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quinta-feira, 20 de junho de 2013

Saúde. Cortámos 150 milhões além do exigido pela troika




Cortes além do Memorando, estagnaçãoem cuidados primários e cuidados paliativos, bloqueio à entrada de inovação no país e taxas moderadoras falsas são alguns alertas do Observatório Português dos Sistemas de Saúde
O governo reduziu 710 milhões de euros o orçamento da Saúde de 2012, mais 160 milhões de euros do que seria necessário para cumprir o Memorando. Esta é uma das denúncias feitas no novo relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que será apresentado esta manhã em Lisboa.
Para o observatório, que aponta um corte de 550 milhões para cumprir as exigências da troika, citando a consultora PricewaterhouseCoopers & Associados, as metas orçamentais do governo em 2012 anteciparam cortes sem razão aparente, o que agrava as pressões sobre o bom funcionamento do sistema de saúde num "período socialmente crítico para o país".
O balanço das contas (ver páginas ao lado) sugere que os hospitais, que representam metade da despesa da saúde, continuam a operar para lá dos limites orçamentais. Além disso, algumas medidas do Memorando para o ano passado estão por cumprir. Mas o que se retira da análise do observatório é que a redução abrupta dos orçamentos contribui para constrangimentos no terreno que vão da falta de material essencial à desmotivação dos profissionais. O porquê e para quê de cortes violentos além do negociado é uma das perguntas deixadas, num relatório em que sobram interrogações. Se em alguns aspectos do Memorando são seguidas as orientações, como é o caso dos cortes no sector do medicamento, noutros onde há indicações reformistas assinadas com a troika há sinais de estagnação. É o caso da reformulação dos cuidados primários ou da criação da rede de cuidados paliativos, que o relatório conclui estar aquém do recomendado.
DUAS FACES Depois da polémica em torno do relatório do ano passado, intitulado "Um país em sofrimento" e alvo de críticas por parte da tutela - que acusou os investigadores de não resistirem à tendência especulativa do momento -, o novo relatório questiona a postura do Ministério da Saúde. O título deste ano, "Duas faces da saúde", encerra um reparo que percorre toda análise: o desfasamento entre a análise da tutela e do governo - "onde se afirma que as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo" - e a experiência real das pessoas, da qual o observatório destaca empobrecimento e desemprego crescente, redução de prestações sociais estabilizadoras e problemas de acesso e funcionamento nos cuidados. Os peritos alertam para o que entendem ser uma inversão dos papéis, em que é o OPSS a fazer o diagnóstico e a propor acções enquanto o governo critica o observatório.
Este ano o relatório contém referências a menos inquéritos no terreno - há apenas um trabalho feito em Lisboa junto do sector das farmácias e de utentes com doenças crónicas. Há depois referências a um estudo de satisfação nas USF e outro sobre saúde mental no Alto Minho. O observatório assinala que está em reformulação para ter núcleos investigacionais nas universidades e no terreno, mas renova sobretudo os apelos à tutela: "Ao fim de quatro anos nos quais o OPSS chamou a atenção para a relação entre crise e saúde através de relatórios detalhados - elaborados com recursos muito escassos -, não existe um diagnóstico oficial a partir do qual seja possível organizar no terreno uma resposta adequada aos efeitos da crise na saúde." Esta crítica insere-se noutra mais profunda, que o observatório já fazia em 2012: a diferença entre garantir a sustentabilidade financeira do SNS (trabalho que reconhece à tutela) - e garantir a sua sustentabilidade política, o que exige uma estratégia e investimento. Os peritos denunciam de novo sinais de uma agenda "não universalista", que definem como uma filosofia de serviço em que quem pode paga e quem não pode é "assistido" pelo Estado, plano em que há a desmotivação dos profissionais e a insatisfação da população.
O relatório não aprofunda o tema quente da edição do ano passado: racionamento implícito. Em 2012, os peritos apontaram situações concretas como atrasos na prescrição de fisioterapia, que indiciavam que a pressão financeira estaria a limitar decisões clínicas.
Problemas de acesso
Doentes crónicos Num inquérito feito em Abril junto de 1198 doentes crónicos com mais de 65 anos na região de Lisboa, concluiu-se que 30% (337) deixaram de usar recursos de saúde ou tratamentos por não poderem comportar os custos. Menos idas a médicos privados foram o efeito mais referido, mas também menos 25% de consultas com o médico de família ou no hospital, pelo aumentos de taxas moderadoras. Apesar de o preço dos remédios ter baixado, um em cada dez destes utentes (15%) diz estar a espaçar tomas de remédios para poupar. No estudo das farmácias, em que também se faz um balanço das dificuldades, mais de dois terços das 783 inquiridas indicaram dificuldades em adquirir remédios nos armazenistas.
Depressão dispara
Crise é um risco O observatório volta a lembrar que vários estudos internacionais relacionam períodos de crise e desemprego com aumento da incidência de problemas do foro mental. Na ausência de uma análise nacional, citam um estudo realizado na Unidade Local de Saúde do Alto Minho. Entre 2011 e 2011, os casos de depressão nesta unidade aumentaram 30%, de 8735 casos para 11 432.
As tentativas de suicídio dispararam 35% nos homens e 47% nas mulheres. A nível nacional, lembra o relatório, a aquisição de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou 7,6% em 2012.

Insatisfação e falta de material
Cuidados primários Neste relatório, o único inquérito a profissionais de saúde diz respeito às percepções dos coordenadores de unidade saúde familiar. O aumentoda insatisfação em relaçãoà postura da tutela perante a reforma dos cuidados primários é notório: no ano passado, 10,9% dos coordenadores estavam muito insatisfeitos e este ano a fatia dobra para 25,4%. Mais de um terço admite que em 2012 houve faltas de material básico mais de dez vezes. Apenas um em cada dez diz nunca ter tido falhas e só 5,9% estão satisfeitos. O relatório destaca que nunca abriram tão poucas USF como no primeiro semestre deste ano, apenas 12, quando há 80 candidaturas a este modelo, que garante cobertura total de médico de família aos utentes inscritos.
Cuidados paliativos fracos
Lacuna O observatório centra--se esta ano pela primeira vez no estado dos cuidados paliativos no país, que visam dar resposta a doentes em final de vida. Na ausência de um balanço oficial do ponto de situação desta rede, concluem que em Portugal existem nove a 14 equipas a prestar apoio paliativo domiciliário, o que dá um rácio de uma equipa por 750 mil a 1,1 milhões de habitantes. As recomenda-ções internacionais sugerem que devia haver uma equipa por cada 100 mil habitantes, portanto faltarão qualquer coisa como 90 equipas no país. Em termos de unidades de internamento, o observatório diz que os dados disponíveis não permitem dizer quantas camas existem. Deveriam ser 80 a 100 por milhão de habitantes.
Falsas taxas moderadoras
Co-pagamentos Uma crítica reiterada: o actual modelo de taxas moderadoras é na realidade um sistema de co--pagamentos, dado que são aplicadas em áreas em que não existe moderação, como é o caso de urgências ou exames prescritos por médicos. Lembram que a nível internacional as taxas são vistas como potenciadoras de dificuldades de acesso e que
a exigência de aumentos no Memorando, implementados em 2012, visou aumentar o financiamento da saúde, o que contraria o motivo com que foram criadas: serem um instrumento racionalizador do acesso indevido. Concluem que não existem dados sobre se estão a limitar o acesso, mas se a própria tutela diz que o papel financiador é residual (valem 1,7% do orçamento), deveria assumir a diferença entre taxas moderadoras e os casos em que são co--pagamentos, algo que a tutela nega existir.

SNS sem inovação
Alerta O observatório critica bloqueios administrativos à entrada de remédios inovadores no SNS, alerta que já tinha feito o ano passado, defendendo o avanço da avaliação de tecnologias de saúde para uma selecção mais criteriosa do que vale a pena financiar. Este modelo deve arrancar agora em dois meses, anunciou o Infarmed, facto que o observatório não refere. Apresenta contudo dados que corroboram a percepção de bloqueio. De Janeiro de 2011 a Fevereiro deste ano, 93% dos novos remédios aprovados pelo Infarmed eram genéricos (sem inovação). Em 2012 foram admitidas dez substâncias inovadoras nos tratamentos nos hospitais, menos três que em 2011. Este ano ainda não houve nenhuma aprovação.

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