápula que é, intelectualmente, vulgar.
Por Catarina Ivone.
Caro Miguel Sousa Tavares,
já o esperava este sábado: o seu ódio para com a classe dos professores assim o ditaria. Já contava que maus argumentos, quando não falaciosos, nos seriam dirigidos - porque o faz sempre quando se trata da escola pública em Portugal. O Sr Dr tem a cabeça plena de ideias feitas, pré-concebidas que, muito mal lhe fica, são meros preconceitos, face a uma classe profissional que desconhece em absoluto. Tal tolda-lhe o raciocínio e a sua habitual lucidez na análise de assuntos políticos e públicos (excepção igualmente feita à sua defesa da caça e da tourada, mas não me quero desviar do assunto). O que vale é que o próprio Miguel também já contava comigo: "Eu sei que isto que agora escrevo vai circular nos blogues dos professores [vc esquece-se sempre do facebook...], vai ser adulterado, deturpado, montado como dê mais jeito". O que não contaria é que não vou (não iremos, com certeza) nem adulterar, nem deturpar, nem montar. Irei, passo a passo, desmontando os seus argumentos, porque a sua inteligência me merece tal respeito.
Começando pelo início, entendo e compreendo o alcance do exemplo das suas memórias de infância e da sua dívida de gratidão eterna pela Dª Constança. Desde logo, porque todos nós, com grande probabilidade, a teremos para com os nossos professores primários. O que, contudo, está subsumido nesse seu exemplo, de uma professora que trabalhou sem quaisquer condições mínimas de dignidade, é que tal era devido à Dª Constança - não era - e devia continuar a ser devido a todos os professores - não é. Não se infere pelo exemplo da sua professora que os actuais professores não tenham o direito à greve, pois se Dª Constança nunca a fez, não terá sido por exemplar abnegação, mas porque seria presa se o fizesse - a greve era proibida no antigo regime, como bem sabe. Assim, convém não tentar equiparar situações que não são equiparáveis, falácia bem manuseada por todos aqueles que pretendem confundir, mais do que esclarecer, e manipular, mais do que discutir.
Como me recuso a acreditar que o panorama que traça da pobreza do País - e das escolas - no tempo do fascismo seja para concluirmos que deveremos todos dar muitas graças a Deus Nosso Senhor pelos "privilégios" actuais de ter 'pequenos-almoços na escola' [para os alunos]. E se 'a noção de 'horário zero' seria levada à conta de brincadeira' é porque ela era, e é, e devia ser, assim considerada - uma mera anedota: com 3 milhões de portugueses que continuam a ter só como habilitação o 4º ano (ou nem isso), e um milhão só o ensino básico, com a extensão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, só nos devia fazer rir - ou chorar, se para tanto tivéssemos sensibilidade - que se invoque o FALSO argumento de que não há alunos que justifiquem o número de professores que estavam no sistema - em dois anos, 28.000 foram despedidos, e mais umas dezenas de milhar estão na calha. Sim, caríssimo Miguel Sousa Tavares, não lhe faltasse discernimento no que se refere à Educação, e já teria abandonado há muito essa catilinária que lhe é habitual de que não existem despedimentos na Função Pública. Anda distraído: o que nunca houve, nem no privado nem no público, na história do nosso país, foi um DESPEDIMENTO COLECTIVO desta ordem de grandeza.
Continuemos: não, na Finlândia os professores não trabalham mais horas que os professores, desde logo porque têm horários e condições para trabalhar na escola, algo que não temos, e, em segundo lugar, porque têm um máximo de 12 alunos por turma, enquanto que, por cá , e por ordem deste Governo, as turmas só poderão ser constituídas com um mínimo de 26. Desta forma, convém colocar em contexto comparações que, se mal executadas, se tornam falaciosas, quando não meramente cínicas.
A seguir - não há nada a fazer, o pior cego é quem não quer ver -, de novo nos ataca por termos recusado, nos tempos da anterior Ministra, sermos avaliados para efeitos de progressão na carreira. Eu suspiro. Por mais que lhe tenham dito, mostrado e demonstrado que os professores se insurgiram, não contra o facto de virem a ser avaliados, mas sim contra a divisão na carreira entre professores de 1ª e de 2ª (os célebres 'professores titulares') e por a avaliação, além de ser um monstro burocrático impraticável, permitir que, por exemplo, um professor com menor habilitação, menos tempo de serviço e de um outro grupo disciplinar pudesse avaliar um colega. Uma questão de injustiça, entende? Eu sei que não, mas persisto na minha labuta.
Que passa agora a um nível mais grave, porque explicitamente insultuoso: quando nos acusa de que, com a convocação da greve aos exames, queremos ser o exemplo para os nossos alunos de 'quem acha que os exames, as avaliações, são um incómodo para a paz de um sistema assente na desresponsabilização, na nivelação de todos por baixo, na ausência de estímulo ao mérito e ao esforço individual'. Só por desconhecimento total e absoluto do que é o trabalho e a dedicação dos professores aos seus alunos, no que se inclui igualmente a preparação para os exames, o esforço para o respectivo sucesso, a forma abnegada, empenhada e contínua como dia após dia ensinamos os conteúdos, os valores e as atitudes para que os alunos possam singrar com sucesso nas suas vidas académicas e profissionais, o podem ter feito proferir tal alarvidade. Aos que desconhecem, aconselha-se pudor, recato e moderação no que possam pensar e dizer. É o meu conselho, portanto, para si.
Faz-se, por conseguinte, greves que combatam os 'horários zero', ou o 'horário semanal (e ficcional) de 40 horas de trabalho', bem como por defesa de que o Estado continue a 'sustentar o mesmo número de professores', pelas simples e cristalinas razões de que 1, os horários-zero foram uma CRIAÇÃO ARTIFICIAL deste mesmo Governo, no ano transacto (informe-se), para provocar o despedimento de professores, 2, nem as 40 horas de trabalho seriam ficcionais nem elas esgotariam as horas dedicadas, extra escola, a trabalhar para ela, além de que - atente em particular a este momento, por favor - o aumento de 5h, bem como novas regras na elaboração de horários de professores para o próximo ano lectivo (informe-se), tem como único objectivo e consequência o desaparecimento de mais uns milhares de horários, ou seja, o despedimento de mais professores; pelo que, 3, o Estado deve continuar a sustentar o mesmo número de professores que tinha há 2 anos atrás porque há muitos alunos que têm que completar as suas habilitações e há muitos actuais alunos que serão prejudicados por os seus professores passarem a ter mais alunos por turma, mais turmas e um maior horário de permanência na escola que não tem condições logísticas para os acolher com a tranquilidade e concentração necessária para realizarem os seus múltiplos afazeres profissionais, para além das aulas que leccionam. Porque o que está em causa - e curiosamente não encontrei essa preocupação na sua crónica - é a qualidade do ensino, isto é, os alunos.
Considera, a seguir, que o Ministro cumpriu o seu mais elementar dever, o de porfiar para os exames de um dia não tenham que ser adiados, para tanto transgredindo todas as leis, despachos e normas que regulam os exames. O Miguel, tal como o Ministro, deve pensar que vigiar os exames é como era antigamente - não é (informe-se). Mas o que me espantou foi que o Miguel, tal como o Ministro, considerasse que se pode atropelar e suspender o Estado de Direito em Portugal por forma a, ilegitimamente, impedir o direito à greve de um trabalhador. Ficou-lhe muito mal, e foi muito incoerente, o que lhe ficou ainda pior.
Finalmente - as suas crónicas são longas, esta minha carta também teria que o ser -, não lhe admito que ponha em causa o meu brio profissional; e muito menos lhe admito que queira comparar um professor que faz greve a um exame, QUE NÃO IMPEDE O ALUNO DE CONCLUIR O SEU ANO DE ESCOLARIDADE e simplesmente lhe provoca o incómodo - ou o benefício? - de ter mais uns dias para estudar para ele, a um cirurgião que abandonasse um 'doente já anestesiado pronto para a operação' ou um controlador de tráfego aéreo que fizesse greve 'quando tem um avião a fazer-se à pista'. A demagogia tem limites; a isso obriga a seriedade intelectual.
Portanto, sem ter adulterado, deturpado ou montado de qualquer jeito a sua crónica, deixei claro que, quando toca a professores e à Escola Pública, seriedade intelectual é o que lhe falta. Nessa exacta medida, não concedo um pingo de credibilidade ao que possa ter a dizer sobre nós e sobre ela. Mentes preconceituadas não me merecem qualquer respeito.
Mas os meus alunos, esses, merecem-me todo. Por isso, e por eles, farei greve aos exames no próximo dia 17.
Nota: Catarina Ivone escreve de acordo com a antiga ortografia.
Por Catarina Ivone.
Caro Miguel Sousa Tavares,
já o esperava este sábado: o seu ódio para com a classe dos professores assim o ditaria. Já contava que maus argumentos, quando não falaciosos, nos seriam dirigidos - porque o faz sempre quando se trata da escola pública em Portugal. O Sr Dr tem a cabeça plena de ideias feitas, pré-concebidas que, muito mal lhe fica, são meros preconceitos, face a uma classe profissional que desconhece em absoluto. Tal tolda-lhe o raciocínio e a sua habitual lucidez na análise de assuntos políticos e públicos (excepção igualmente feita à sua defesa da caça e da tourada, mas não me quero desviar do assunto). O que vale é que o próprio Miguel também já contava comigo: "Eu sei que isto que agora escrevo vai circular nos blogues dos professores [vc esquece-se sempre do facebook...], vai ser adulterado, deturpado, montado como dê mais jeito". O que não contaria é que não vou (não iremos, com certeza) nem adulterar, nem deturpar, nem montar. Irei, passo a passo, desmontando os seus argumentos, porque a sua inteligência me merece tal respeito.
Começando pelo início, entendo e compreendo o alcance do exemplo das suas memórias de infância e da sua dívida de gratidão eterna pela Dª Constança. Desde logo, porque todos nós, com grande probabilidade, a teremos para com os nossos professores primários. O que, contudo, está subsumido nesse seu exemplo, de uma professora que trabalhou sem quaisquer condições mínimas de dignidade, é que tal era devido à Dª Constança - não era - e devia continuar a ser devido a todos os professores - não é. Não se infere pelo exemplo da sua professora que os actuais professores não tenham o direito à greve, pois se Dª Constança nunca a fez, não terá sido por exemplar abnegação, mas porque seria presa se o fizesse - a greve era proibida no antigo regime, como bem sabe. Assim, convém não tentar equiparar situações que não são equiparáveis, falácia bem manuseada por todos aqueles que pretendem confundir, mais do que esclarecer, e manipular, mais do que discutir.
Como me recuso a acreditar que o panorama que traça da pobreza do País - e das escolas - no tempo do fascismo seja para concluirmos que deveremos todos dar muitas graças a Deus Nosso Senhor pelos "privilégios" actuais de ter 'pequenos-almoços na escola' [para os alunos]. E se 'a noção de 'horário zero' seria levada à conta de brincadeira' é porque ela era, e é, e devia ser, assim considerada - uma mera anedota: com 3 milhões de portugueses que continuam a ter só como habilitação o 4º ano (ou nem isso), e um milhão só o ensino básico, com a extensão da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, só nos devia fazer rir - ou chorar, se para tanto tivéssemos sensibilidade - que se invoque o FALSO argumento de que não há alunos que justifiquem o número de professores que estavam no sistema - em dois anos, 28.000 foram despedidos, e mais umas dezenas de milhar estão na calha. Sim, caríssimo Miguel Sousa Tavares, não lhe faltasse discernimento no que se refere à Educação, e já teria abandonado há muito essa catilinária que lhe é habitual de que não existem despedimentos na Função Pública. Anda distraído: o que nunca houve, nem no privado nem no público, na história do nosso país, foi um DESPEDIMENTO COLECTIVO desta ordem de grandeza.
Continuemos: não, na Finlândia os professores não trabalham mais horas que os professores, desde logo porque têm horários e condições para trabalhar na escola, algo que não temos, e, em segundo lugar, porque têm um máximo de 12 alunos por turma, enquanto que, por cá , e por ordem deste Governo, as turmas só poderão ser constituídas com um mínimo de 26. Desta forma, convém colocar em contexto comparações que, se mal executadas, se tornam falaciosas, quando não meramente cínicas.
A seguir - não há nada a fazer, o pior cego é quem não quer ver -, de novo nos ataca por termos recusado, nos tempos da anterior Ministra, sermos avaliados para efeitos de progressão na carreira. Eu suspiro. Por mais que lhe tenham dito, mostrado e demonstrado que os professores se insurgiram, não contra o facto de virem a ser avaliados, mas sim contra a divisão na carreira entre professores de 1ª e de 2ª (os célebres 'professores titulares') e por a avaliação, além de ser um monstro burocrático impraticável, permitir que, por exemplo, um professor com menor habilitação, menos tempo de serviço e de um outro grupo disciplinar pudesse avaliar um colega. Uma questão de injustiça, entende? Eu sei que não, mas persisto na minha labuta.
Que passa agora a um nível mais grave, porque explicitamente insultuoso: quando nos acusa de que, com a convocação da greve aos exames, queremos ser o exemplo para os nossos alunos de 'quem acha que os exames, as avaliações, são um incómodo para a paz de um sistema assente na desresponsabilização, na nivelação de todos por baixo, na ausência de estímulo ao mérito e ao esforço individual'. Só por desconhecimento total e absoluto do que é o trabalho e a dedicação dos professores aos seus alunos, no que se inclui igualmente a preparação para os exames, o esforço para o respectivo sucesso, a forma abnegada, empenhada e contínua como dia após dia ensinamos os conteúdos, os valores e as atitudes para que os alunos possam singrar com sucesso nas suas vidas académicas e profissionais, o podem ter feito proferir tal alarvidade. Aos que desconhecem, aconselha-se pudor, recato e moderação no que possam pensar e dizer. É o meu conselho, portanto, para si.
Faz-se, por conseguinte, greves que combatam os 'horários zero', ou o 'horário semanal (e ficcional) de 40 horas de trabalho', bem como por defesa de que o Estado continue a 'sustentar o mesmo número de professores', pelas simples e cristalinas razões de que 1, os horários-zero foram uma CRIAÇÃO ARTIFICIAL deste mesmo Governo, no ano transacto (informe-se), para provocar o despedimento de professores, 2, nem as 40 horas de trabalho seriam ficcionais nem elas esgotariam as horas dedicadas, extra escola, a trabalhar para ela, além de que - atente em particular a este momento, por favor - o aumento de 5h, bem como novas regras na elaboração de horários de professores para o próximo ano lectivo (informe-se), tem como único objectivo e consequência o desaparecimento de mais uns milhares de horários, ou seja, o despedimento de mais professores; pelo que, 3, o Estado deve continuar a sustentar o mesmo número de professores que tinha há 2 anos atrás porque há muitos alunos que têm que completar as suas habilitações e há muitos actuais alunos que serão prejudicados por os seus professores passarem a ter mais alunos por turma, mais turmas e um maior horário de permanência na escola que não tem condições logísticas para os acolher com a tranquilidade e concentração necessária para realizarem os seus múltiplos afazeres profissionais, para além das aulas que leccionam. Porque o que está em causa - e curiosamente não encontrei essa preocupação na sua crónica - é a qualidade do ensino, isto é, os alunos.
Considera, a seguir, que o Ministro cumpriu o seu mais elementar dever, o de porfiar para os exames de um dia não tenham que ser adiados, para tanto transgredindo todas as leis, despachos e normas que regulam os exames. O Miguel, tal como o Ministro, deve pensar que vigiar os exames é como era antigamente - não é (informe-se). Mas o que me espantou foi que o Miguel, tal como o Ministro, considerasse que se pode atropelar e suspender o Estado de Direito em Portugal por forma a, ilegitimamente, impedir o direito à greve de um trabalhador. Ficou-lhe muito mal, e foi muito incoerente, o que lhe ficou ainda pior.
Finalmente - as suas crónicas são longas, esta minha carta também teria que o ser -, não lhe admito que ponha em causa o meu brio profissional; e muito menos lhe admito que queira comparar um professor que faz greve a um exame, QUE NÃO IMPEDE O ALUNO DE CONCLUIR O SEU ANO DE ESCOLARIDADE e simplesmente lhe provoca o incómodo - ou o benefício? - de ter mais uns dias para estudar para ele, a um cirurgião que abandonasse um 'doente já anestesiado pronto para a operação' ou um controlador de tráfego aéreo que fizesse greve 'quando tem um avião a fazer-se à pista'. A demagogia tem limites; a isso obriga a seriedade intelectual.
Portanto, sem ter adulterado, deturpado ou montado de qualquer jeito a sua crónica, deixei claro que, quando toca a professores e à Escola Pública, seriedade intelectual é o que lhe falta. Nessa exacta medida, não concedo um pingo de credibilidade ao que possa ter a dizer sobre nós e sobre ela. Mentes preconceituadas não me merecem qualquer respeito.
Mas os meus alunos, esses, merecem-me todo. Por isso, e por eles, farei greve aos exames no próximo dia 17.
Nota: Catarina Ivone escreve de acordo com a antiga ortografia.
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