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segunda-feira, 13 de maio de 2013



APARIÇÕES



Camarada Van Zeller, eis que chegamos ao bendito 13 de Maio. É verdade que ainda hoje sofremos a síndrome messiânica do rei desaparecido, aquele por quem esperamos e não volta, o salvador da pátria que, provavelmente, se ficou pelas terras do deserto a pastar escorpiões. Ainda assim, o nosso país é dado a aparecimentos. Pena que aprendamos tão pouco com eles. Lá para as minhas bandas, certo dia apareceu Nossa Senhora a pairar sobre uma oliveira. O Carlos Alberto, que a viu, tinha então onze anos e, se bem sei, desde esse dia tornou-se vidente. Morreu novo. O meu pai conta-me que chegou a ir em peregrinação ao local onde o Carlos Alberto viu aparecer uma luz radiante. Subiu aos telhados, esfregou os olhos, não viu nada do que toda a gente afiançava ver. A frustração foi tão grande que a minha avó levou-o em consulta. A uma vidente. Quando não vemos o que os outros vêem, devemos consultar videntes. Os oftalmologistas servem para tratar cataratas. Essa tal vidente não só curou o meu pai dos olhos, como também de terríveis males de olhado. São milagrosos, os banhos de argila na Nazaré, onde, lá está, um dia apareceu Nossa Senhora a D. Fuas Roupinho. A luz que apareceu na Asseiceira foi identificada como pertencendo ao espírito de Maria, mãe de Jesus, um espírito muito dado a mostrar-se pelas aldeias do meu país. Aparece sempre muito belo e luzidio. Não sei de aparições em que Nossa Senhora, seja ela da Nazaré, de Fátima ou da Asseiceira, se tenha mostrado esfarrapada, como provavelmente viveu e morreu. As santas, normalmente, choram lágrimas de sangue e emitem espantosos raios de luz. Nunca se peidam e, desconfio, nenhuma delas é menstruada. Isto chateia-me, gostava que as aparições tivessem o toque naturalista da poesia contemporânea. A minha avó também se referia muitas vezes à Santa da Ladeira do Pinheiro. Julgo que de vez em quando visitava-a para ser benzida. A Santa da Ladeira dava bons conselhos, embora não esteja provada a influência das suas capacidades mediúnicas na construção do jazigo milionário onde se encontra sepultada. Há uma relação estranha entre a capacidade de contactar com os mortos e a saúde das contas bancárias. Estou mesmo em crer que os mortos são um factor produtivo extraordinário no nosso país. O Ministro da Economia devia pôr os olhos nisto, visse ele alguma coisa. Ou então podia ir a Fátima a pé, acendia uma vela pelos portugueses, comia um pastel de nata, orava ao Senhor que concedesse a Gaspar o dom da mediunidade. O Gaspar devia ler os livros do Allan Kardec, todo o Governo devia fazer um estágio na Federação Espírita Brasileira para aprender como se metem os mortos a produzir quando dos vivos não podemos esperar mais do que um estado de espírito zombie, apático e indiferente. Tenho a certeza de que o Carlos Alberto, os três pastorinhos e a Santa da Ladeira têm muito a ensinar, com o seu exemplo, aos políticos portugueses. O povo seguiu-os, ouvia-os, respeitava-os. Se bem repararmos, figuras de Estado como Salazar ou mesmo Cavaco têm qualquer coisa de videntes. Por isso o povo os segue, os ama, os respeita e os escuta. Os devotos de Salazar, assim como os devotos de Cavaco, não olham para eles como políticos. Não vêem homens pragmáticos, vêem antes videntes, médiuns, espíritas, alguém que consegue falar com os mortos exercendo sobre os vivos o poder das aparições. Os célebres tabus de Cavaco equivalem aos segredos de Fátima, são revelações aparentemente banais capazes de nos distrair da realidade enquanto esta vai sendo ajustada às necessidades do consumo. Os políticos portugueses têm que assumir definitivamente uma outra atitude. Não pode ser só a Ministra da Agricultura a rezar para que chova, tem que ser o Passos Coelho a entrar em transe, a falar com Deus na demanda da salvação onde ela pode ser vislumbrada. Isto é, no mundo dos mortos. No mundo do António José Seguro.

Antologia do esquecimento

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