Acesso à terra regada por Alqueva leva o bispo a defender proposta do PCP
Presidente da EDIA considera a pequena propriedade no regadio do Alqueva uma “grande dor de cabeça”. Igreja questiona os latifúndios propondo o seu arrendamento.
O debate sobre o tema “Alqueva, desafios para a pequena propriedade”, realizado na manhã desta sexta-feira pela Caritas Diocesana de Beja, decorria sem sobressaltos, quando o bispo de Beja, D. Vitalino Dantas, pediu a palavra para lançar um desafio ao presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) José Pedro Salema.O auditório com cerca de uma centena de pessoas, na sua maioria ligadas a organizações de apoio social, ouviu surpreendido uma questão que, de certo modo, vinda da igreja, não lembraria ao diabo. D. Vitalino Dantas, nascido na região minhota, trouxe para o debate um tema escaldante: “Há 14 anos o PCP avançou uma proposta em que defendia que as parcelas no regadio do Alqueva não deveriam superar os 50 hectares”, lembrou.
Cruzam-se olhares espantados e ouve-se dizer: “Ele está a falar de quê?”
O prelado referia-se a um projecto de lei apresentado pelo PCP em 2001, sem sucesso, que estabelecia “um limite de 50 hectares” para as explorações agrícolas das áreas abrangidas pelo Perímetro de Rega de Alqueva.
D. Vitalino Dantas acrescenta um desejo: seria vantajoso para a região se “os grandes proprietários arrendassem os seus latifúndios”.
Ao PÚBLICO, fundamentou a ousadia da sua proposta. A doutrina social da Igreja é clara: “A função social da terra está em oposição ao princípio do direito absoluto que ainda condiciona as mentalidades” e no Alentejo “há empresas agrícolas que são associais, criadoras de pobreza”.
Esta posição surge em contraponto com a que foi defendida pelo presidente da EDIA. Na área abrangida pelo regadio do Alqueva “existem cerca de 20 mil hectares de pequena propriedade” a maioria com meio hectare e um hectare.
Por isso o custo da instalação das infraestruturas de regadio “foi muito superior” nessas áreas, por exigirem “mais tubagem para o transporte da água, mais hidrantes, mais sistemas de bombagem e consequentemente maior investimento energético”, para uma taxa de adesão ao regadio “muito baixa”, apesar de maior densidade dos equipamentos implantados.
Por isso o custo da instalação das infraestruturas de regadio “foi muito superior” nessas áreas, por exigirem “mais tubagem para o transporte da água, mais hidrantes, mais sistemas de bombagem e consequentemente maior investimento energético”, para uma taxa de adesão ao regadio “muito baixa”, apesar de maior densidade dos equipamentos implantados.
Isto significa “uma grande dor de cabeça para a EDIA e para um projecto que custou 2,5 mil milhões de euros” assinalou Pedro Salema. Reagindo à proposta do bispo de Beja, o gestor limitou-se a referir uma realidade. “É o problema do acesso à terra”, sem adiantar mais pormenores. Para os pequenos agricultores que denotam dificuldade em aderir ao regadio a alternativa reside na plantação de ervas aromáticas e na produção de hortícolas.
António Oliveira das Neves, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, destacou que o acesso à terra é “um problema, um verdadeiro caminho das pedras”, dando conta de que já existem no Alentejo grandes proprietários rurais que têm vindo a celebrar, no concelho de Montemor-o-Novo, contratos de arrendamento com jovens agricultores saídos do Instituto Superior de Agronomia.
O debate, organizado pela Caritas Diocesana de Beja, está integrado num projecto de cooperação transfronteiriço desenvolvido pelas Caritas da Raia (Beja, Évora, Portalegre, Ciudad Rodrigo, Cória-Cáceres) e que, desde 2012, se debruça sobre “os problemas que afligem os milhares de desempregados e pobres, vítimas de um modelo económico que exclui os mais fragilizados”.
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