Prédio dos CTT não valia 20 milhões
Os CTT não foram lesados no negócio do prédio que tinham em Coimbra, pois o imóvel, que venderam por 14,8 milhões de euros, em 2003, não valia os 20 milhões pelos quais a empresa compradora o revendeu, no mesmo dia. Esses 20 milhões só foram alcançados «no quadro de um negócio financeiro» entre privados, altamente especulativo, que os Correios nunca poderiam fazer – conclui o Tribunal de Coimbra, no acórdão proferido esta terça-feira, que absolveu Carlos Horta e Costa, ex-presidente dos CTT, o seu vice, Manuel Baptista, e Gonçalo Leónidas da Rocha, antigo administrador.O Tribunal concluiu que «não se apurou» que estes gestores tenham agido para «favorecerem ilegitimamente» os sócios da Demagre, também arguidos neste processo, ou «que tivessem lesado os interesses dos CTT».
«Os CTT venderam um edifício tal como ele se encontrava. No mesmo dia, o comprador [a Demagre] vendeu o mesmo edifício [à Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF)] no quadro de um negócio financeiro complexo que os CTT não poderiam fazer», explica-se no acórdão. Ora, a ESAF aceitou pagar os 20 milhões porque teve da Demagre «a garantia de o prédio encontrar-se plenamente arrendado pelo menos por um período de 10 anos e a gerar, no ano de 2003, um rendimento anual de pelo menos um milhão e 750 mil euros».
Negócio típico dos que causaram a crise do subprime
Ou seja, os 20 milhões foram calculados «de acordo com o rendimento que o edifício poderia gerar».
«A Demagre vendeu por um preço superior pois utilizou o edifício para uma operação financeira. Atribuíram ao edifício um valor convencionado entre as partes sem correspondência ao seu valor de mercado. Fechar os olhos a essa realidade seria desconhecer em absoluto toda a problemática do subprime que levou a Europa e o mundo à crise económica e financeira em que nos encontramos» – salientam os juízes. A propósito, invoca-se o testemunho de Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças na altura dos factos, que foi a julgamento dizer que tal negócio «seria impossível de concretizar pelos CTT», além de que nunca o autorizaria, «pois implicaria fazer uma operação eticamente reprovável».
Depoimento fundamental
Ferreira Leite foi, de resto, uma testemunha fundamental para a defesa e absolvição dos arguidos.
Não houve, por ouro lado, prova testemunhal nem documental de quaisquer contactos entre os gestores dos CTT e os sócios da Demagre, Júlio Macedo e Pedro Garcês, nem com os intermediários destes no negócio, o advogado Vítor Coelho da Silva e o empresário Carlos Godinho Simões – tendo também por isso caído por terra a tese de «conluio» da acusação do Ministério Público (MP), formulada pelo DIAP de Lisboa.
Pelo contrário, o tribunal concluiu que o prédio estava à venda desde 1999, já com dois terços da área desocupada, e que chegou a haver uma proposta de compra de um instituto público, que não se concretizou por mudanças no Governo de então, mas que também não ia além dos 15 milhões de euros. A opção por não se fazer uma nova avaliação, nem publicitar a venda no mercado, «foi dos serviços» e não do Conselho de Administração.
Os três ex-gestores dos CTT respondiam por crimes de participação económica em negócio (em que incorre o funcionário que não zela pelo interesse público e abusa dos seus poderes para tirar lucro, para si ou para terceiros) e administração danosa. Estavam em causa seis negócios e contratações – foram absolvidos em todos.
O MP questionava a venda de um outro imóvel dos Correios, em Lisboa, também em 2003 e a uma empresa dos mesmos sócios da Demagre, por 12,5 milhões de euros, quando tinha havido uma proposta de 14,5 milhões. O Tribunal concluiu que esta proposta não tinha credibilidade e que o facto de a escritura com a Demagre ter sido feita um dia antes de as Finanças autorizarem a venda foi devidamente esclarecida por Ferreira Leite. A ex-ministra garantiu que dera antes autorização verbal para se avançar, pois «havia pressão para vender rapidamente por necessidade de receitas para ajustar as contas públicas».
O Tribunal também não detectou crimes na contratação das consultoras Heidrick & Struggles (para seleccionar quadros, o que custou um milhão de euros por ano, de 2003 a 2005, preço considerado adequado para o mercado) e Roland Berger, que fez um projecto de um banco postal dos CTT, por 3,9 milhões, que foi recusado pelo Governo. No julgamento, Ferreira Leite garantiu que «não considera inútil» esse estudo: a questão devia ser ponderada, afirmou, pois sem banco postal não é possível privatizar os CTT, como actualmente se está a verificar.
Ex-vereador do PSD e empresários condenados
Os sócios da Demagre, Júlio Macedo e Paulo Garcês, acabaram condenados a dois anos e quatro meses de prisão (pena suspensa), por crimes de corrupção e branqueamento.
Isto porque ficou provado que, para assegurar que a Câmara de Coimbra renovaria o arrendamento de uma parte ocupada por serviços seus no prédio dos CTT, a Demagre pagou a Luís Vilar, então vereador do PSD, um total de 188 mil euros, entre 2003 e 2005. Em troca, este votou favoravelmente o contrato em sessão de Câmara. O dinheiro foi pago a uma empresa criada por Vilar para esse efeito e de «forma dissimulada», ao abrigo de um pretenso contrato de prestação de serviços. O ex-autarca teve a pena mais pesada: quatro anos de prisão (pena suspensa), proibição de exercício de cargos políticos durante esse período e entrega de 25 mil euros a instituições de solidariedade social.
Finalmente, Marcos Lagoa, ex-presidente da ESAF, foi condenado a 15 mil euros de multa e uma indemnização ao Estado de 20 mil euros, por fraude fiscal: recebeu da Demagre uma comissão de 50 mil euros, que não declarou nos impostos.
paula.azevedo@sol.pt
«Os CTT venderam um edifício tal como ele se encontrava. No mesmo dia, o comprador [a Demagre] vendeu o mesmo edifício [à Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF)] no quadro de um negócio financeiro complexo que os CTT não poderiam fazer», explica-se no acórdão. Ora, a ESAF aceitou pagar os 20 milhões porque teve da Demagre «a garantia de o prédio encontrar-se plenamente arrendado pelo menos por um período de 10 anos e a gerar, no ano de 2003, um rendimento anual de pelo menos um milhão e 750 mil euros».
Negócio típico dos que causaram a crise do subprime
Ou seja, os 20 milhões foram calculados «de acordo com o rendimento que o edifício poderia gerar».
«A Demagre vendeu por um preço superior pois utilizou o edifício para uma operação financeira. Atribuíram ao edifício um valor convencionado entre as partes sem correspondência ao seu valor de mercado. Fechar os olhos a essa realidade seria desconhecer em absoluto toda a problemática do subprime que levou a Europa e o mundo à crise económica e financeira em que nos encontramos» – salientam os juízes. A propósito, invoca-se o testemunho de Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças na altura dos factos, que foi a julgamento dizer que tal negócio «seria impossível de concretizar pelos CTT», além de que nunca o autorizaria, «pois implicaria fazer uma operação eticamente reprovável».
Depoimento fundamental
Ferreira Leite foi, de resto, uma testemunha fundamental para a defesa e absolvição dos arguidos.
Não houve, por ouro lado, prova testemunhal nem documental de quaisquer contactos entre os gestores dos CTT e os sócios da Demagre, Júlio Macedo e Pedro Garcês, nem com os intermediários destes no negócio, o advogado Vítor Coelho da Silva e o empresário Carlos Godinho Simões – tendo também por isso caído por terra a tese de «conluio» da acusação do Ministério Público (MP), formulada pelo DIAP de Lisboa.
Pelo contrário, o tribunal concluiu que o prédio estava à venda desde 1999, já com dois terços da área desocupada, e que chegou a haver uma proposta de compra de um instituto público, que não se concretizou por mudanças no Governo de então, mas que também não ia além dos 15 milhões de euros. A opção por não se fazer uma nova avaliação, nem publicitar a venda no mercado, «foi dos serviços» e não do Conselho de Administração.
Os três ex-gestores dos CTT respondiam por crimes de participação económica em negócio (em que incorre o funcionário que não zela pelo interesse público e abusa dos seus poderes para tirar lucro, para si ou para terceiros) e administração danosa. Estavam em causa seis negócios e contratações – foram absolvidos em todos.
O MP questionava a venda de um outro imóvel dos Correios, em Lisboa, também em 2003 e a uma empresa dos mesmos sócios da Demagre, por 12,5 milhões de euros, quando tinha havido uma proposta de 14,5 milhões. O Tribunal concluiu que esta proposta não tinha credibilidade e que o facto de a escritura com a Demagre ter sido feita um dia antes de as Finanças autorizarem a venda foi devidamente esclarecida por Ferreira Leite. A ex-ministra garantiu que dera antes autorização verbal para se avançar, pois «havia pressão para vender rapidamente por necessidade de receitas para ajustar as contas públicas».
O Tribunal também não detectou crimes na contratação das consultoras Heidrick & Struggles (para seleccionar quadros, o que custou um milhão de euros por ano, de 2003 a 2005, preço considerado adequado para o mercado) e Roland Berger, que fez um projecto de um banco postal dos CTT, por 3,9 milhões, que foi recusado pelo Governo. No julgamento, Ferreira Leite garantiu que «não considera inútil» esse estudo: a questão devia ser ponderada, afirmou, pois sem banco postal não é possível privatizar os CTT, como actualmente se está a verificar.
Ex-vereador do PSD e empresários condenados
Os sócios da Demagre, Júlio Macedo e Paulo Garcês, acabaram condenados a dois anos e quatro meses de prisão (pena suspensa), por crimes de corrupção e branqueamento.
Isto porque ficou provado que, para assegurar que a Câmara de Coimbra renovaria o arrendamento de uma parte ocupada por serviços seus no prédio dos CTT, a Demagre pagou a Luís Vilar, então vereador do PSD, um total de 188 mil euros, entre 2003 e 2005. Em troca, este votou favoravelmente o contrato em sessão de Câmara. O dinheiro foi pago a uma empresa criada por Vilar para esse efeito e de «forma dissimulada», ao abrigo de um pretenso contrato de prestação de serviços. O ex-autarca teve a pena mais pesada: quatro anos de prisão (pena suspensa), proibição de exercício de cargos políticos durante esse período e entrega de 25 mil euros a instituições de solidariedade social.
Finalmente, Marcos Lagoa, ex-presidente da ESAF, foi condenado a 15 mil euros de multa e uma indemnização ao Estado de 20 mil euros, por fraude fiscal: recebeu da Demagre uma comissão de 50 mil euros, que não declarou nos impostos.
paula.azevedo@sol.pt
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