Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Montemor-o-Novo, Santiago do Escoural
Comício de Evocação dos 35 anos do assassinato de Caravela e Casquinha e do ataque à Reforma Agrária
Sexta 26 de Setembro de 2014
hoje precisamente 35 anos que José Geraldo (Caravela) e António Maria do Pomar Casquinha foram assassinados pelas forças da GNR e pelos agrários, na Herdade Vale do Nobre da Unidade Colectiva de Produção Bento Gonçalves.
Estavam ali, juntamente com outros companheiros, protestando e tentando impedir o roubo de gado decidido por um poder político que se vinha afastando das aspirações de progresso e desenvolvimento da Revolução de Abril, e tomava o caminho da contra-revolução que conduziu à destruição das suas conquistas e o País à dependência e à crise que hoje enfrentamos.
Estavam ali, em defesa da Reforma Agrária que acabara de nascer, fruto da luta heróica dos trabalhadores e de Abril. Estavam ali, em defesa das terras, dos bens, das Unidades Colectivas de Produção/Cooperativas que o proletariado agrícola do Alentejo e do Ribatejo erguiam com muito trabalho, dedicação e coragem, concretizando o sonho antigo de gerações de trabalhadores que, clamando por pão, trabalho e justiça, queriam ver a terra do latifúndio entregue a quem a trabalhava!
A nossa presença aqui, constitui uma justa homenagem a dois heróis e mártires da Reforma Agrária, cujos nomes, tal como o de Catarina Eufémia e os de tantos outros, viverão eternamente no coração de todos os trabalhadores e de todos os portugueses que aspiram a um Portugal de progresso e de justiça social.
A sua morte é um marco na longa história de firmeza, da coragem e heroísmo do proletariado agrícola, na luta pela Reforma Agrária.
Ao prestar homenagem aos camaradas Caravela, militante do nosso Partido e Casquinha, jovem comunista da então UJC, e ao invocar os seus nomes, é a longa e heróica luta dos trabalhadores agrícolas do Alentejo e Ribatejo que temos presente.
Uma luta que vem de longe. Uma longa luta marcada por muitos outros actos de coragem e heroísmo de milhares de homens, mulheres e jovens que não aceitaram a servidão, a exploração, a tirania dos latifundiários, que lutaram pelo pão, pelo direito a trabalhar a terra, pelo progresso agrícola, pelo desenvolvimento do seu País, por uma vida digna para si e para os seus, por uma sociedade mais justa, onde sejam banidos o desemprego, a fome e a miséria, a exploração do homem pelo homem.
Uma luta de muitos anos para ver liberta das grilhetas da exploração a sua terra, onde uns eram senhores e outros escravos. Uma luta feita de muitos sacrifícios, imensos esforços e cuja história está escrita com sangue e com dor, mas também com grandes e importantes vitórias.
Décadas de uma luta que nunca deixaremos de valorizar devidamente, pelo que ela significou no combate e derrube do fascismo e na construção do 25 de Abril libertador, de que agora celebramos os seus 40 anos e pelo papel que nela desempenhou o nosso Partido.
Na nossa memória colectiva, perdurará para sempre o exemplo de coragem e de heroísmo demonstrados por milhares e milhares de proletários agrícolas, as perseguições, as prisões, os espancamentos, as torturas a que foram submetidos pela brutal repressão fascista.
Há quem gostasse de ver arredado da nossa memória e da memória do nosso povo, o percurso, os exemplos de dignidade, de combatividade, de abnegação, o património de luta e de conquistas de gerações de trabalhadores e deste Partido Comunista Português.
São aqueles que querem perpetuar a exploração e os seus aliados que, sabendo o valor da memória e do conhecimento da história, tudo fazem para que as novas gerações percam o fio condutor que até aqui nos trouxe, para mais facilmente imporem o seu objectivo de fazer recuar essa mesma história, ao tempo das gerações sem direitos e da exploração sem limites como é objectivo do actual Governo do PSD/CDS.
Mas, desenganem-se, porque nós jamais vamos deixar esquecer os nossos combatentes caídos na luta. Deles faremos, como diz a «Heróica» de Lopes-Graça, as bandeiras e os guias dos combates que travamos!
Tal como jamais deixaremos, sem denúncia e sem combate, falsificar a história da sua luta pela liberdade, pela democracia, pelo progresso das suas gentes, das suas terras e do seu País, pela sua própria emancipação!
Uma história, onde a Reforma Agrária, está escrita com letras de ouro, pelo que significou de realização colectiva, de transformação, de avanço em direcção a um mundo em construção, liberto de exploração.
A história dessa realização ímpar onde, pela primeira vez no nosso País, os trabalhadores decidiram tomar as terras do latifúndio e com elas, nas suas próprias mãos, o seu destino, concretizando um inovador programa de transformações económicas e de justiça social.
A história de um processo original de ocupação de terras e criação de Unidades Colectivas de Produção, realizado para responder a necessidades imediatas de defesa da economia e de defesa das próprias liberdades, quando a Revolução era confrontada com sabotagem económica dos grandes agrários com as fugas de gado e maquinaria, abandono de culturas, incêndios de olivais e searas e os trabalhadores viam o desemprego a aumentar e, tal como no passado fascista, a fome e a miséria instalar-se nas suas casas.
A história de uma Reforma Agrária que “surge natural como a própria vida” para resolver o problema do desemprego e da produção, como solução indispensável e inadiável, num processo em que milhares de homens e mulheres, sem os senhores do mando e da exploração, passaram a trabalhar mais de um milhão de hectares de terra, a desbravar matagais e terras incultas, a organizar e a dirigir a produção agrícola; transformando radicalmente as estruturas agrárias; diversificando o processo de produção e, com isso tudo, pondo fim ao desemprego e conquistando melhorias radicais nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações.
Num tempo em que a reacção tudo fazia para o regresso ao passado fascista, a Reforma Agrária deu um contributo determinante para a defesa e consolidação da democracia conquistada em Abril, para responder às necessidades do País.
Ao contrário do que propalavam os propagandistas da contra-revolução e os reaccionários de todos os matizes, a Reforma Agrária não foi importada de lado nenhum e muito menos foi uma criação artificial, antes nasceu do esforço e da imaginação criadora dos trabalhadores organizados nas suas mais de 500 UCP’s/Cooperativas – elas próprias uma solução original, enquanto estruturas produtivas de novo tipo, nascidas dessa mesma criatividade.
À sua volta se uniram populações inteiras na sua realização e defesa, e para as quais a Reforma Agrária, como afirmava Álvaro Cunhal, numa das muitas vezes que aqui esteve, “se tornou justamente o maior bem, a mais querida conquista, o próprio motivo do gosto pelo trabalho e pela vida”.
A Reforma Agrária foi, desde o início, alvo de ataques, os mais diversos, e de uma desenvergonhada campanha de mentiras e calúnias, deformando e caricaturando os seus verdadeiros significados, objectivos e resultados alcançados.
Em relação aos resultados alcançados o seu êxito é inquestionável. Trata-se de uma obra notável de desenvolvimento agrícola e de natureza social – uma realidade consagrada na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de Abril de 1976.
Bastaria comparar o antes com o depois da Reforma Agrária. Todos os indicadores revelam a superioridade da Reforma Agrária em todos os domínios.
Na área semeada, antes era 94 000 hectares, com a Reforma Agrária quase quadruplicou – 395 000 hectares. Área de regadio antes eram 9 300 hectares, com a Reforma Agrária chegámos a ter 23 700 hectares de terra regada. A produção de arroz antes correspondia a 23 500 toneladas com a Reforma Agrária a produção duplicou,- chegou a atingir 48 000 toneladas. A produção de tomate seguiu o mesmo caminho, passou de 73 000 toneladas para 180 000. No que diz respeito, por exemplo a efectivos animais passou-se de 81 000 cabeças normais para 190 000 e a tractores passou-se de 2 690 para 4560.
Com a Reforma Agrária os postos de trabalho saltaram de 21 700, entre trabalhadores efectivos e eventuais, para 71 900. Este foi um dos raros períodos da história do último meio século no Alentejo em que a região não conheceu o flagelo do desemprego, não perdeu população e viu muitos dos seus filhos regressar à terra.
Também ao nível do investimento e considerando os anos entre 1976 e 1989, a diferença é significativa e revela a elevada capacidade de realização da Reforma Agrária: 1560 construções e reparações em captações de água e 322 barragens e albufeiras; preparação e beneficiação de 300 000 hectares de terra; 1918 instalações para gados, entre muitos outros investimentos, envolvendo, a preços correntes convertidos em euros, dezenas de milhões de euros!
As UCP’s/Cooperativas tomaram medidas que conduziram a uma notável melhoria das condições de vida dos trabalhadores; estabeleceram salários fixos, diminuíram a diferença entre os salários dos homens e das mulheres, criaram creches, jardins-de-infância, centros de dia, postos médicos, investimentos, convertidos a preços de hoje, no valor de 10 milhões de euros.
Tudo isto debaixo do fogo de uma violenta ofensiva das forças reaccionárias, incluindo as que se encontravam no próprio aparelho estatal, que agiam no desprezo e na infracção da legislação que entretanto fora promulgada.
Ilegalidade que foi ostensivamente assumida como instrumento de acção. Os mandantes e os executantes da ofensiva criminosa contra a Reforma Agrária sabiam que estavam a agir fora da Lei Fundamental do País e os mais de 500 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, favoráveis às UCP's, e que não foram cumpridos pelos vários governos.
Uma ofensiva iniciada em 1976, pelo Governo do PS/Mário Soares, e prosseguida por todos os governos que se seguiram: PS/CDS; PPD/CDS; PS/PPD e PPD sozinho.
Uma ofensiva que teve na famigerada «Lei Barreto», o ponto de partida da ofensiva no plano legislativo e na operação de adesão de Portugal à CEE/UE um instrumento fundamental de destruição destas e de outras importantes conquistas de Abril.
Uma ofensiva que durou 14 anos, que pôs o Alentejo a ferro e fogo, numa ostentação e intervenção brutal de forças e de repressão, envolvendo helicópteros, aviões, jipes, cavalos, cães, auto-metralhadoras; com milhares de GNR e elementos da Polícia de Choque, invadindo e ocupando dezenas e dezenas de povoações, perseguindo, prendendo, espalhando o terror.
Os camaradas assassinados Caravela e Casquinha, que aqui hoje homenageamos, são o exemplo da ferocidade da repressão desencadeada, contra a Reforma Agrária e que adquiriu um carácter abertamente fascista.
A Reforma Agrária acabou por ser destruída e o latifúndio restaurado, trazendo novamente ao Alentejo as terras abandonadas, a desertificação e o desemprego, enquanto umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros sem que lhes seja exigida a produção seja do que for.
Acabou por ser destruída, mas não pôs fim ao sonho, nem à necessidade e actualidade de, nas actuais circunstâncias, se concretizar uma Reforma Agrária.
Uma Reforma Agrária que liquide a propriedade fundiária e o absentismo, ponha fim à cultura do subsídio sem correspondência com a produção e entregue a terra a quem a trabalhe, a título de propriedade ou de posse, a pequenos agricultores e rendeiros, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de exploração da terra por trabalhadores.
Esse sonho nunca o abandonaremos, como não abandonaremos a luta pelo desenvolvimento destas terras do Alentejo, com a concretização de uma política capaz de combater a desertificação e o despovoamento crescente a que assistimos.
Outra política que aposte decisivamente na produção nacional e valorize os nossos recursos com mais investimento para dinamizar a agricultura e a produção agro-industrial, criar emprego e desenvolver as economias locais e rurais.
Outra política que tenha como objectivo garantir a soberania alimentar do País que não está assegurada e que, cada vez mais, é posta em causa por esta política de desastre nacional que permanece há quase quatro décadas e que tem no actual governo de turno do PSD/CDS, uma das versões mais negras dessa política a favor dos grandes senhores do dinheiro e da terra.
O nosso povo vive tempos muito difíceis. Três anos de Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS impuseram ao País tornaram ainda mais dramática a vida dos portugueses com o desemprego, o roubo dos salários e das reformas, o aumento brutal dos impostos, o retrocesso do sistema de protecção social, o ataque aos serviços públicos.
Três anos de contínua degradação económica e social, e de empobrecimento do povo e do País.
Três anos trágicos que querem prolongar ampliando o sofrimento de milhões de portugueses, agora com um novo pretexto – o do cumprimento do Tratado Orçamental da União Europeia que PS, PSD e CDS aprovaram, amarrando o País às mesmas políticas de austeridade e saque destes últimos anos.
Por isso mantêm a perspectiva de continuar a sanha exploradora e destruidora das políticas do Pacto de Agressão com novos cortes nas funções sociais do Estado, nos salários, nas reformas e no emprego, nas condições de trabalho dos portugueses!
Nos próximos 5 anos significarão cerca de sete mil milhões de euros de cortes que, inevitavelmente, se traduzirão em menos direitos para as populações com uma maior degradação dos serviços públicos de saúde, educação, segurança social e justiça, entre outros.
Por isso continuam a roubar salários como acabaram de decidir, enquanto têm em curso um novo ataque aos rendimentos e direitos dos trabalhadores com a sua projectada destruição da contratação colectiva de trabalho.
Por isso mantêm em carteira, temporariamente suspenso à espera da melhor oportunidade, um ataque em forma ao sistema de pensões como já o chagaram a anunciar, visando a desvalorização das reformas e tornando permanentes os cortes que têm imposto.
Todo um programa de retrocesso social visando reduzir drasticamente os direitos conquistados com o 25 de Abril e o aumento da exploração do trabalho.
Interromper este rumo de destruição e de contínuo empobrecimento dos trabalhadores e do povo é um imperativo nacional!
Isso exige continuar a luta até à derrota definitiva deste governo do PSD/CDS, mas exige mais do que isso. Exige que seja também derrotada a política de direita que, no essencial, tem sido prosseguida por todos aqueles que têm governado o País em todos estes anos e que tem conduzido à destruição do património de Abril.
Num tempo em que o ainda maior enriquecimento de uns poucos, impõe o brutal retrocesso social e o empobrecimento da maioria do nosso povo, homenagear Caravela e Casquinha é também continuar a luta que abraçaram e pela qual morreram em defesa dos interesses do seu povo e da sua terra.
E por isso aqui estamos, com confiança na luta, com a certeza de estarmos do lado certo, do lado dos que têm como ideal a realização das aspirações dos trabalhadores e do nosso povo, agindo e lutando, convictos de que o sacrifício dos camaradas Casquinha e Caravela, como todos os outros sacrifícios, não foram em vão, que o dia virá em que o futuro pertencerá ao nosso povo!
Valeu, vai valer a pena persistir na luta por uma vida melhor, tendo sempre presente o nosso projecto e ideal comunista.
Carlos Fonseca
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