Exposto a uma guerra em que os interesses do Irão e da Arábia Saudita estão presentes, atormentado pela Al-Qaeda, e dividido por disputas tribais e um movimento de secessão, apesar de tudo, o Iémen tem sobrevivido.
As dezenas de mortos no atentado à bomba de domingo passado junto de uma unidade de recrutamento de militares do Iémen, que a comunicação social tem atribuído ao Daesh, integra-se na continuada agressão através de bombardeamentos da Arábia Saudita e da «Força de Intervenção Rápida» do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).
Este Conselho é composto por um conjunto de países árabes ricos. De entre eles, os Emiratos Árabes Unidos (EAU) são uma confederação de sete monarquias retrógradas como o Dubai e o Abu Dhabi. Foi formado com o aconselhamento discreto dos EUA e de Israel.
Segundo o Expresso, de dia 27, «o atentado acontece dias depois de o Governo iemenita e os rebeldes terem reagido positivamente a uma nova iniciativa de paz anunciada na semana passada pelos Estados Unidos e sob a qual os houthis aceitam abandonar a capital, Sanaa, e dar início a conversações para formar um Governo de unidade.
«Este Conselho [de Cooperação do Golfo] é composto por um conjunto de países árabes ricos. (...) Foi formado com o aconselhamento discreto dos EUA e de Israel.»
Os rebeldes dizem estar preparados para retomar as negociações suspensas no início de Agosto no Kuwait apenas se a coligação liderada pelos sauditas parar de atacar os seus bastiões no Iémen e acabar com o cerco aos territórios sob o seu controlo».
Algo salta à vista sobre a forma como esta guerra foi vendida aos membros do CCG, em que só Omã se recusou a participar. Para a população dos Emiratos Árabes Unidos, foi a promessa da «Cidade Luz» (Al-Noor, Djibuti e Iémen) que poderia incentivar o comércio no Oceano Índico e abrir este ao Leste da Ásia, apesar de se manter sob a administração do Dubai. Para os sauditas, as promessas ainda foram mais aliciantes, com o controlo uniforme da «quarta parte vazia» (Rub’al-Khali), lendárias jazidas de petróleo e gás que os EUA tinham mantido inexploradas no subsolo… enquanto se mantivesse o governo iemenita!
Esta guerra é a prática habitual de construção e destruição de sociedades e governos por bombardeamentos de precisão contra uma população que depende da importação de alimentos. Uma vitória tão contundente na Península Arábica punha-a sob o controlo da Arábia Saudita, que, rápida e publicamente, celebraria uma paz com Israel.
Responsáveis sauditas já referiram em Junho do ano passado, na presença de responsáveis norte-americanos e israelitas, que esta jazida Rub’Al-Khali obrigaria os países do CCG e o Iémen a cooperarem para proteger o seu rendimento e que a esta união se devia seguir um modelo de Constituição como a que uniu a América e lhe conferiu a sua democracia… Segundo esses mesmos responsáveis sauditas, quanto à promissora jazida de petróleo de Ogaden, na Etiópia, ela permitiria unificar países sob a sua direcção. E ainda propuseram que se deveria construir uma ponte entre o continente africano e a Península Arábica, a ponte Al-Noor que ligaria a cidade de Al-Noor, no Djibuti, à cidade Al-Noor, no Iémen.
Exposto a uma guerra em que os interesses do Irão e da Arábia Saudita estão presentes, atormentado pela Al-Qaeda, e dividido por disputas tribais e um movimento de secessão, apesar de tudo, o Iémen tem sobrevivido.
Antes, no início do século XX, o Iémen foi dividido entre os Impérios Britânico e Otomano. O Reino Zaydi Mutawakkilite do Iémen foi criado depois da 1.ª Guerra no Iémen do Norte. Passou a República Árabe do Iémen em 1962, ficando o Sul como protectorado britânico até 1967. Os dois estados iemenitas acabaram por se unir e criar a República do Iémen em 1990.
O Iémen é um país em vias de desenvolvimento e o país mais pobre do Médio Oriente. Até há pouco tempo era uma ditadura dirigida pelo Presidente Ali Abdullah Saleh e um dos países com mais elevados índices de corrupção em todo o mundo. Na ausência de instituições do Estado fortes, tinha uma forma de governação informal, com representações tribais rivais, religiosas e interesses políticos, dirigida pelo Presidente, que controlava o Estado, pelo major-general Ali Mohsen al-Ahmar, que controlava a maior parte do Exército, e pelo xeique Abdullah al-Ahmar, que dirigia o partido islamita Islah. A Arábia Saudita garantia o pagamento a estes quadros políticos e aos xeiques tribais, controlando desta forma as decisões políticas dos dirigentes.
Para entender o derrube, em 2012, do governo pelo movimento rebelde xiita Houthi, importa lembrar as origens deste movimento, em 1991, quando foi criado para proteger o ziadismo, uma forma de xiismo, face à invasão de islamitas sunitas.
Depois do 11 de Setembro, os EUA atribuíram à luta do movimento uma dimensão geopolítica, porque os seus combatentes se opuseram à decisão do Iémen em colaborar com os Estados Unidos e em reforçar a cooperação entre serviços secretos.
«Os EUA e a Grã-Bretanha têm sido os principais fornecedores de armas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos»
De 2004 a 2010, o grupo conduziu seis guerras contra o Governo iemenita e teve mesmo escaramuças com a Arábia Saudita. No entanto, nunca conseguiu expandir o seu alcance para além da sua fortaleza no Norte do país. Isso mudou em 2011, quando os protestos populares e o caos político resultante da Primavera Árabe conduziram à paralisia institucional generalizada, levando a que os Houthis regressassem a uma postura militar que tinham abandonado. Os protestos na rua eram contra a pobreza, o desemprego, a corrupção e contra o plano do Presidente Saleh emendar a Constituição da República para se poder eternizar no poder. Os seus poderes foram transferidos para o vice-presidente Abd Rabbu Mansour Hadi, que seria formalmente eleito presidente em Fevereiro de 2012, não se tendo apresentado mais nenhum candidato, o que não garantiu consistência à transição. Este processo foi interrompido por conflitos provocados pelo partido Islah contra os Houthis e pelo aparecimento da Al-Qaeda. Em Setembro de 2014, a capital, Saná, caiu nas mãos dos Houthis, que assumiram o governo. Desde então, a guerra foi introduzida no país pela Arábia Saudita e Aliados do Golfo.
Os bombardeamentos ao Iémen pelo CCG têm contado, em geral, com o silêncio da imprensa ocidental. Apesar da desproporção de forças, o Iémen ousou no início deste ano resistir à invasão, matando em Marib militares da coligação liderada pelos sauditas. Seguiu-se um massacre por bombardeamentos sauditas, que testam aqui equipamentos militares para novas guerras (o Iémen já tinha servido de laboratório para os drones americanos).
Os EUA e a Grã-Bretanha têm sido os principais fornecedores de armas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, países que não dispõem de indústria militar mas que pretendem ser potências regionais, sendo, sem dúvida, os principais envolvidos na agressão ao Iémen, mas também no recrutamento, detenção e violência sexual de menores, responsáveis pela morte de crianças, bem como por ataques a hospitais e ataques e ameaças contra pessoal protegido, como reconheceu a ONU.
Um cessar-fogo acordado entre as forças houthis e as do governo apoiado pela Arábia Saudita – que desde 19 de Março do ano passado desencadeia uma agressão no território – entrou em vigor num domingo, dia 10 de Abril, mas não durou muito tempo.
Agora, sob a designação «Daesh», os agressores do costume mataram no atentado mais de 60 pessoas.
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