Eles se saudavam dizendo “hog”, não “augh”; não possuíam cavalos, não arrancavam escalpos, não eram vermelhos. A verdade sobre um mundo romanceado no cinema, nas fotos extraordinárias de Edward S. Curtis
Por: Luis Pellegrini
Fotos: Edward S. Curtis
Poucos conhecem a história de Edward S. Curtis, o legendário fotógrafo que dedicou sua vida (1868-1952) aos índios da América do Norte. Entre o final do século 19 e o início do século 20, Curtis atravessou os vastos territórios dos Estados Unidos e do Canadá para conhecer as populações indígenas americanas, gravar suas vozes e cantos, contar suas histórias e, sobretudo, gravar na película fotográfica seus rostos e retratos. Em 25 anos de trabalho intenso e viagens incessantes ele conseguiu reunir o maior acervo de imagens do mundo sobre os peles vermelhas. Calcula-se que tirou entre 30 e 60 mil fotografias, embora apenas 2.200 tenham chegado até nós.
Esse material fotográfico, apesar do tempo e dos recursos técnicos não muito desenvolvidos naquela época, nos revela um mundo extraordinário de figuras de chefes tribais, homens de medicina, guerreiros, caçadores. Sobretudo, existe um ponto em comum em quase todos esses rostos indígenas que Curtis preservou para a posteridade: sua extraordinária dignidade. São vultos severos, embora serenos. São homens e mulheres nos quais se adivinha uma grande força vital, segurança, nobreza e confiança em si mesmos. Filhos da Terra, homens e mulheres na verdadeira acepção da palavra.
A vasta obra de Curtis está reunida numa “enciclopédia” de vingte volumes. Trata-se de um texto fundamental para quem deseja conhecer verdadeiramente os indígenas norte-americanos, para além dos lugares comuns que nos foram passados pelos filmes de cowboy e as histórias em quadrinhos. Nesses volumes podemos descobrir se os peles vermelhas realmente colecionavam escalpos, eram praticantes de danças para chamar a chuva, ou eram caçadores de baleias. Basta deter o olhar diante das imagens que ele produziu, e as respostas afloram, naturalmente.
Lugares comuns a serem eliminados
Hog. Os índios se saudavam com o grito “hog”, com h áspero, que os ingleses transcreveram como “haug”e os latinos, errando, pronunciam e escrevem “augh”.
Bastão de golpes. Servia para eliminar os inimigos em combate corpo a corpo, sem necessidade de usar armas perfurantes.
Grande chefe. À parte figuras carismáticas como Cavalo Louco, de caráter irredutível, ou o diplomático Nuvem Vermelha, ambos surgidos da necessidade de unirem-se contra os brancos, não existiam verdadeiros chefes entre os índios norte-americanos. Existiam “expertos”, autoridades nessa ou naquela atividade. Por exemplo, especialistas nas artes da guerra (geralmente homens nascidos sob o signo do urso), expertos em encontrar fontes de água, chefes da caça, chefes da construção de acampamentos, homens de medicina, e por aí em diante. Todas as decisões importantes eram tomadas pelos conselhos tribais. O chefe não era entendido como p[ara nós, ocidentais. Ele era um simples porta-voz ou o encarregado de desempenhar determinada missão pelo conselho. Considera-se que a Constituição dos Estados Unidos tenha seu ponto de partida exatamente nos padrões da democracia dos iroqueses.
O totem. Grande mastro esculpido, com funções mágicas e ritualísticas, eram usados apenas pelas tribos do noroeste americano, sobretudo as da costa do Pacífico do Canadá. Não tinham nada a ver com os prisioneiros, mas sim, serviam para mostrar as efígies dos animais protetores dos antepassados que deram origem à tribo.
Pele vermelha. Os índios não eram vermelhos. Para se proteger do sol algumas tribos costumavam passar terra sobre a pela, e isso dava a eles uma tonalidade avermelhada. A cor da pele dos índios norte-americanos é a mesma dos seus antepassados longínquos que vieram da Ásia, aparentados aos modernos chineses, mongóis, japoneses e coreanos.
Cachimbo da paz. Numa das suas extremidades havia um pequeno machado verdadeiro, signo de equilíbrio entre dois opostos, a paz e a guerra. O cachimbo servia para proporcionar ao grupo um estado de espírito comum, harmonizado, e era entendido como um canal; para a comunicação com os espíritos e divindades.
Escalpo. Um trunfo de péssimo gosto, consistia na parte superior do couro cabeludo de um inimigo morto em combate. Foi inventado pelos franceses e ingleses que ofereciam um prêmio para cada indígena morto, e exigiam uma prova corporal de que esse índio tinha sido realmente eliminado. Em época tardia, começou a ser adotado também pela resistência indígena.
Sinais de fumaça. Eram realmente usados para a comunicação à distância. Mas os índios norte-americanos possuíam cerca de 1.100 línguas e dialetos diferentes, a tal ponto que foi necessário inventar-se uma complexa linguagem gestual para membros de tribos diversas pudessem se comunicar. Os cherokee inventaram um alfabeto com 68 signos fonéticos, talvez o últimos a surgir em época moderna. Em 1828 surgiu o primeiro jornal escrito em língua indígena, o Cherokee Phoenix, dedicado à sua causa.
Tipí. Era a cabana típica, cônica, feita de couro de búfalo. Mas apenas os indígenas da planície a usavam, por sua facilidade de montar, desmontar e transportar. Os indígenas do sul eram sedentários e moravam em casas de pedra. Os do norte habitavam em cabanas de madeira.
Velhos sábios. Eles realmente existiam, eram muito respeitados e geralmente faziam parte dos conselhos tribais. Mas as sociedades indígenas não eram assistencialistas: os velhos, embora muito escutados, tornavam-se um peso quando deixavam de ser autossuficientes. Nesse ponto, a maior parte abandonava discretamente o grupo, para morrer sozinhos na vastidão da pradaria ou da floresta.
Galeria
1 Uma patrulha armada dos sioux (1908)
Antes da chegada dos europeus, as diferentes tribos podiam entrar em conflito, mas elas não tinham uma política expansionista. Os conflitos se reduziam em geral a lutas esporádicas, quase sempre por razões territoriais e ritualísticas. Haviam inimizades históricas e tradicionais, como as que existiam entre os sioux e os pawnee. Os jovens, quase sempre sem motivos sérios, faziam incursões “iniciáticas” às quais se seguiam represálias.
Mas haviam alguns mecanismos para controlar a agressividade: encontrar um inimigo do seu próprio signo animal provocava a anulação do combate. A fraternidade mágica e espiritual era mais importante do que qualquer rivalidade tribal. Por outro lado, matar alguém, mesmo um inimigo em combate, não era isento de consequências. Isso obrigava o vencedor a longos e trabalhosos rituais de purificação: preferia-se, assim, ferir o inimigo, muito mais que mata-lo.
2 Dois assovios, da tribo apsaroke. Era importante caçador de cavalos selvagens. Ferido, foi curado pela medicina xamânica com o uso de um falcão. Desde então, ele usou um falcão empalhado no alto da cabeça, em sinal de agradecimento.
Quando conheceram os brancos, os índios norte-americanos viviam o apogeu da sua civilização. Esse nível foi atingido inclusive graças ao cavalo, que contribuiu para o seu desenvolvimento, reduzindo as distâncias e o cansaço, facilitando a caça e a defesa.
Os cavalos selvagens norte-americanos, no entanto, estavam extintos há milênios. Esses animais foram reintroduzidos involuntariamente pelos espanhóis sediados no México. Foi em 1600 quandouma pequena manada de cavalos fugiram de um forte espanhol. Soltos na natureza, os animais retornaram à vida selvagem nas planícies norte-americanas, dando origem à raça mustang. Ao redor do ano 1700, os indígenas aprenderam a aprisiona-los e a domestica-los. Inventaram inclusive um estilo próprio de cavalgar.
Quando os brancos chegaram à América do Norte, existiam cerca de 20 milhões de índios no território. Em tempo relativamente breve eles foram reduzidos a 2 milhões, devido a guerras, carestias e epidemias de doenças trazidas pelos europeus.
3 Barriga de urso. Os índios quase sempre tinham nomes de animais, ou ligados a animais. Mas o animal tutelar de um indivíduo podia mudar ao longo da vida.
Barriga de Urso, retratado nesta foto, contou a Curtis como conseguiu seu nome e também a pele de urso que usava: “Subi num rochedo. Lá embaixo, avistei três ursos. Esperei até que o segundo estivesse junto ao primeiro e disparei minha arma. O urso mais distante caiu, a bala atravessara o corpo do primeiro para se alojar no crânio do segundo. O primeiro, apesar de ferido, investiu contra mim, e eu disparei novamente, rompendo-lhe a espinha dorsal. Um ruído me fez lembrar do terceiro urso: ele corria rosnando e estava a apenas 6 passos de mim. Quando disparei, o cano do fuzil tocava o seu peito, e o matei. Aquele com a espinha quebrada se arrastava ainda. Eu me aproximei e lhe disse: ‘Vim para te encontrar, meu caro amigo, para te manter sempre comigo’. E atirei nele mais uma vez”.
4 Grande Chefe Três Cavalos. Fotografado ao redor de 1905.
5 Índio da tribo Piegan. Neste retrato o homem aparece segurando um cachimbo da paz, adornado com peles de arminho, plumas de ave de rapina, garras de urso marrom e ossos de cervo.
6 Menino da tribo Nariz Furado. Conhecidos também pelo nome francês de Nez Percé. Viviam onde hoje se encontra o Estado de Idaho, nutrindo-se sobretudo de caça e pesca, e se dedicando à criação de cavalos.
7 Garota da tribo Nespelem. Esse povo indígena habitava no extremo oeste do território.
8 Nuvem Vermelha, o diplomata. Ficou famoso pela erudição e a clareza e lógica dos seus argumentos, nos encontros diplomáticos com os brancos para se chegar a um entendimento.
9 Homem comum. Nem todos os indivíduos eram guerreiros. Os especialistas nas artes da guerra eram em geral os nascidos sob o signo do urso. Mas todos, nas tribos, tinham alguma função. E não se considerava que uma função era melhor que a outra. Todas eram necessárias.
10 Metralhadora a cavalo. Um índio apsaroke com arco e flecha, outras duas flechas ja prontas na mão e uma na boca. Os apsaroke, também conhecidos como Crow, pertenciam ao grupo linguístico dos Sioux e viviam nas planícies de Montana e de Dakota do Sul.
11 Gerônimo, o apache. Contou a Curtis que o Grande Espírito lhe dissera: “Nenhum fuzil dos brancos conseguirá te matar”. Gerônimo foi um chefe de guerra legendário. Foto de 1905.
12 Índios nômades. A imagem de índios que levam uma vida nômade, à caça de bisões – a principal fonte do seu sustento – é correta, mas apenas para aqueles que vivem nas planícies centrais da América do Norte. Entre os Sioux, os Cheyenne, Pés Pretos, Arapahós.
Os peles vermelhas, com efeito, possuíam economias de diversos tipos. Por exemplo, os Makah do noroeste (foto acima) era um baleeiro, capaz de manejar arpões e embarcações, e se dedicavam à pesca para sobreviver. Os Navajo, no sul dos atuais Estados Unidos, eram seminômades que criavam carneiros e eram conhecidos por viverem também de furtos praticados contra outras tribos. Os Apache também eram predadores.
Os Pueblo, por seu lado, que ocupavam os territórios até o México, eram agricultores sedentários, com grandes conhecimentos de métodos de irrigação: cultivavam milho e abóboras e trabalhavam joias e objetos de prata.
13 Águia Negra (nascido em 1834). Guerreiro desde os 13 anos de idade, carregava sempre consigo uma asa de águia, o seu animal tutelar. Confessou a Curtis nunca ter sido um herói. Em toda a sua vida capturara apenas 6 cavalos.
14 Águia negra, da tribo dos Nariz Furado. Mais conhecidos pelo seu nome francês, Nez Percé, viviam em cabanas de madeira.
15 Navajo idoso. Quando percebiam que tinham se tornado um peso para o resto da tribo, os velhos e velhas decidiam abandonar sozinhos o grupo e se retiravam na imensidão da planície ou nas florestas para morrer.
16 Indígena Arapahó fumando um cachimbo normal (1910). Un indiano Arapaho fuma una pipa normale (foto del 1910, circa). O cachimbo da paz, que possuía um pequeno machado em uma das extremidades, era usado durante rituais.
17 Indígena da tribo Piegan. A palavra totem (originalmente ototeman) é a única que todas as línguas europeias herdaram do idioma indígena americano.
18 Três chefes batedores da tribo Piegan. Eram índios das planícies e viviam ao longo do rio Bow.
19 Aldeia Piegan. As tendas tipí eram as moradas típicas dos indígenas das planícies.
20 Dois Nakoaktok. Vestidos com costumes tradicionais, durante uma dança tribal. Os Nakoaktok viviam na costa ocidental do moderno Canadá.
21 Homem da tribo Apache Jicarilla. O termo deriva da palavra espanhola que significa “pequena caneca”, e se referia às copas para beber tecidas em espiral usadas por esse povo Apache.
22 Beleza indígena. Trata-se de uma jovem da tribo Mohave.
23 Guerreiros Cheyenne. Viviam nas planícies centrais, e sua língua pertence ao grupo Algonquin.
http://www.brasil247.com/
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/176228/Peles-vermelhas-O-verdadeiro-rosto-dos-ind%C3%ADgenas-norte-americanos.htm
ilikechopim.blogspot.pt
Carta do Chefe Seattle
A Carta do chefe Seattle, um manifesto de compreensão e de amor à natureza, aos animais, aos seres humanos e ao ambiente planetário.
O discurso foi proferido em onze de março de 1854 pelo chefe das tribos indígenas pele vermelha Suquamish e Duwamish em uma grande reunião ao ar livre, em Seattle, estado de Washington.
A reunião havia sido convocada pelo governador Isaac Ingalls Stevens para discutir a entrega ou venda da terra natal dos índios para os colonos brancos. Doc Maynard apresentou o governador Stevens, que explicou brevemente a sua missão que o governo dos Estados Unidos tentava convencer os peles vermelhas a venderem suas terras para dar prosseguimento à ocupação do território norte-americano com populações de imigrantes estrangeiros que chegavam ao país.
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Extraído de The Irish Press, publicado numa sexta-feira, 4 de junho de 1976.
A proposta do governo dos EUA era instalar as duas tribos em uma reserva indígena, oferecendo-lhes algumas garantias e compensações. Em seguida a essas apresentações, levantou-se o Cacique Seattle e começou a falar. Ele pousou a mão sobre a cabeça do muito menor Stevens, e declamou com grande dignidade, por um período prolongado, o seu discurso.
Com a sabedoria de um grande líder, o Cacique Seattle recomendou às suas tribos que fossem para a reserva, pois sabia que não poderia resistir às armas de fogo, caso optasse pelo confronto direto. No entanto, deixou, com seu profético discurso, uma lição para as futuras gerações de todos os povos do mundo, uma lição que, aparentemente, muito poucos aprenderam.
Em 1854, “O Grande Chefe Branco” (o presidente americano) em Washington fez uma oferta para “comprar” uma grande área de território indígena e prometeu uma “reserva” para os índios peles vermelhas dos EUA. A resposta do Chefe Seattle, aqui reproduzida na íntegra, tem sido considerada uma das declarações mais belas e profundas já feitas sobre o meio-ambiente:
“Como você pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? A ideia é estranha para nós. Se nós não somos donos da frescura do ar e do brilho da água, como você pode comprá-los? Cada parte da Terra é sagrada para mim e o meu povo.Cada pinha brilhante, cada praia de areia, cada névoa nas florestas escuras, cada inseto transparente, zumbindo, é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A energia que flui através das árvores traz consigo a memória e a experiência do meu povo. A energia que flui pelas árvores traz consigo as memórias do homem vermelho.Os mortos do homem branco se esquecem da sua pátria quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos nunca se esquecem desta bela Terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da Terra e ela é parte de nós.As flores perfumadas são nossas irmãs, os cervos, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos. Os picos rochosos, as seivas nas campinas, o calor do corpo do pônei, e o homem, todos pertencem à mesma família.Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que quer comprar nossa terra, ele pede muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que reservará para nós um lugar onde poderemos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Então vamos considerar sua oferta de comprar a terra. Mas não vai ser fácil. Pois esta terra é sagrada para nós.A água brilhante que se move nos riachos e rios não é simplesmente água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é o sangue sagrado de nossos ancestrais. Se nós vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é sagrada, e vocês devem ensinar a seus filhos que ela é sagrada e que cada reflexo do além na água clara dos lagos fala de coisas da vida de meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai de meu pai.Os rios são nossos irmãos e saciam nossa sede. Os rios levam nossas canoas e seus peixes alimentam nossas crianças.Se vendermos nossa terra para vocês, vocês devem lembrar-se de ensinar a seus filhos que os rios são irmãos nossos, e de vocês, e consequentemente vocês devem ter para com os rios o mesmo carinho que têm para com seus irmãos.Nós sabemos que o homem branco não entende nossas maneiras.Para ele um pedaço de terra é igual ao outro, pois ele é um estranho que chega à noite e tira da terra tudo o que precisa. A Terra não é seu irmão, mas seu inimigo e quando ele a vence, segue em frente. Ele deixa para trás os túmulos de seus pais, e não se importa. Ele seqüestra a Terra de seus filhos, e não se importa.O túmulo de seu pai, e o direito de primogenitura de seus filhos são esquecidos. Ele ameaça sua mãe, a Terra, e seu irmão, do mesmo modo, como coisas que comprou, roubou, vendeu, como carneiros ou contas brilhantes. Seu apetite devorará a Terra e deixará atrás de si apenas um deserto. Não sei!Nossas maneiras são diferentes das suas. A visão de suas cidades aflige os olhos do homem vermelho. Mas talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não entende.Não existe lugar tranqüilo nas cidades do homem branco. Não há onde se possa escutar o abrir das folhas na primavera, ou o ruído das asas de um inseto.Aurora boreal em terras indígenas do norte da AméricaMas talvez seja porque eu sou um selvagem e não entendo. A confusão parece servir apenas para insultar os ouvidos. E o que é a vida se um homem não puder ouvir o choro solitário de um curiango ou as conversas dos sapos, à noite, em volta de uma lagoa.Sou um homem vermelho e não entendo. O índio prefere o som macio do vento lançando-se sobre a face do lago, e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva de meio-dia, ou perfumado pelos pinheiros.O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo hálito – a fera, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo hálito.O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo há dias esperando a morte, ele é insensível (ao seu próprio) mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra, vocês devem se lembrar de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seus espíritos com toda a vida que ele sustenta.Mas se vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la separada e sagrada, como um lugar onde mesmo o homem branco pode ir para sentir o vento que é adoçado pelas flores da campina.Assim, vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra.Se resolvermos aceitar, eu imporei uma condição – o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Eu Sou um selvagem e não entendo de outra forma.Vi mil búfalos mortos e apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os matou da janela de um trem que passava. Sou um selvagem e não entendo como o cavalo de ferro que fuma pode se tornar mais importante que o búfalo, que nós só matamos para ficarmos vivos.O que é o homem sem os animais?Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão do espírito. Pois tudo o que acontece aos animais, logo acontece ao homem. Todas as coisas estão ligadas.Vocês devem ensinar a seus filhos que o chão sob seus pés é as cinzas de nossos avós. Para que eles respeitem a terra, digam a seus filhos que a Terra é rica com as vidas de nossos parentes. Ensinem aos seus filhos o que ensinamos aos nossos, que a Terra é nossa Grande Mãe.Tudo o que acontece à Terra, acontece aos filhos da Terra. Se os homens cospem no chão, eles cospem em si mesmos.Isto nós sabemos – a Terra não pertence ao homem – o homem pertence à Terra. Isto nós sabemos. Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas.Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo.Mesmo o homem branco, cujo Deus anda e fala com ele como de amigo para amigo, não pode ficar isento do destino comum. Podemos ser irmãos, afinal de contas. Veremos.De uma coisa nós sabemos e que o homem branco pode um dia descobrir – o nosso Deus (das tribos peles vermelha da América do Norte) é o mesmo Deus.Vocês podem pensar agora que vocês O possuem como desejam possuir nossa terra, mas vocês não podem fazê-lo.Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual tanto para com o homem vermelho quanto para com o branco (ou para o negro, o amarelo, não importa a cor da “vestimenta de pele”).A Terra é preciosa para Ele, e danificar a Terra é acumular desprezo por seu criador. Os brancos também passarão, talvez antes de todas as outras tribos.Mas em seu desaparecimento vocês brilharão com intensidade, queimados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e para algum propósito especial lhes deu domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho.Esse destino é um mistério para nós, pois não entendemos quando os búfalos são mortos (em excesso), os cavalos selvagens são domados, os recantos secretos das florestas carregados pelo cheiro de muitos homens, e a vista das montanhas maduras manchadas por fios que falam.Onde está o bosque? Acabou.Onde está a águia? Acabou.É o fim dos seres (realmente) vivos e o começo da sobrevivência.”
Extraído de The Irish Press, publicado numa sexta-feira, 4 de junho de 1976.
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