Coisas da idade
O rapazelho que estava ao meu lado no balcão do bar daquele café de praia olhou para mim, afastando mesmo a cabeça para ganhar perspetiva, quando eu pedi um "Gordon's". A empregada mirou-me como se eu viesse de Marte e repetiu, quase atónita: "Gordon's?' Quer um Gordon's?!"
Pedir um gin, por via da moda em que a bebida entrou, transformou-se, nos últimos anos, numa operação de alta sabedoria e requinte, com uma multiplicidade de marcas, cheias ou não de sabores, mais ou menos exóticos. Há casas dedicadas exclusivamente a essa bebida que, segundo a lenda, conservou na vida muita e distinta gente, até muito tarde, desde logo a sua mais famosa consumidora diária, a raínha-mãe inglesa. Em determinadas condições de estado de espírito e temperatura, sou um consumidor episódico dessa bela bebida de fim da tarde, mas gosto de sentir o álcool, não quero o "gin & tonic" excessivamente diluído em águas mais ou menos adocicadas, com "especiarias" a armar ao moderno. E gosto de "Gordon's", pronto! Embora reconheça que um "Bombay", um "Hendrick's", um "Tanqueray" ou o americano "Leopold's" são excelente gins - e, repito, estou muito longe de ser especialista na matéria. Se quiserem falar de "whiskies" ou "vodkas" (também dos sem "cheirinhos") já é outra história...
A miúda do bar, perplexa mas complacente, lá descortinou uma garrafa de "Gordon's" escondida na miríade de marcas que enchiam as prateleiras. Deduzi que o último consumidor do que eu pedia deveria ser do tempo do "arroz de quinze".
Sem espanto, vejo-a ir buscar um daqueles copos redondos, tipo bola de andebol, e preparar-se para o atulhar de gelo, e nele colocar uma gotas do "meu Gordon's", sob um mar de água tónica, como agora aprendem a fazer estilosamente, no sonho para imitarem o Tom Cruise no "Cocktail". Não resisti à provocação: "Não, não! O "Gordon's" não se serve nesses copos. Quero um copo alto". A jovem aceitou, com alguma relutância, os meus cabelos brancos como argumento de autoridade, mas continuava a não esconder a sua perplexidade. De certa forma, partilhava, pelo curto olhar trocado, uma surda cumplicidade etária com o puto ao meu lado no balcão, que continuava a sorrir de soslaio.
Como a medida do gin no copo alto lhe era menos familar, a miúda esperou que eu lhe dissesse quando deveria parar de encher. Propositadamente, deixei-a "subir" o líquido no copo, de forma exagerada. Quando lhe disse o "assim!", já esgaseada pela escassez do espaço que sobrava para duas pequenas pedras de gelo e um pouco de água tónica, concluí: "Sabe? O "Gordon's" é um gin especial. Serve-se sempre assim, em doses para homem..." Não dei a confiança ao puto de ver a cara que terá feito.
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