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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Marcelo elogia emprego de Durão…Porquê?


Pedro TadeuNão importa aqui referir o que um outro Marcello, o Caetano, que durante os últimos seis anos do regime fascista esteve à frente do governo, disse sobre o carácter do pupilo e jovem amigo e por que razão lhe vedou o acesso a S. Bento; como pouco importa também o que Pinto Balsemão já disse sobre o carácter do Marcelo Rebelo de Sousa da direção do Expresso, quando Francisco Balsemão era Primeiro-ministro do governo AD, após a morte de Sá Carneiro.

Talvez haja até alguma coerência nos três Marcelos: o de Marcello, o de Pinto Balsemão e o que ocupa o cargo de presidente português.
É que o Goldman Sachs é talvez o mais importante elo do sistema do capital.
E com o patrão dos patrões não se brinca…



Com tanta notícia excitante neste mundo maravilhoso mas doente quase deixei passar despercebida uma leve perturbação que, apesar de mínima, explica tanta coisa.
Quando há dez dias era notícia ter o ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, aceitado o lugar de presidente em Londres no banco Goldman Sachs, espalharam-se nos jornais os comentários ácidos, os tons indignados, as revoltas de verbo. E com óbvia razão.
Mas no mesmo dia o nosso Presidente da República resolveu deitar água na fervura: «No caso do doutor Durão Barroso, trata-se de atingir o topo da vida empresarial. E o topo da vida empresarial tem muito mérito, como tem o atingir o topo na ciência, na universidade, na cultura, nas artes. Portanto, deve ser naturalmente reconhecido», disse.
Que contraste face às declarações do presidente francês, nosso parceiro na mesma União Europeia que Durão comandou para o declínio: «é moralmente inaceitável que José Manuel Barroso se junte ao Goldman Sachs», disse François Hollande para, a seguir, explicar a acusação que qualificou, aliás, como defeito de carácter. «Ele esteve dez anos à cabeça da Comissão».
O Goldman Sachs esteve no centro da crise dos subprimes e ajudou o governo grego a maquilhar as contas da Grécia.»
Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa, um homem que geriu a sua vida sempre com atenção para não cair em situações de incompatibilidade suspeita, vê mérito no novo emprego de Durão? Como é que Presidente português, que foi sempre financeiramente transparente e inequívoco, defende o reconhecimento público para quem baralha alhos políticos com bugalhos profissionais?
O que leva este homem, que não soaria despropositado se debitasse o aforismo cavaquista «para serem mais honestos do que eu, têm de nascer duas vezes”, a ser complacente com a promiscuidade política e financeira?…
Olho para a frase. Releio. O Goldman Sachs é, para o Presidente da República, “o topo da vida empresarial”. Este é o toque… Nem o honesto, probo, afetuoso Marcelo consegue evitar admiração ao falar do Goldman Sachs. “O topo”, dize ele. Algo quase inalcançável, colocado lá nas alturas, ao nível do divino.
Nem o católico praticante, cheio de entusiasmo pela consciência social do Papa Francisco, subscritor das críticas da Igreja aos crimes do mundo financeiro capitalista, olha para o Goldman Sachs sem deixar escapar admiração, respeito e, até parece, temor reverencial.
Há demasiadas boas pessoas complacentes por impotência, cobardia, cegueira, ignorância, necessidade ou hipocrisia com o rosto descarado do mais puro e destrutivo mal. E também é por isso que este mundo, maravilhoso mas com doença maligna, não se cura.



* Jornalista e articulista do Diário de Notícias.
Este texto foi publicado no Diário de Notícias de 19 de julho de 2016.

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