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sábado, 2 de julho de 2016

As mudanças decisivas Não se conseguirão com eleições


 La Haine*    





Uma das explicações para a enorme perda de votos da coligação Unidos Podemos será, indubitavelmente a preocupação de que esta força tinha de ser classificada no grupo dos bem comportados, a ponto de repudiarem a presença de bandeiras republicanas nas suas iniciativas eleitorais.

Agora, claro, «é preciso voltar a explicar que, no plano eleitoral, quem representa a classe operária joga sempre no terreno do inimigo. É por isso mesmo que os resultados são sempre ilegítimos».

«Por isso, diferentemente de Unidos Podemos, ainda que a esquerda coerente opte – sempre que o considere útil – por se apresentar a eleições, será sempre como uma ferramenta secundária da luta, sabendo que as alterações decisivas na correlação de forças não serão eleitorais».



La Haine (LH): Recorrendo aos resultados eleitorais como ponto de partida para uma reflexão sobre a situação político-eleitoral, qual é o panorama nos deixam…

Ángeles Maestro (AM): A aparência quase nunca coincide com a realidade.
O debate nos meios sobre as diferentes possibilidades de governo esconde que o fator mais destacado saído das eleições é a debilidade das classes dominantes e a grande instabilidade política. Por outras palavras, têm mais dificuldade no cumprimento do seu programa que, iniludivelmente, passa por assestar novos golpes à classe operária e aos sectores populares.

As consequências da indignação e da mobilização social são demolidoras. Desmoronam-se a monarquia, as instituições políticas, as judiciais, as burocracias sindicais, definitivamente os pilares da Transição.

Se conseguirem formar governo, ele será o mais débil executivo das últimas décadas. Isto é, ele encontrará maior resistência popular para levar a cabo as medidasde ajustamento que a Troika imporá e que – como sucedeu na Grécia – tornaram frouxas as medidas anteriores.

Também a UE está mais débil que nunca e menos legitimada depois do referendo da Grã-Bretanha. O Brexit – que também contrariou todas as sondagens – surge com força e raiva a partir das zonas operárias mais golpeadas. É um murro nos queixos dos políticos da City que têm, tal como a miséria – dizia Quevedo – cara de herege. E foram os partidos racistas e xenófobos que apontaram o exit pela subordinação da esquerda integrada no sistema às políticas do capital, que demonizam o questionamento da UE. E, sobretudo, pela ausência de alternativas de classe, revolucionárias, que cumpram com a tarefa histórica de destruir a ordem imposta pela Troika, que cada vez mais sectores da classe operária percebem como a responsável do seu desespero.

E essa debilidade das oligarquias europeias é que ao desestabilizá-los – como aconteceu em todas as grandes crises da história – e a abrir mais possibilidades aos processos revolucionários. Sempre que a ira popular tenha uma referência política capaz de construir o caminho para a tomada do poder…

LH: …e mais pormenorizadamente no caso de Esqueda Unida (IU) e Podemos
AM: Foi precisamente por isso que Unidos Podemos se mostrou incapaz.
Não aprendeu a lição do Syriza que indicava, dramaticamente, que o tempo dos reformismos se esgota. Do mais de um milhão de pessoas que deixou de votar neles uns, compreenderam que era tão parecido com o PSOE que preferiram votar no original, os outros viram agora o que nunca tinham visto antes.

Podemos perdeu credibilidade e apoios à medida que o tempo passava e mostrava que, para a sua cúpula dirigente, tudo era prescindível perante o objetivo de ganhar votos. Ultrapassaram-se todos os limites, atentando contra a dignidade e a honra de muitas pessoas que no princípio acreditou neles. Dou só dois exemplos.

Excluir do seu programa o questionamento da UE e o pagamento da Dívida, quando o fiasco do Syriza está tão próximo, argumentando como fizeram Varoufakis e Íñigo Errejón [1] que (até dá vergonha dizê-lo) «aqui não se passaria o mesmo porque a Espanha é demasiado grande», é chamar estúpidas às pessoas. E as pessoas aprenderam muito nos últimos anos, sobretudo construiram as Marchas pela Dignidade que colocavam como lema central não pagar a Dívida e correr com a Troika.

O outro exemplo foi a omissão da República no seu programa e, sobretudo, terem tido a pouca vergonha de proibir bandeiras republicanas nos seus comícios. Não se via nada disto desde os tempos de Carrillo. Talvez por isso se reconheciam como a «2ª Transição».
O que agora importa é acompanhar a deceção de tanta gente que acreditou em Unidos Podemos. É preciso voltar a explicar que, no plano eleitoral, quem representa a classe operária joga sempre no terreno do inimigo. É por isso mesmo que os resultados são sempre ilegítimos. Basta recordar a lei eleitoral (os territórios despovoados têm muito maior representação que as zonas urbanas), o controlo dos meios de comunicação, o dinheiro das grandes empresas, as cloacas do Estado…

Por isso, diferentemente de Unidos Podemos, ainda que a esquerda coerente opte – sempre que o considere útil – por se apresentar a eleições, será sempre como uma ferramenta secundária da luta, sabendo que as alterações decisivas na correlação de forças não serão eleitorais.


LH: Apesar da crise que golpeia com tanta dureza milhões de pessoas, por que foi impossível surgir uma candidatura revolucionária?

AM: As condições necessárias ainda se não verificavam. Os processos têm que fazer o seu caminho, e foi preciso que muitas pessoas se iludissem com Podemos, comprovando por si-próprios a sua falta de consistência e a irracionalidade das apostas institucionais.
O abandono pela coligação Unidos Podemos de qualquer posição de rutura – que a Esquerda Unida (IU) já preconizava – deixa um enorme espaço vazio que é fundamental construir a partir de posições de classe firmes e sobre pilares, não ideológicos, mas políticos. E a coluna vertebral será, inevitavelmente, o não pagamento da Dívida, a saída da UE e do Euro. O objetivo fundamental não será eleitoral, mas a construção, a partir de baixo, de organizações de poder popular forjadas no calor da luta operária e popular.
Para isso há que estar preparado, porque vão chegar golpes muito sérios e a resposta popular tem de ser superior, na sua organização e nos seus objetivos políticos ao período anterior.


LH: Que consequências terá nos trabalhadores o novo corte nos próximos meses exigido pela Troika?

AM: Este outono vai ser duro. O FMI, a UE e o BCE não escondem a sua impaciência para aplicarem os cortes exigidos e que se calculam em mais de 20.000 milhões de euros. Para avaliar a sua grandeza basta dizer que é quase metade da despesa pública anual com saúde, e que terá de ser aplicada em menos de seis meses.
E não serão apenas os cortes na despesa pública, mas também novas reformas laborais, mais privatizações e cortes nas pensões. Por desgraça, o sofrimento do povo grego mostra qual será o nosso caminho se não atalharmos.
Não é de descartar que se conseguirem formar governo tomem as medidas mais agressivas aproveitando o verão, tal como fez o agora «progressista» Zapatero, com a reforma do artº 135º da Constituição. Por isso, há que acelerar o reforço organizativo de todas as estruturas organizativas operárias e populares, como as Marchas pela Dignidade ou outras, e abrir o debate sobre a construção de um referente político.


LH: Como estamos a ver, será muito difícil organizar a resistência. A presença de duas centrais sindicais como as CC.OO. e a UGT não ajudam nada esse processo…

AM: Não é fácil. O grau de destruição das organizações de classe criadas com tanto esforço durante a luta contra a Ditadura é atroz. Basta comparar o papel da CGT francesa na presente luta contra a reforma laboral ou aquando o referendo da Constituição europeia, e o das CC.OO e da UGT que, à medida que se agudiza a crise, parecem dobrar-se cada vez mais perante os interesses do grande capital. Basta recordar as palavras de Toxo [2] há uns meses quando pedia um governo «forte».

E isto não quer dizer que o capital não se empregue a fundo no suborno de dirigentes noutros lugares. Na verdade, em 2005, a direção da CGT de início que a classe operária francesa era «neutral» face ao referendo da Constituição Europeia. 

Só a revolta das bases que se seguiu obrigou a que a maior central sindical de França fizesse campanha pelo Não, facto que foi decisivo para a sua rejeição. Aqui – com o apoio dos sindicatos – o SIM ganhou com 77% dos votos mas houve uma abstenção monumental.

No Estado espanhol o mito da União Europeia «social» foi uma trave mestra do «narrativa» - como diz agora o 
Podemos da Transição. Enquanto se destruia a indústria pesada, os estaleiros, a mineração, a agricultura e a pecuária – e centenas de milhares de postos de trabalhos – a suposta esquerda política e sindical fragmentava e debilitava a resposta operária, ao mesmo tempo que aceitava, e reproduzia, o discurso de que esse era o preço a pagar pela entrada na Europa dos direitos e das liberdades. E esse pagamento ia incluir a entrada na NATO…

Muito mais tarde, em 2012, e no momento quente da mobilização social contra a crise, criou-se a Cimeira Social sob os auspícios das CC.OO., UGT, PSOE e IU. Enquanto a UE impunha as mais duras políticas de ajuste, a «Cimeira» advogava a «volta ao Estado de Bem-Estar», reivindicava a «Europa social» e, inclusivamente, «os aspetos sociais da Constituição espanhola». O mesmo quarteto, em 2015, numa patética tentativa de desvalorizar o conteúdo político das Marchas pela Dignidade, patrocinava as «Euromarchas» sob o lema de «Outra Europa é possível».

É muito importante destacar a cumplicidade destas organizações, a que agora se junta o silêncio clamoroso de «Unidos Podemos», na construção de gaiolas douradas cujo objetivo é desvalorizar e esvaziar o conteúdo da resposta social, é enclausurá-la entre objetivos que nunca questionem o mito europeu. Por sorte, até agora, as suas tentativas têm fracassado.

A viagem de Pablo Iglésias ao Reino Unido para pedir o SIM à permanência da Grã-Bretanha na União Europeia, deve acrescentar-se à lista dos contributos para ser classificado na categoria dos bons «sociais-democrata».


LH: A visita de Obama, as manobras da NATO, por que razão se torna tão necessário retomar a luta contra o imperialismo…

AM: O imperialismo é a concentração do poder dclasse dos capitalistas contra a classe operária e os povos. É o lugar onde se expressam com maior virolência as contradições entre a vontade de soberania dos povos e a necessidade de dominação das potências centrais de um capitalismo em crise profunda.


É a partir dos povos dos Estados centrais donde se pode atacar os pontos mais vulneráveis do poder. A solidariedade internacionalista e o apoio à resistência dos povos, a partir do ventre da besta imperialista ttêm uma enorme importância.
—///—

Esta é a resposta do Manifesto das Marchas pela Dignidade – convocando para uma concentração em 10 de julho frente à embaixada dos EUA – à pergunta por que razão é necessário retomar com forçaquer a luta quer a solidariedade internacionalista:
Porque um povo que não sabe quem são os seus inimigos, não sabe quem é. Porque a NATO é o braço armado do capitalismo para assegurar que as suas políticas de cortes e privatizações se impõem através de chantagens, atos terroristas ou diretamente através de intervenções militares.
Porque desde Torrejón, Rota, Morón, Zaragoza, Nafarroa, Valencia, desde cada porto ou aeroporto do Estado espanhol utilizado pelos EUA e pela NATO está a sair a agressão e a morte para outros povos.

Porque enquanto aqui em Espanha milhões de trabalhadores tem carência de tudo e falta de recursos para a saúdeou a educação, milhares de milhões de euros são destinados aos gastos em armamamento que só causa dor e destruição.

Porque a pertença à NATO e a existência das Bases, além de tornar impossível qualquer soberania, identifica-nos como peça chave da escalada militar contra a Rússia, que aumenta diariamente, e converte-nos em corneteiros do toque de ataque perante uma possível agressão.
Porque face aos objetivos criminosos do TTIP e o CETA/Acordo Comercial EUA-Canadá, há que multiplicar a luta, mais que nunca, pelos direitos laborais, pela soberania, a habitação e pelos serviços públicos


Notas do Tradutor:


[1] Varoufakis foi, em 2015,o ministro das Finanças do Syriza e Iñigo Errejón é considerado o nº 2 do Podemos, cujas campanhas eleitorais dirigiu.
[2] Ángeles Maestro refere-se a Ignacio Fernandez Toxo, secretário-geral das CC.OO. desde 2008 e presidente da Confederação Europeia de Sindicatos (CES) desde 2011.
* O web-site La Haine é um «projeto de desobediência informativa, ação direta e revolução social».
Ángeles Maestro, amiga e colaboradora de odiario.info, é dirigente da organização espanhola Corriente Roja.


www.odiario.info

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