BISCATES – A República Televisiva Portuguesa – por Carlos de Matos Gomes
A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa para presidente da República
Portuguesa é uma TAC à sociedade portuguesa. Nós gostamos de TAC, de
ressonâncias magnéticas e exames assim. O Professor Marcelo é um
assumido hipocondríaco. Estamos, os portugueses e o seu novo presidente
da República, bem uns para os outros. De parabéns. A saúde primeiro.
Depois o divertimento. Muita televisão.
Entre candidatos com várias competências, os portugueses escolheram
um cronista social para presidente da República. Desde 1999, data em que
saiu da presidência do PSD, que o Professor Marcelo tem como actividade
mais visível a crónica social nas televisões. Como cronista social, o
Professor Marcelo critica eventos sociais e políticos, sem nunca tomar
posição sobre qualquer assunto. É a função do cronista. Não foi o
cronista Fernão Lopes que combateu em Aljubarrota, nem que se apresentou
às cortes para assumir a responsabilidade de reinar.
O Professor Marcelo tem sido a mosca de que os portugueses comuns
dispõem no mundo dos “famosos” da política ou da finança. Ele voa, poisa
aqui e ali, no ombro deste e no rego dos seios daquela e depois surge
dominicalmente nos ecrãs a classificar as atitudes e os comportamentos
dos que participaram nos eventos: o primeiro ministro esteve bem, já a
ministra estava assim-assim. A viagem do secretário foi um flop.
Mas o discurso do governador foi muito bem conseguido. Fulano está
firme. Cicrano está periclitante. Há coisas que, embora sejam verdade,
não podem ser ditas. Um ponto negativo, portanto. Para a semana cá
estaremos, Judite.
Os portugueses e as portuguesas gostam de saber o que se passa no mundo
dos ditos famosos, no Conselho de Estado, por exemplo – e o Professor
Marcelo é membro do Conselho de Estado. E gostam de saber o que se passa
nas altas esferas da banca e o Professor Marcelo é amigo e convidado
dos banqueiros. Os portugueses não querem saber a opinião do cronista
sobre os problemas que foram discutidos. Os portugueses não querem saber
se nos mantemos no euro, ou se a dívida é sustentável. Os portugueses
querem saber o que o Professor Marcelo lhes tem a dizer sobre a rasteira
que Passos Coelho passou ao Paulo Portas e que levou o tartamudo do
ministro Gaspar a ir para o FMI e ser substituído por Maria Luís, antiga
professora de Passos Coelho. O Professor Marcelo sabe que é isso que os
portugueses querem saber. Que são estes truques e fintas que para eles
são a política, a alta política. O Professor Marcelo, sabe, como o
Correio da Manhã, que os portugueses o que querem saber é das facadas
que foram dadas nos eventos em que o Professor Marcelo esteve, ou podia
ter estado. E, para apaziguar consciências, o Professor Marcelo faz uma
citação do Papa Francisco. Benção Urbi et Orbi.
Há uns anos esta actividade de cronista social tinha muito público,
mas era pouco considerada. Muitos dos cronistas até assinavam com
pseudónimo, eram a Pitonisa – o Indiscreto – o Periscópio. Andavam
pelas páginas da Maria, primeiro, depois da Gente, mais tarde da Caras.
Foram subindo os degraus da fama entre os que falam dos famosos. O
Professor Marcelo elevou esta actividade rasteira à categoria de sermão
papal das varandas da basílica de São Pedro. Ele é hoje o Papa da
crónica social. Tem altar nas televisões. O mérito a quem o merece.
O cronista social, que no caso do Professor Marcelo assumiu a dignidade de “comentador político” é a evolução – o up grade
– do antigo mexerico, do murmúrio de café e barbeiro. Os portugueses
pelam-se por mexericos. Logo, escolheram para presidente o Professor
Marcelo. Estão bem servidos.
O mexeriqueiro, tal como o cronista, tem uma enorme vantagem sobre
os restantes cidadãos que agem, que fazem, que tomam decisões: aponta os
argueiros nos olhos dos outros e assim desvia as atenções dos seus. Há
mais de dois milhões de portugueses que nunca viram um argueiro no olho
do Professor Marcelo e nunca duvidaram das suas palavras. É um share televisivo impressionante. Vai ser difícil substituí-lo.
Mas agora o Professor Marcelo tem um problema: é ser o Professor
Marcelo. O que é um nome artístico, um bom nome para ilusionista, por
exemplo. Ele nunca quis ser o professor Rebelo de Sousa, assumir a
seriedade, a gravidade e a responsabilidade de uma linhagem. Ele quis
ser o Professor Marcelo, uma personagem do espectáculo, dos eventos, um socialite.
O presidente que foi eleito dia 24 tem duas opções, ou mata o
Professor Marcelo e passa a ser o presidente Rebelo de Sousa, que os
portugueses não conhecem e não elegeram, mas que pode dar uma aparência
de normalidade e bom senso à função, transmitir alguma confiança, enfim.
Ou mantém o registo com que foi eleito: O espectáculo do Professor
Marcelo agora em Belém, depois de uma longa temporada de sucesso nas
televisões! Sinceramente, prefiro esta segunda hipótese. O Professor
Marcelo vive feliz no seu papel. Que haja um português feliz na
presidência da República, é o meu voto. Rebelos de Sousa há muitos.
Do pensamento do político e académico do professor Rebelo de Sousa
conhecem-se três obras: “A revolução e o nascimento do PPD”, a
fotobiografia do pai, Baltazar Rebelo de Sousa e o manual universitário
Direito Administrativo Geral, com André Salgado de Matos – embora o
Professor Marcelo se apresente como constitucionalista e não como
administrativista. É alguma coisa, embora eu me dê mal com qualquer
administração e considere os seus direitos sempre excessivos e em meu
desfavor.
Tudo o resto a propósito do Professor Marcelo são crónicas e fait divers
de um tipo divertido e reinadio. Historietas de um primo que todos
temos nos ministérios e que nos conta o que ouve entre portas. Os
portugueses esperam ter notícias e comentários em primeira mão, agora
que o Professor Marcelo ocupa o mais importante estúdio da nação.
Viva a República Televisiva Portuguesa.
http://aviagemdosargonautas.net
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