Etiquetas
HobsbawmO embaixador Cutileiro, num artigo publicado no Expresso há algumas semanas a propósito do falecimento de Eric Hobsbawm – o historiador não morreu – diz que este se teria “recusado condenar os crimes encomendados e comandados por Estaline quando sobre eles já não havia dúvidas”,acrescentando que aquele historiador teria, numa “televisão”, afirmado que havia explicação para os 15 ou 20 milhões de mortos.
Desconhece-se, quando, como e em que circunstâncias, este brilhante e honesto historiador, teria feito as supostas afirmações televisivas.
O que é verificável, de forma incontroversa, é o que Hobsbawm deixou escrito nas suas obras, designadamente na “ Era dos Extremos” para caracterizar, a pp. 382, a figura de Estaline, responsável primeiro, tanto pela vitória na guerra patriótica, determinante para a libertação europeia do nazi-fascismo, como “pelas grandes purgas dos anos 30 que, ao contrário de formas anteriores de terror, foram dirigidas contra o próprio partido”, acrescentando, mais adiante, que entre 1934 e 1939 “4 a 5 milhões de membros e funcionários do partido foram presos por motivos políticos; e quatrocentos a quinhentos mil foram executados…”.
Hobsbawm dá, ainda, como seguro que a partir dos fins dos anos 50 “os gulags se esvaziaram”, e que “nos anos 80 tinha (a URSS) uma proporção nitidamente menor dos seus habitantes na cadeia do que os EUA”.
Não obstante as constatações históricas referidas, Hobsbawm continuou fiel, do ponto de vista intelectual, à ideia comunista até ao fim dos seus dias. E este é o verdadeiro problema do embaixador Cutileiro: o facto de o historiador ter rejeitado ser membro do clube frequentado por Jorge Semprún, Wolfang Leonhard, Albert Camus, Ignazio Silone, Arthur Koesteler, Sakharov, Havel, ou, num campeonato mais pequenino, Zita Seabra.
Judt, no “Século XX esquecido”, diz que Hobsbawm, ao excluir-se de tal companhia, se provincianizou. Mas, não consegue desmentir que ele foi o historiador “que mais sabe e que melhor escreve”.
Veicular a ideia de que ser comunista “é um problema”, como faz Cutileiro e outros, é repetir expressões que Hitler, Franco, Mussolini e Salazar não desdenhariam. Ideias fundamentais do nazi-fascismo.
Para colorir a narrativa anticomunista pega-se nuns supostos “10 a 20 milhões de mortos do estalinismo”. Há alguma destas “fontes científicas” que vão ao ponto de incluir nesta conspurcada contabilidade os combatentes russos caídos na segunda guerra mundial! Estamos conversados sobre o rigor e honestidade de tal propaganda.
Aliás, sem qualquer intenção de branqueamento, dizer que o rigor obriga a constatar que, entre os historiadores de vários matizes, desde que sejam intelectuais honestos, o que mais se encontra são dúvidas e incertezas sobre estes números. O que não significa que não tenham existido erros, desvios, autoritarismo, dogmatização, centralismo burocrático, sectarismo, e, também, crimes políticos condenáveis no regime de Estaline
Mas, não é necessário ser negacionista para se continuar comunista e partidário da convicção de que o socialismo é o futuro. Ou, pelo menos, ter consciência de que o capitalismo, na sua deriva neoliberal, imperialista e securitária, está cada vez mais violento neste fim de ciclo. Veremos até onde se vai chegar.
Pessoas como Cutileiro, fundamentalistas da “liberdade” do capitalismo e do império, não renegam o regime apesar de conhecerem muito bem os seus múltiplos e variados crimes, como os perpetrados no Chile, no Vietname, na Coreia, na Palestina, no Iraque, para não falar já do mccarthismo, dos prisioneiros de Guantânamo ou do “internamento” de japoneses, feito nos EUA há algumas décadas. Ou, ainda, do suporte dado a muitos e variados ditadores. E das bombas atómicas já lançadas sobre o povo japonês, bombas que os cutileiros de hoje aceitam, justificam e recomendam utilizar de novo no Irão e na Coreia.
Não estamos um concurso de ética e moral. O campeonato é outro e ainda só vai a meio. Trata-se de combater a agiotagem, o crime organizado e a exploração da vida e do trabalho humano e do próprio planeta, e preparar a sua substituição por um outro sistema de vida e outras formas de produção e de consumo.
Embora se reconheça que, do ponto de vista da ética, do escrúpulo democrático e, ainda, na perspetiva dos valores fundamentais da humanidade, os homens e mulheres da esquerda consequente, têm mais obrigações do que os partidários da “liberdade” neoliberal.
E é por isso que tanto se fala no estalinismo. Na esperança, vã, que os comunistas, socialistas e a esquerda patriótica, desistam da sua luta.
Nota: Publicado no Sem Mais em 6 de Abril 2013

Praça do Bocage