Festas bizarras, noivas que trocam os saltos por
ténis confortáveis, noivos que têm o cão ao lado
como convidado de honra. A procura de
originalidade na celebração dos casamentos não
para de aumentar.
Apostar em cenários não habituais, fotografar antes e depois do dia do casamento, focar a lente no que não é óbvio — os casamentos cumprem tradições, regras e expectativas, mas noivos e fotógrafos regem-se cada vez mais pela criatividade e pela procura da diferença.
Está a ver aquele momento pós-matrimonial em que os noivos são obrigados a aviar 117 sorrisos durante hora e meia, enquanto a prima em terceiro grau arrasta os seus três filhos irritantes para o enquadramento, e 116 pessoas desesperam pela abertura do copo d’água? Esqueça. Isso é coisa do passado. Para boa parte dos noivos do século XXI, a regra passou a ser criar boas histórias e fazer com que cada casamento se torne singular e irrepetível.
Foi isso mesmo que aconteceu no enlace de Miguel e Melissa. Ela é canadiana, ele é português e adora malaguetas. O nó deu-se num casamento intitulado “Sweet and Spicy”: damas de honor e padrinhos ao estilo canadiano; fardos de palha transformados em bancos; “1979” (Smashing Pumpkins) e “Best Day of My Life” (American Authors) como banda sonora da cerimónia, em vez da clássica marcha nupcial; uma banda a atuar ao vivo; ténis coloridos a não condizer com o vestido e o fato dos noivos; balões chineses; e um cão — o Chilli — como padrinho.
Este foi o cenário. Casaram-se no Baleal, em Peniche, no topo de uma falésia, o sítio onde se conheceram. Pretendiam um casamento diferente, marcante, sem extravagâncias, leve eclean, a “romper com o clássico nos pormenores”, em que o foco fosse o casal, o filho e os padrinhos. O registo fotográfico tinha que fugir ao modelo das fotografias de família — aquele dos convidados ordenados e quase sempre aborrecidos na fila para o tradicional clique ao lado dos noivos.
E assim foi. “Toda a gente nos fala da cerimónia como uma experiência fantástica: foi divertida, descontraída, diferente, rimos imenso”, explica Miguel. “Ao mesmo tempo, quem registou a cerimónia foi discreto e descontraído. Tiveram o cuidado de atender a todas as vontades sem fugir da nossa linha de ideias.”
As fotografias com familiares e amigos continuam a ser um requisito, mas deixaram de ser uma exigência para muitos casais. “Mais do que viver o momento a 100%, hoje os noivos procuram igualmente que o seu casamento não seja apenas para eles, mas também para todos os convidados, e simultaneamente único, inovador e inesquecível”, explicam Francisca e Maria, wedding planners da empresa Casar com Graça, num mail enviado em conjunto. “Os convidados têm que ser surpreendidos em todo e cada momento, desde o primeiro impacto com o vestido da noiva, seguido do coro e das músicas escolhidas, da chegada e do cocktail. A decoração deverá tomar esta responsabilidade, seguida de várias surpresas ao longo do casamento.” A tarefa não é fácil.
"Mais do que viver o momento a 100%, hoje os noivos procuram igualmente que o seu casamento não seja apenas para eles, mas também para todos os convidados, e simultaneamente único, inovador e inesquecível."
João Pedro Correia, da empresa muito esclarecedoramente intitulada João Makes Photos and Tell Stories, afirma que existe uma tendência para que as típicas fotografias de família, quando existem, se restrinjam aos elementos mais próximos e, nesses casos, “é possível fazê-las bonitas, recorrendo a uma objetiva de maior distância focal, comprimindo e desfocando o fundo, escolhendo bem o local conforme a luz que ali existe, posicionando as pessoas — e isto é diferente de fazer poses”. Quanto ao resto dos convidados, acrescenta, recorrem muito às selfies.
Carla e Sofia, designers de formação, fazem wedding planninge tratam da imagem gráfica, da decoração e dos detalhes de casamentos na ADORO, desde 2011. Acrescentam que a fórmula encontrada para não ter sorrisos amarelos e cansados, sobretudo dos noivos, baseia-se em “antecipar e estar alerta, seja nos preparativos dos noivos ou nos momentos cruciais como o ‘sim’ ou a troca de alianças,”. Desta forma, divertem-se a registar “os ‘entretantos’ que o clássico fotógrafo de casamento acharia disparatado, mas que por experiência são muitas vezes os mais singulares”. As fotografias de família não desapareceram, mas são “distribuídas ao longo do dia do casamento, de forma bem espontânea, e sem catalogação exaustiva dos convidados”.
Ana e João, casados de fresco, procuraram o trabalho original de um fotógrafo com o qual sentiram ser possível estar “à vontade”. No dia do casamento, à saída da igreja, estava uma carrinha pão de forma à espera para os levar até ao restaurante, a eles e aos padrinhos, a quem deram boleia. Na festa, as mesas de refeição foram decoradas com fotografias dos noivos com acessórios que ajudaram a demonstrar o que os carateriza e aquilo que mais gostam de fazer. Depois, houve caixas com perucas, óculos, chapéus, máscaras, um espaço reservado para tirar fotografias com cenários, e ainda duas mascotes.
Para Ana Margarida Esteves, socióloga e investigadora no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, esta necessidade crescente da procura de originalidade, surpresa e encantamento dos envolvidos na festa, passa pelo aumento das expetativas, tanto no casamento como na maternidade. Nos dias de hoje, segundo Ana Margarida Esteves, estes momentos “passam a ser a fonte primordial de satisfação de necessidades afetivas e sociais”, até porque vivemos numa sociedade em que os “laços comunitários e da família extensa se estão a enfraquecer”.
João Monteiro Matos, investigador da mesma área, defende que “os recursos económicos são hoje mais diminutos do que em outras épocas e para muitos dos que ainda decidem celebrar o matrimónio, por vezes torna-se complicado marcar os seus convidados com algo ‘espetacular’, que os faça recordar aquele dia como inesquecível”. Mas se pode ser complicado, nem por isso os noivos deixam de tentar, apostando em soluções cada vez mais criativas e originais.
As novas foto-reportagens matrimoniais
E se há uma procura de originalidade, então o mercado também procura novas formas de dar resposta a esse desejo. Por isso, a forma de fazer negócio com as fotografias de casamentos mudou radicalmente.
José Carlos Carvalho, fotojornalista há 22 anos, atualmente a trabalhar na revista Visão, faz fotografias de casamentos ao fim de semana há 20 anos. O grande princípio que define o seu trabalho é: “trabalhar para os noivos e não para clientes individuais, como as famílias, a mãe, o pai ou as tias”. Aquilo que gosta de fazer fotograficamente é “registar o dia e não o casamento”. Afinal, há uma grande parte do dia, anterior à cerimónia na igreja, que os noivos, atolados em nervosismo, acabam por não registar na memória.
“É isto que eu acho que marca o dia”, explica. “É fotografar na altura em que ainda não têm recordações. Por isso, sempre tentei que o casamento não fosse só a partir da igreja, mas o dia e o antes, acima de tudo. Percebi que esta parte é muito interessante e que quando se entrega o trabalho, é a parte que suscita mais entusiasmo.”
Durante alguns anos, José Carlos Carvalho fotografava sozinho, acompanhava a noiva desde a saída para o cabeleireiro até à chegada à cerimónia (e a restante festa). Contudo, nos últimos cinco anos, passou a fazer casamentos com o seu colega Rodrigo Cabrita (também ele um fotojornalista premiado), que garante ter “o mesmo olhar” que o seu. “Descobri uma maneira fantástica de fazer casamentos”, afirma. “A história que antes era contada parcialmente passou a ter também o lado do noivo, o que fotograficamente é muito rico e interessante.”
Arlindo Camacho e Manuel Manso, da Artfacts, referem que na altura em que começaram a fotografar, a área da fotografia de casamentos não os fascinava, já que não se identificavam com “o estilo conservador existente no mercado”. Ainda assim, decidiram aceitar o desafio e “tentar fazer algo diferente”. O resultado tem sido positivo e o feedback encorajador.
“Acreditamos que os noivos que chegam até nós procuram uma estética fotográfica distinta e moderna”, explicam. “As novas gerações têm outra cultura visual e não são, por norma, pessoas que só procuram o datado registo fotográfico do passado, em que a única preocupação era fazer os típicos retratos dos convidados e depois ‘pendurar’ as fotografias para a compra. Hoje, a maioria dos noivos quer trabalhos dinâmicos, com conteúdos e histórias em cada fotografia.”
As referências e as inspirações adquiridas na internet, seja em blogues ou em redes sociais — sobretudo o Pinterest –, fazem com que os noivos importem ideias, estejam mais preparados para a organização de uma festa como esta, e queiram, cada vez mais, segundo Marlene da We Do Weddings, que “o seu casamento seja diferente daquilo que costumam ver e até de outros casamentos” a que já foram.
Os casais mais atentos e fantasiosos encontram verdadeiros conteúdos de fazer encher a vista em reportagens fotográficas internacionais. Basta passar os olhos, por exemplo, pelo blogueGreen Wedding Shoes.
Originalidade premiada
Com o objetivo de reunir o melhor trabalho feito nesta área, a International Society of Professional Wedding Photographers (ISWP), um grupo de 1200 profissionais e amadores especialistas em documentar casamentos, realiza por ano quatro competições com 20 categorias definidas. Ir para lá das fotos cliché dos casamentos e captar momentos espontâneos é um dos desafios.
Todos os candidatos cumprem critérios rigorosos, um deles exige que cada um tenha de ter fotografado pelo menos 50 casamentos. Outro, define que o portefólio de cada participante tem de ser analisado exaustivamente por quatro profissionais da área. Atualmente, dela fazem parte 16 membros portugueses. Ao observador, Joe Milton, um dos representantes da ISWP, informou que alguns deles já ganharam prémios. Para este profissional, os fotógrafos portugueses distinguem-se dos restantes porque “retratam nas fotografias o amor pela família e pela vida, bem como os locais espetaculares existentes em Portugal, que são únicos no mundo”.
Em 2014, entre as imagens premiadas na competição, está uma registada em Portugal num casamento que decorreu em Silves, por um fotógrafo brasileiro — Wellington Fugisse. A fotografia foi premiada na categoria “As crianças serão sempre crianças”, com o júri a distingui-la pela sua “forte composição e ótimo timing de captação” e ainda por mostrar “um ponto de vista e composição original e incomum”. Esta fotografia, e as restantes distinguidas no último acontecimento, podem ser vistas na galeria que se segue.
Rafael Vaz, membro da ISWP há três anos, é brasileiro mas tem também nacionalidade portuguesa. Em 2014 decidiu inscrever-se para representar Portugal na ISWP. Distinguiu-se na categoria “Getting Ready”. O momento foi captado enquanto a noiva se maquilhava e o noivo fazia a barba. “Resolvi posicionar o noivo de modo a captar o reflexo da noiva na janela. Ao fundo vê-se o edifício que está a ser construído onde era o Word Trade Center”, explica.
Para Rafael, contar a história mais fiel do acontecimento é “conseguir uma proximidade real com os casais”. Para isso, esclarece, é preciso tornar-se amigo deles, por forma a “entender o que é importante e conseguir chegar onde a maioria dos fotógrafos não chegam — aos sentimentos”.
Aos sentimentos e… às histórias bizarras. De um modo geral, elas nunca faltam a quem fotografa casamentos. Um dos momentos mais marcantes de José Carlos Carvalho passou-se em Cascais, quando o padre se esqueceu do casamento que ia celebrar. A noiva chegou à igreja e ficou à espera para entrar, como é normal. O noivo lá dentro não sabia o que se estava a passar. Igreja completamente cheia. Um padre incontactável. Um sacristão atordoado. Enfim: um cenário de terror naquele que é suposto ser um dos dias mais marcantes da vida de um casal.
Durante uma hora — o tempo que o padre demorou a aparecer, porque felizmente tinha um batizado marcado para a hora seguinte — a noiva esteve sempre à entrada da igreja, a desesperar. Sentou-se numa cadeira que lhe arranjaram, para não ficar tanto tempo de pé. “Esse momento”, explica José Carlos Carvalho, “proporcionou imagens espetaculares”. Uma hora de terror para os noivos ofereceu momentos extraordinários para os fotógrafos. “Captámos tudo: a noiva que não pôde entrar porque o noivo não a podia ver, o noivo que não pode ir lá fora e que ouvia comentários cómicos do género ‘ela já não vem, já não vais casar’.”
Felizmente, como sempre acontece nestas coisas, semanas depois dos acontecimentos já dava para rir sobre eles. “As reações após entregarmos o álbum foram espetaculares”, conta José Carlos Carvalho, que estava a acompanhar a noiva enquanto Rodrigo Cabrita acompanhava o noivo. Essas fotos permitiram que cada um deles visse finalmente aquilo que o outro estava a passar. “Dessa forma, aquela história ficou registada para sempre. Para eles, e para nós.”
Arlindo Camacho e Manuel Manso, da Artfacts, também têm boas histórias, entre as quais aquela que consideram ser o casamento mais criativo que já fotografaram: um casamento em que a noiva não sabia que ia casar. “Isto é real! O noivo preparou todo o casamento com ajuda das madrinhas e uma amiga levou a noiva para um almoço ‘normal’. Quando ela entrou no restaurante, na Bica do Sapato, tinha 120 amigos de fato de gala e o noivo de joelhos com um pedido de casamento, prontamente aceite pela noiva. Foi um grande dia.”
O que teria acontecido ao noivo e aos convidados se a noiva tivesse dito “não”? São os riscos da procura obsessiva pela originalidade, que cada vez mais move quem decide dar o grande passo das suas vidas. A fasquia da criatividade matrimonial está cada vez mais alta, e ainda que os casamentos durem cada vez menos tempo, o investimento na preparação da cerimónia cresce de dia para dia.
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