O AbrilAbril entrevistou Ruben de Carvalho, da direcção da Festa do Avante! e com um vasto percurso na área da cultura musical, para nos falar do programa cultural da Festa do Avante! e das expectativas para a 40.ª Festa que está aí à porta.
Ruben de Carvalho tem um longo percurso em várias áreas, nomeadamente ligadas à cultura e à política. É jornalista desde 1963 e autor de diversas publicações no domínio do Fado, bem como noutros universos da Música Popular, de programas de rádio (por exemplo Crónicas da Idade Mídia), e diversos artigos neste âmbito em jornais e revistas.
Foi chefe de redacção de Vida Mundial, redactor coordenador n'O Século e chefe de redacção do semanário Avante!, órgão central do PCP, a partir do primeiro número da série legal, director da rádio local Telefonia de Lisboa, membro do Conselho de Opinião da RTP, em 2002, e responsável pelo Avante!, de Abril de 1974 a Junho de 1995.
Foi membro do executivo da Comissão Democrática Eleitoral de Lisboa, membro executivo da Comissão Executiva das Festas de Lisboa e da Comissão Municipal de Preparação de LISBOA 94 – Capital Europeia da Cultura, deputado à Assembleia da República eleito pelo distrito de Setúbal e membro do Executivo da Comissão Organizadora da Festa do Avante! desde 1976.
Além de membro do Comité Central do Partido Comunista Português, foi também vereador da Câmara Municipal de Lisboa desde as autárquicas de 2005 e responsável nesta autarquia pelo Roteiro do Anti-fascismo.
O AbrilAbril falou com ele, em particular sobre a Festa do Avante! que decorre já nos próximos dias 2,3 e 4 de Setembro, e mais especificamente sobre o programa cultural, desta e de outras Festas, no ano em que se celebra a 40.ª Festa do Avante!, e no contexto em que Ruben de Carvalho está envolvido na organização do seu programa cultural desde a primeira, em 1976, na FIL.
«Chegámos à conclusão que ao longo destes anos já passaram pela Festa do Avante!, entre nacionais e estrangeiros, com uma clara predominância de artistas portugueses, 20 a 30 mil artistas...»
São 40 Festas do Avante!. Foram muitos os programas culturais e os artistas a passar pela Festa. O que mais destaca destes anos?
Sobretudo a diversidade. Se fizermos contas, apesar da importância das Festas não se medirem a metro, o que tu tens são 40 anos, e falando apenas em dois palcos – o 25 de Abril e o 1.º de Maio – tens normalmente 34, 36, 37 espectáculos por Festa. Portanto, se para simplificar considerarmos 35 vezes 40, são 1400 espectáculos. Agora, se considerares que são raros os grupos apenas com um .elemento, e fizeres a média de três, já multiplicamos isso por três. Depois acrescenta a isto os outros palcos – Palco Novos Valores, Arraial, o teatro, etc . – e grupos com pessoas como as orquestras, que podem ter 90 elementos. Em contas que fizemos noutro dia, por brincadeira, chegámos à conclusão que ao longo destes anos já passaram pela Festa do Avante!, entre nacionais e estrangeiros, com uma clara predominância de artistas portugueses, 20 a 30 mil artistas...o que quer dizer qualquer coisa. Esta dimensão é acompanhada com uma grande variedade.
Como se consegue num programa cultural agradar a tantos tipos de público, como acontece na Festa do Avante!?
Isso é, passo lá a presunção, trabalho de organização e de concepção. Demora um ano inteiro a organizar a Festa, a estar atento ao que as pessoas ouvem, a consultar as publicações, a ouvir a rádio, a ouvir opiniões, a pedir opiniões, a ouvir sugestões e a ter em conta as sugestões. Nós este ano ouvimos 400 propostas que nos foram feitas, e ouvimos tudo, onde encontrámos a maior diversidade possível. É para nós motivo de orgulho que os grupos e os artistas considerem um motivo de valorização virem à Festa do Avante!, o que significa que os próprios consideram que o critério de selecção, de programação da Festa do Avante! é um critério de qualidade, de rigor e de resposta favorável por parte do público.
O que destaca do programa cultural da 40.ª Festa do Avante!?
Não é fácil, até porque foi dos mais difíceis de fazer. Acho que, por exemplo, o concerto de sexta-feira foi talvez o mais difícil de conceber. Por exemplo, tu resolveste fazer um concerto em que assinalaste o aniversário da estreia da Sagração da Primavera de Stravinsky, pronto, tá feito. Do ponto de vista do trabalho, dá o trabalho de fazer, de optar, de ter a ideia, e está feito, está arrumado. Agora, num momento em que tu querias que se celebrassem os 40 anos, encontrar um programa suficientemente variado, mas com as características de qualidade que respondessem a essa exigências, é mais difícil. Terás de tudo – tens estreias em Portugal, há peças que vão ser tocadas na sexta- feira que eu penso que nunca foram tocadas em Portugal. Depois, tens também uma presença que não é comum, que é a do flamenco. Só tivemos curiosamente em 40 anos, tirando um grupo português, de resto muito bom, os Ciganos d'Ouro, de flamenco andaluz só tivemos um grupo há muitos anos, 30 e tal anos. E este homem – Juan Pinilla – ganhou um concurso do estilo de flamenco (concurso internacional Minas de La Unión, com o prémio Lámpara Mineira, considerado o mais importante no mundo do flamenco), que de certa forma está mais ligado à classe operária, com os mineiros, que são as canções flamencas ligadas ao trabalho nas minas, no sul de Andaluzia. Incide de facto na variedade. Desde o Paulo de Carvalho com os Xutos e Pontapés, até à componente lusófona, que me parece particularmente importante, e grupos novos, porque em 40 anos muita coisa mudou, muita coisa nova apareceu, muita coisa desapareceu. E, por exemplo, há vários anos que não havia tantos grupos que vêm pela primeira vez à Festa, e isto foi tanto mais significativo, quanto não foi um ano particularmente produtivo do ponto de vista da música popular portuguesa – e às vezes nos cartazes de alguns festivais de Verão, para ver um grupo português é preciso «andar com uma lanterna». De forma que eu destacaria esses aspectos de variedade. Depois coisas que mudaram ao longo destes 40 anos, a qualidade que adquiriu e que criaram alguns sectores, como por exemplo o fado. Sempre houve fado na Festa do Avante!, contra aquilo que as pessoas pensam, na primeira Festa na FIL houve um restaurante de fado. Hoje, do ponto de vista local apareceram grandíssimos interpretes, homens e mulheres de fado, e do ponto de vista musical, instrumental, por exemplo, o que se passa com os guitarristas, com a viola, é um caso de gente verdadeiramente genial.
«Terás de tudo – tens estreias em Portugal, há peças que vão ser tocadas na sexta-feira que eu penso que nunca foram tocadas em Portugal»
Este ano há um novo espaço, a Quinta do Cabo. Na sua perspectiva, o que pode trazer de novo à Festa?
Isso vai ter que se ver com o tempo, não é de um dia para o outro. Mas desde logo trará algumas coisas que não havia, porque não existia espaço, ou este era muito reduzido, como por exemplo no caso dos espaços para crianças. Mas principalmente, e acho que isso o futuro acentuará, trará mais conforto, mais bem-estar, melhores condições de funcionamento da Festa, melhores condições de trabalho, toda uma série de melhores condições de armazenamento. Enfim, isto crescia, crescia, crescia, e no fim já não se sabia onde pôr a casa e por isso impunha-se, de facto… ou se dava uma grande volta nisto que era um «bico d'obra» muito complicado.
Hoje existem vários Festivais que adquiriram alguns elementos já usados há muitos anos na Festa do Avante!. Podemos dizer de alguma forma que a Festa do Avante! foi um modelo seguido, pela sua diversidade?
Não tenho dúvidas nenhumas. E o caso mais evidente é o do Rock in Rio. A primeira versão do Rock in Rio é a Festa do Avante! passada a papel químico. Na distribuição de palcos, nos equipamentos ...a grande diferença que há, é evidentemente, a meu ver, uma diferença no critério de qualidade. Faz sentido na própria existência, nós somos os primeiros. Não fomos rigorosamente, porque se fez o Vilar de Mouros uns anos antes, mas a partir de 1976, fomos os primeiros, e numa altura em que não havia o mínimo de condições em Portugal para fazer um festival com estas dimensões. Para fazermos a Festa na Ajuda tivemos que ir buscar equipamento a Inglaterra, não havia cá equipamento para o palco, luzes e som. Só em 1989 é que fizemos pela primeira vez o palco 25 de Abril com companhias portuguesas. E juntámo-las todas – quatro companhias. Por nossa iniciativa deu-se a circunstância – elas tinham-se reequipado, as exigências eram compatíveis e nós propusemos que se juntassem todas e fizessem.
«Nós este ano ouvimos 400 propostas que nos foram feitas, e ouvimos tudo, onde encontrámos a maior diversidade possível. É para nós motivo de orgulho que os grupos e os artistas considerem um motivo de valorização virem à Festa do Avante!»
A Festa têm vários espaços e iniciativas características da cultura portuguesa, como provavelmente nenhum festival tem. Foi uma adaptação natural às aspirações dos visitantes e construtores da Festa?
Eu julgo que esse é dos aspectos que eu diria mais positivos no panorama dos festivais em Portugal. Porque nós somos o único caso, em rigor, onde tens expressões de música popular tradicional, de rock, de jazz, de música clássica, etc. Mas no entanto, é preciso dizer que tens em Portugal uma grande oferta de espectáculos. Os de grande dimensão são de uma forma geral à volta do pop rock, mas depois tens espectáculos com muito interesse e culturalmente valiosos do ponto de vista de defesa do património e de divulgação do património. A Festa do Avante! acaba por ser um bocadinho a âncora desta coisa toda, até porque muitas coisas de organização dos festivais portugueses são feitas como um impresso da Festa do Avante!. Até impressos de mapas de vias, mapas de transportes, há muitos festivais que usam os nossos, que nós criámos. Face aos problemas inventámo-los!
Pessoalmente, nos vários anos de "Festas", qual o momento que mais destaca?
Digamos que há grandes espectáculos. Há um conjunto de grandes espectáculos e é um bocado dificil estar a dizer se uns foram melhores que outros… Mas houve um espectáculo que para nós teve um significado, um peso muito importante, que foi o primeiro concerto de música sinfónica, o concerto do Tchaikovsky, que foi o primeiro...foi uma aventura...quando aquilo chega ao fim e vemos o público todo de pé aos gritos, num reboliço, e nunca mais acabava, e encores… Foi um risco grande, diga-se, nós nunca tinhamos feito. E com aquelas características foi a primeira vez que se fez em Portugal. Também tivemos que mandar vir microfones de Inglaterra – hoje as técnicas já são diferentes, mas neste primeiro espectáculo, todos os microfones foram micados, o técnico de som que veio era inglês. E, digamos, a amplificação é uma amplificação de características diferentes, a munição também tem características completamente diferentes, e evidentemente foi um risco muito grande. Nós fizemos o espectáculo com um coro espanhol e uma orquestra portuguesa, e é uma coisa que para nós é um motivo de orgulho. Quando fizemos o primeiro concerto, a orquestra tinha doze músicos portugueses, e o resto eram estrangeiros, no ano passado tinha 12 músicos estrangeiros e o resto eram portugueses.
Que banda gostaria de ter trazido à Festa, que ainda não tenha conseguido?
Digo Bruce Springsteen, sem gaguejar nada! Com a «E Street Band». O agente do Springsteen, aqui há 20 anos talvez, quando o viu pela primeira vez, ainda era muito novo, disse a frase que ficou célebre: «O rock and rolltem futuro e eu vi-o, chama-se Bruce Springsteen». E eu disse: onde é que assino? Assino por baixo! Seria um espectáculo digno da Festa. Ainda não desisti. As coisas também não se têm proporcionado por desconhecimento. Se conseguisse sentar-me na sala do Springsteen e projectar-lhe um filme da Festa do Avante!, eu garanto que trazia o Springsteen! Depois se conseguia por toda a gente na Festa, isso é um problema que me inquieta, mas logo se via como se resolvia o problema! (risos)
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