MANIFESTO
Os signatários, como tanta gente, indignam-se com a degradação de Portugal ao longo dos quatro anos da Troika. Constatamos os efeitos do esboroamento das regras constitucionais, enfraquecendo a democracia onde ela tem responsabilidade social – na justiça tributária, na segurança social, na escola pública, no serviço nacional de saúde – e reforçando uma distribuição cada vez mais desigual do rendimento, o desemprego, a precariedade e a pobreza.
Constatamos também que, depois destes quatro anos angustiantes, a corajosa resistência social que se levantou contra a austeridade pode não vir a produzir uma verdadeira alternativa política. À esquerda, quando é precisa convergência, acentuam-se dissensões. Quando é preciso mobilizar alternativas concretizáveis, ouvimos vozes de conformismo. Quando são urgentes programas detalhados para responder a cada problema, notamos superficialidade e palavras gastas. Quando é preciso responder à agressão dirigida por Merkel, com o Tratado Orçamental e a austeridade perpétua, encontramos submissão. Quando é preciso esquerda, ouvimos que é a vez do centro.
As esquerdas representam-se por vários partidos, aos quais compete, em exclusivo, a determinação da sua estratégia. Não nos incumbe, como signatários deste manifesto e com posições diferenciadas, interferir nessas decisões. Move-nos a obrigação de contribuir para uma solução de esquerda para Portugal, manifestando a nossa opinião, porque queremos promover diálogos com resultados.
Quarenta anos depois do 25 de Abril, com um milhão de desempregadas e desempregados, com a finança a cobrar um resgate que tem devastado a vida dos portugueses, com os contratos colectivos enfraquecidos, com a perda de acesso e de qualidade tanto na saúde como na educação e na cultura, com o risco anunciado de uma mudança da lei eleitoral feita à medida da perpetuação artificial do bloco central, as esquerdas não podem continuar a ser o que sempre foram. Resistir é pouco para salvar Portugal. Aguentar não é suficiente para mudar. Em nome dos trabalhadores, reformados e jovens, homens e mulheres, que no país continuam a sofrer, é preciso mais e queremos consegui-lo. O maior ataque que os direitos sociais e a democracia têm sofrido nos últimos 30 anos exige soluções corajosas.
Só a esquerda pode salvar Portugal, restaurar a esperança e reconquistar a democracia para resolver a crise, reestruturando a dívida em prejuízo da finança e assumindo a prioridade do emprego contra as imposições feitas em nome do euro.
Apelamos por isso a que os principais partidos da esquerda que recusa sem ambiguidades a austeridade, bem como milhares de independentes e activistas, se associem num pólo político, com uma resposta política clara para toda a gente. Um pólo de esquerda significa não somente afirmar uma razão mas também que passará a haver uma proposta de governo que quer disputar a vitória. O pólo das esquerdas unidas, que saiba merecer um resultado histórico, afirmar-se-á como a única alternativa para Portugal. Esse pólo ameaçará a bipolarização, mostrará a convergência de fundo entre o PSD e o PS em torno da austeridade – como fica claro na sua união na ratificação do Tratado Orçamental e dos mecanismos de subtracção de soberania a Portugal em matéria orçamental – e colocará na política as soluções que têm faltado. Nas eleições, esse pólo será a garantia de que um novo governo que aceite o Tratado Orçamental, com a continuação da austeridade e novos cortes contra os serviços públicos e o emprego, terá pela frente uma esquerda capaz de o substituir.
A direita trouxe o país ao empobrecimento e o PS limitou-se a prometer fazer melhor a mesma política nas mesmas restrições nacionais e europeias. Para ser governo, a esquerda tem de ser ruptura.
Ao apelarmos à constituição de um pólo político que tenha força bastante para enfrentar a inevitabilidade da austeridade e do mando do capital financeiro, queremos evitar que as esquerdas caiam na armadilha da resignação. Por melhores que pudessem ser os resultados de um ou outro partido, as eleições estarão perdidas para todas as esquerdas se, depois de três anos de Troika, o nosso povo tiver pela frente trinta anos de empobrecimento. As esquerdas ficarão reféns do voto útil e da alternância, a não ser que abram a porta para uma solução, comprometendo-se com uma proposta forte para salvar Portugal. Essa proposta é a esperança e trabalhamos para ela.
António Borges Coelho, historiador
Carlos Mendes, músico
Cláudio Torres, arqueólogo
Domingos Lopes, advogado
Fernando Rosas, prof. univ.
Guilherme Statter, sociólogo Isabel Allegro de Magalhães, prof. univ.
Jaime Teixeira Mendes, médico
Joana Lopes, doutorada em filosofia
João Correia da Cunha, médico
Jorge Leite, prof. univ.
José Neves, prof. univ.
Luís Bernardo, historiador
Luís Cília, músico
Luís Reis Torgal, prof. univ.
Manuel Carlos Silva, prof. univ.
Manuel Loff, prof. univ.
Mariana Avelãs, tradutora
Mário de Carvalho, escritor
Pezarat Correia, militar
Santos Cardoso, administrador hospitalar
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