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2013-04-23 22.21.46O presidente da república, o governo e a troika tentaram aqui há dias, quase em desespero, envolver o PS nas negociações com vista à aplicação de mais medidas de austeridade. Ou seja, tentam entalar um partido que, embora na oposição, é considerado membro do clube do “arco do poder”.
Até Cavaco Silva quebrou uma das suas regras fundamentais: nunca falar de política interna nas suas viagens internacionais. Veja-se onde chegou a desagregação.
Dizem os do governo que os novos agravos à economia e ao tecido social impõe-se porque o Tribunal Constitucional chumbou as medidas que, repare-se, não podia deixar de vetar, já que são, exatamente, inconstitucionais.
E nem foram os juízes tão fundo como poderiam e deveriam ter ido. É a ex-ministra Ferreira Leite que o diz. A CES – Contribuição Extraordinária de Solidariedade, por exemplo, ainda passou desta vez. E o governo bem pode agradecer isso à inoportuna intervenção pública de Filipe Pinhal.
Do PS, dizem-se surpreendidos com o convite e que não há nada de novo porque, acrescentou Seguro, “não estão de acordo com a política do governo”. Ou seja, não viabilizam as novas medidas antissociais e antieconómicas, nem apoiarão soluções governativas que não tenham alicerce na legitimidade democrática.
Não é de subestimar esta posição socialista.
Mas, pergunta-se: e quanto à enorme quantidade de medidas gravosas que vêm de trás? Continuará o PS em sintonia com a maioria delas para “honrar os compromissos”? É que, se assim for, se a via que o PS propõe passa por pagar toda a dívida, nomeadamente a parte que corresponde ao colossal inchaço devido a juros usurários, então, a diferença para o projeto neoliberal de liquidação de Portugal, seria pequena. Não basta rever prazos e maturidades porque, de facto, é impossível pagar tudo o que os prestamistas internacionais querem impor.
É vital para a democracia e para o desenvolvimento português que o PS se decida e se redefina: têm que, preto no branco, mostrar que abandonam de vez o arco da velha governação, e deixem de continuar presos aos princípios de uma terceira via inventada pelos sociais-democratas para travestirem de socialismo o neoliberalismo de Thatcher e Reagan.
É necessário esclarecer que não será com a repetição dos lugares comuns do disco da requentada política europeia dos três vintes que se irá longe.
Claro que é importante praticar a eficiência energética, a reabilitação urbana, a qualificação profissional de que tanto fala Seguro através da cábula de Zorrinho. Mas, não será repetindo essas e outras fórmulas do politiquês modernaço, que se resolverão as questões de fundo.
É necessário ir ao núcleo duro das questões sociais, económicas e financeiras: salário mínimo adequado, horários de trabalho equilibrados, pensões e reformas dignas, definir dívida pública ilegítima (juros usurários), combate à precariedade e ao desemprego, redistribuição civilizada do rendimento nacional (política fiscal), nacionalização faseada das empresas de setores económicos e financeiros vitais para os interesses coletivos, regulação da banca comercial e de investimento, combate à fuga de capitais, valoração monetária adequada ao nível económico do país, revigorar o serviço nacional de saúde, reforçar o sistema de educação pública, garantir a eficácia e independência da justiça, estabelecer uma política energética racional de interesse público e estabelecer as bases da organização democrática da administração pública central, regional e local.
A possibilidade de haver uma alternativa de esquerda à política que tem vindo a destruir Portugal e os portugueses, dependerá da possibilidade de se poder estabelecer um acordo de atuação sobre estas questões concretas. O que não significa que tenha que haver um contrato pré-eleitoral, e que se tenha que fazer tudo de forma imediata e simultânea.
Os partidos que não são do referido “arco do poder” têm a obrigação patriótica de lutar por essa alternativa porque o povo trabalhador (explorado, desempregado ou reformado) não aguenta mais.
Sondagens recentes dizem que o PCP, o PEV e o Bloco de Esquerda, já valem, do ponto de vista eleitoral, cerca de 21%, podendo aumentar.
Mas, não seria sério exigir que estes partidos, em particular o PCP, que tem um projeto de médio e longo prazo bem estruturado (Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no Futuro de Portugal), se prestassem a um qualquer acordo com o PS.
Se o fizessem acabaria por ser mau para o país e para os trabalhadores, desempregados e pensionistas.
Não consta que as questões concretas já referidas sejam incompatíveis com o programa e ideário do PS, que, aliás, ainda continua a ter como hino A Internacional.
Não existem quais razões sérias, no plano daquilo que o PCP e o PS defendem quanto aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, que possam ser invocadas para impedir acordos pós-eleitorais de incidência governativa.
Só falta que este importante partido socialista português abandone as fórmulas da velha governação.
Nota: O presente artigo teve uma primeira edição no jornal Sem Mais de 20 de abril

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