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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O inferno é ter de ir à praia





Se eu pudesse ser tele-transportada para a praia e de volta para casa ao fim do dia, iria à praia de boa vontade. Porque o problema não é estar na praia, é ter de ir e vir da praia …
No verão, uma das vantagens de viver em Lisboa é não ter de ir à praia. Quando vivia fora de Lisboa, perto do mar, era quase obrigatório ir à praia, porque estava próxima.
Estar na praia, às vezes, até sabe bem: olhar para o mar ou ler um livro, mergulhar e nadar um bocado. As crianças, quando são pequenas, entretinham-se com areia, água e um balde; hoje, já crescidas, entretêm-se com os telemóveis. Podemos adormecer a ouvir o zumbido de outra gente e das ondas a bater na areia, embora uma boa sesta possa custar uma queimadura catastrófica. Se eu pudesse ser tele-transportada para a praia e de volta para casa ao fim do dia, iria à praia de boa vontade. Porque o problema não é estar na praia, é ter de ir e vir da praia …
Primeiro, temos de nos lembrar de tudo o que é preciso levar, incluindo os filhos. Temos de levar o mínimo possível, mas não podemos deixar nada para trás: os documentos do carro, o BI, toalhas, loção para o sol, água, telemóvel, máquina fotográfica, uns iogurtes obrigatórios para as crianças, um chapéu de sol daqueles que podem matar gente (já lá chegaremos), bonés, casaquinhos para um eventual vento frio, etc., etc., etc.
É preciso ir de carro, a não ser que moremos nuns dos poucos sítios onde há rotas de autocarros ou comboios (Costa da Caparica, Linha de Cascais, e mais umas poucas cidades no Algarve e ao longo da costa do norte). É bom que a maior parte das praias não estejam estragadas por filas de hotéis em cima delas, mas por outro lado, isto significa que, mesmo em férias, é preciso usar o automóvel, encontrar um lugar para estacionar, andar um quilómetro para chegar à praia, numa estrada íngreme, e depois andar mais meio-quilómetro no areal para chegar à parte da praia menos coberta de gente e das suas tralhas, e tendo sempre na mente que vai ser preciso repetir toda esta viagem ao fim do dia, no sentido inverso. Está assim estragado qualquer bem-estar que a praia possa inspirar.
E não é seguro que a praia vá proporcionar esse bem-estar. Por vezes, a praia está demasiado povoada para que encontremos um lugar a 5 metros de distância da virilha suada de uma outra pessoa, ou das suas discussões familiares, ou de ambas as coisas. Por vezes, temos de ficar ao lado de quem passa o dia ao telemóvel, por causa de negócios ou de bisbilhotices, a ouvirmos só um dos lados da conversa. Outras vezes, é uma pessoa com uma voz fantasticamente chata que é uma mãe galinha das piores e nunca desiste de chatear o miúdo, em voz alta, porque o miúdo não quer comer, ou porque o miúdo, depois de comer, quer ir já para a água.
Por vezes, há vento suficiente para levantar os chapéus de sol e fazê-los voar ao longo da praia. É preciso então estar atento aos chapéus de sol voadores, para não acabarmos com um deles espetado num olho, e também estar atento ao nosso próprio chapéu de sol, para termos de o ir desenterrar do olho de outra pessoa. Ao fim do dia, se sobrevivemos à praia com todos os olhos intactos, podemos finalmente ir embora, palmilhar o quilómetro e meio até ao carro, passar meia hora a tirar a areia de todas as partes do corpo, e depois conduzir para casa em longas filas de trânsito, atrás de gente quase a dormir e seguidos por outros que querem ultrapassar-nos nas curvas por cima das falésias.
Chegamos a casa, exaustos.
Mas já desisti de dizer às pessoas que a praia não me interessa, embora por vezes tenha de o lembrar às amigas que gozam com as minhas pernas brancas no fim do Verão. Elas ficam sempre chocadas, como se não gostar de ir à praia fosse uma coisa inimaginável, como se eu estivesse a confessar que não gostava de doces conventuais ou de fado. É que sempre que alguém admite não gostar de uma coisa de que os portugueses julgam absolutamente normal que se goste, como o fado, os doces conventuais ou um Verão passado na praia, todos eles ficam estupefactos e até ofendidos. A praia e o doce de ovos parecem ser a base do patriotismo. Enfim, nunca conseguirei pertencer à tribo.

Lucy Pepper

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