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domingo, 21 de setembro de 2014

A praia dos reis - Nos primórdios do turismo D. José tratou os seus males nas termas do Estoril, D. Luís passava o verão na cidadela e D. Carlos divertia-se em regatas na baía de Cascais. Muito antes de a Costa do Sol se tornar uma estância de luxo, já os monarcas e a corte desfrutavam dos banhos de mar


A praia dos reis
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Nos primórdios do turismo
D. José tratou os seus males nas termas do Estoril, D. Luís passava o verão na cidadela e D. Carlos divertia-se em regatas na baía de Cascais. Muito antes de a Costa do Sol se tornar uma estância de luxo, já os monarcas e a corte desfrutavam dos banhos de mar.
Ao princípio, o Estoril vivia de costas para o mar. Não havia hotéis com vistas esplêndidas nem passeios à praia. Até praticamente ao século XIX, a costa era sinónimo de perigo, sobretudo dos ataques de piratas e corsários, e era no interior que o povo encontrava o sustento providenciado pelas terras de cultivo.
Com as suas águas calmas, a baía de Cascais era o local ideal para os barcos que entravam no Tejo com rumo a Lisboa se refugiarem durante as tempestades ou esperarem por ventos e marés favoráveis. Esta costa – designada de Santo António até ao século XX – funcionava também como sentinela avançada da capital, uma primeira linha de defesa pronta a dar o alarme quando se aproximava uma armada inimiga.
A importância de uma linha de costa forte era ainda maior em períodos de guerra com Castela, razão pela qual Cascais – então uma pacata vila piscatória – contava com um castelo pelo menos desde 1367, altura em que surge a primeira referência escrita à edificação. Ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, muitas outras fortificações foram erigidas, como a Torre de Santo António de Cascais (inserida no conjunto da cidadela) ou os fortes de Santo António da Barra (conhecido também por “forte de Salazar”, por ter sido habitado pelo ditador), de Santo António da Cruz da Assubida (sobre cujas ruínas foi construído o Chalet Barros em 1894) e de Santo António do Estoril, de São Teodósio e de São Pedro do Estoril.
Além de alguns eventos militares, pouco há a registar na história do Estoril até ao século XIX. A exceção são as suas águas termais, conhecidas pelo menos desde 1527 e utilizadas até hoje, com algumas interrupções, para tratamento do reumatismo, de problemas respiratórios e de doenças de pele. Curiosamente, a primeira menção que se conhece a um bal­neário construído para aproveitar os benefícios daquelas águas pertence a um espião do rei Filipe II, num reconhecimento da costa datado de finais do século XVI.
Terapia de choque
O mais ilustre visitante dos chamados “banhos do Estoril” foi D. José, que, em 1775 e 1776, ali fez tratamentos para aliviar as chagas das pernas. O monarca chegava mesmo a levar os seus cães de caça para que as feridas dos bichos cicatrizassem mais depressa. Durante a terapia, que decorria nos meses de verão, o rei ficava hospedado com a família na quinta do marquês de Pombal, em Oeiras. Para que não faltasse conforto a Sua Majestade, o marquês mandou arranjar, de propósito, a estrada entre Oeiras e o Estoril.
No entanto, o Estoril só começaria a afirmar-se como destino de veraneio mais de 200 anos depois de D. José, graças ao impulso de outros dois monarcas: D. Luís e D. Carlos. Desde o final do século XVIII que começava a espalhar-se pelos países mais avançados da Europa, com a Inglaterra à cabeça, o hábito dos banhos de mar. Na altura, eram vistos como uma terapia, semelhante a uma temporada de termas, que ajudava a combater os malefícios da vida na cidade.
Inicialmente, o tratamento prescrito era radical: sete mergulhos de madrugada, de preferência saltando da prancha de uma embarcação, e alguns copos de água do mar. Uma obra de 1821, Aviso acerca dos Banhos de Mar ou Direcção Precisa às Pessoas que houverem de fazer Uso deles, aconselhava uma aproximação lenta à água, seguida de súbita imersão e saída após dois ou três minutos, para “despir logo a roupa com que o tomaram, (…) limpando muito bem todo o corpo, e passando mesmo a esfregá-lo por algum tempo, (…) com um pano de linho enxuto”. Com vinte destes banhos tomados, num máximo de dois por dia, a pessoa começaria a obter melhorias nas suas maleitas.
O rei apaixonado pelo mar
Com o passar dos anos, os métodos suavizaram-se, mas os benefícios da praia continua­ram a fazer escola. Em 1876, no livro Praias de Portugal, Ramalho Ortigão elogiava o ar marítimo, “tão salutar às pessoas fracas”: “Pelo simples facto da residência à beira-mar, como numa localidade elevada, o apetite aumenta, a digestão opera-se mais regularmente e mais rapidamente, a respiração exerce-se com mais atividade, o sistema nervoso sobreexcita-se.”
Neste período, a temporada à beira-mar já se transformara num verdadeiro acontecimento social, uma forma de ócio que ia muito para lá dos pressupostos terapêuticos iniciais. Numa primeira fase, o veraneio estava reservado às classes mais elevadas e endinheiradas, mas rapidamente a moda pegou e a classe média começou a seguir-lhes o passo, procurando locais mais económicos, como a Cruz Quebrada e Algés, às portas de Lisboa.
A corte e a família real não ficaram imunes à nova prática balnear que entrava em voga. Embora quase todos os membros da casa real tomassem banhos no Tejo em frente a Belém desde D. Maria II, será o rei D. Luís, com a sua ida para Cascais, a transformar as idas ao mar num hábito diário. Obrigado a abandonar a carreira naval a contragosto para suceder ao seu irmão, D. Pedro V, no trono de Portugal, D. Luís encontra ali o local ideal para matar as saudades do mar e faz da antiga casa do governador da cidadela a sua residência de veraneio. A paixão pelo oceano leva o monarca a participar na fundação da Real Associação Naval, em 1856, e nas primeiras regatas promovidas em águas nacionais.
Graças às suas praias, Cascais passava assim a integrar, com Sintra e Lisboa, o triângulo de lazer do rei, que ali chegava em meados de setembro, regressando à capital no fim de outubro, apesar do pouco conforto do palácio instalado na cidadela, descrito por uma sobrinha de Napoleão de visita a Portugal, a parisiense Maria Rattazzi, como “um casarão mal mobilado e sem nenhuma espécie de atrativos”.
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Rainha à beira da tragédia
Eram dias descansados, aqueles que o rei e a rainha passavam em Cascais, como descreve o historiador João Miguel Henriques em Da Riviera Portuguesa à Costa do Sol (Edições Colibri, 2011): “D. Luís e D. Maria Pia tomavam banhos de mar na Praia da Ribeira, pela manhã, enquanto os seus filhos se dedicavam a esta atividade na Praia da Boca do Asno, mais protegida. O dia era depois ocupado com passeios, excursões e burricadas em família até locais mais distantes – o Estoril, a Guia ou o Guincho, onde por vezes se organizavam piqueniques – e atividades desportivas como a pesca, a vela, o remo, a caça, o tiro aos pombos e a equitação que a imprensa da época noticiava profusamente, a fim de satisfazer um público ávido de novas da família real.”
Um dos habituais passeios de D. Maria com os filhos, junto ao mar, quase terminou em desgraça, em 2 de outubro de 1873. Quando estavam a apreciar o oceano revoltoso na praia do Mexilhoeiro, entre a Boca do Inferno e o Farol da Guia, os príncipes foram arrastados por uma onda. D. Maria atirou-se à água de imediato e conseguiu alcançar D. Afonso, mas a família só se salvou graças ao auxílio do ajudante do faroleiro da Guia, António de Almeida Neves. A coragem do homem valeu-lhe uma condecoração e uma pensão vitalícia de quatro libras por mês.
Como não poderia deixar de ser, a presença da família real levou até à costa de Cascais um grande número de cortesãos, como escreve a historiadora Margarida de Magalhães Ramalho em Estoril – A Vanguarda do Turismo (By the Book, 2010): “Com ela [a família real], virá a corte que se vai instalar nas poucas casas disponíveis na vila. Sem qualquer conforto, as principais famílias de Portugal irão ocupar, entre setembro e outubro, modestas casas de pescadores, de brancas paredes caiadas e soalhos gastos, onde destoavam certamente os criados de libré, as carruagens sumptuosas e as preciosas baixelas de prata trazidas dos palácios de Lisboa.”
24 horas de ócio
Tal como a família real, os nobres ocupavam os dias com banhos, piqueniques e passeios de barco, a pé ou a cavalo. Os serões eram passados no paço da cidadela, enquanto, no lado de fora, a banda de Infantaria 2 tocava o seu repertório. A vida social foi-se alargando à medida que as principais famílias construíam palacetes à beira-mar e abriam os novos salões aos seus círculos de amizades, organizando festas e quermesses de beneficência nos jardins.
Começaram também a abrir portas casinos e clubes, dos quais o mais famoso será o Casino da Praia, inaugurado em 1873, junto à praia da Ribeira. O novo ponto de encontro dos veraneantes abria logo pela manhã e dispunha de salas de convívio e de jogo, além de um restaurante com um varandim sobre a praia. “Aqui se dançava, jogava, conversava e namorava sob o olhar atento das mães. Também se recitava poemas e as senhoras ou meninas mais prendadas mostravam os seus dotes musicais tocando piano”, escreve Margarida de Magalhães Ramalho. “Nestes salões fazia-se, no final do verão, a entrega dos prémios das regatas que se realizavam na baía e que contavam sempre com a presença da família real.”
Em 1877, Mariano de Carvalho impressionava os presentes no terraço do Casino da Praia com as primeiras experiências com luz elétrica em solo português. Um ano depois, a 28 de outubro, dia de aniversário do príncipe D. Carlos, inaugurava-se oficialmente a iluminação elétrica em Portugal, com candeeiros vindos expressamente de Paris. O Casino da Praia manteve-se como ponto de encontro de eleição das famílias a banhos até à fundação do Sporting Club de Cascais, em 1879, uma sociedade desportiva e recreativa na qual só tinha entrada a nata da sociedade da época.
Em 1889, sentindo que a morte se aproximava – devido a sífilis, dizem uns, ou a cancro, defendem outros –, D. Luís decide passar os últimos dias junto ao oceano que tanto amava, na cidadela, onde falece a 19 de outubro.
O novo rei mantém a tradição da presença sazonal em Cascais e, no final de agosto de 1891, regressa à cidadela, para ali permanecer até novembro. “Amante do mar e dos desportos ao ar livre, D. Carlos frequenta a praia, onde toma banho, anda de barco e pesca. À tarde, joga ténis no Real Sporting Club, faz tiro aos pombos junto à casa do seu secretário e amigo Bernardo Arnoso (hoje, a sede da Marina de Cascais) ou passeia a cavalo. Aguarelista notável, D. Carlos aproveita as horas livres para pintar”, descreve Margarida de Magalhães Ramalho.
Imbuído da curiosidade científica característica da época, o rei vai adaptar vários barcos de recreio para levar a cabo as primeiras campanhas oceanográficas portuguesas. Na cidadela, instala o primeiro laboratório de biologia marítima do país, onde estuda as espécies capturadas durante os trabalhos a bordo.
Após o assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro, em 1908, D. Amélia e o jovem rei D. Manuel II não voltam a passar férias em Cascais. No entanto, o fim da monarquia não impediu o desenvolvimento das novas estâncias balneares, uma vez que o hábito do veraneio estava já consolidado por esta altura – o próprio presidente da República passou algumas temporadas na cidadela.
Por outro lado, começaram a desenvolver-se praias onde passavam férias algumas importantes famílias republicanas. Foi o caso da Parede, onde surgiram dois sanatórios, no início do século XX, para aproveitar os benefícios do microclima da região no tratamento da tuberculose óssea.
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Revolução sobre carris

Embora começasse a integrar os guias de viagens nacionais e estrangeiros, a nova estância apresentava ainda, em finais do século XIX, um grande défice de equipamentos. “Para corresponder à posse deste privilégio de chique balnear, Cascais, além da serenidade azul da sua baía e da cidade em que por algum tempo reside a família real, dispõe apenas de um medíocre hotel, de um club de sport e de um casino de aspeto pacato como o de uma botica hospitaleira, onde à noite se joga ou bailarica ao piano”, escreve Ramalho Ortigão em 1876.
Também ao nível dos transportes se tornava premente uma revolução. Ela aconteceu, a 30 de setembro de 1889, com a chegada do primeiro comboio a vapor, que ligava Pedrouços, na confluência de Lisboa e Oeiras, à vila de Cascais em apenas hora e meia. O comboio, que chegaria depois ao Cais do Sodré, seria o maior instrumento de desenvolvimento do município, registando mais de dois milhões de passageiros anuais no período entre 1898 e 1901. A costa de Cascais deixava de estar reservada à corte e à burguesia endinheirada. A partir de então, o mais comum dos alfacinhas podia aproveitar o domingo para dar um passeio pela praia, jogar nos casinos ou simplesmente admirar os palacetes e espaços de recreio dos ricos e poderosos.
Surgiram também, nesta época, empreendimentos imobiliários importantes, como o Monte Estoril, lançado em 1888. Inspirado nas reputadas praias francesas de Cannes, Arcachon e Saint Raphael, o projeto foi idealizado pelo conde de Moser como “estação vera­neal e hibernal, quase um sanatório, que devia reunir os atrativos usados no estrangeiro para chamar a concorrência, servir de refúgio à população de Lisboa que precisasse de metalizar o seu sangue e atrair viajantes estrangeiros”.
Os banhos da poça
A nova estância balnear, construída numa zona onde pouco mais havia do que três ou quatro casas, começou por receber sobretudo famílias da alta burguesia lisboeta, mas ganhou novo prestígio a partir de 1892, quando, após a morte de D. Luís, a rainha ali compra um chalet à beira-mar. A presença de D. Maria Pia levou à terra muita aristocracia e dotou-a de uma tal animação que o Monte Estoril chegou a rivalizar com Cascais, embora tenha perdido importância a partir da implantação da república.
Também São João do Estoril ganhava nova vida, sobretudo a partir de 1890, aproveitando a fama das suas águas termais, os chamados “Banhos da Poça”. Construído na altura, o edifício das termas ainda existe junto à praia, servindo hoje de jardim de infância.
Em Santo António do Estoril, o ex-libris continuava a ser as termas onde D. José se banhara, às quais acorriam cada vez mais pessoas procurando alívio para as suas maleitas. Em 1880, o antigo balneário é substituído por um novo e vistoso edifício perto do atual Casino Estoril. “Inspirando-se no gosto ‘neo-árabe’ muito em voga na época, estas termas faziam lembrar um pequeno palácio das mil e uma noites”, escreve Margarida de Magalhães Ramalho. Hoje nada resta do edifício. Após várias remodelações e quase 50 anos de desativação, abriu em 2010 um novo complexo termal que não guarda senão a memória dos seus antecessores.
Estoril-les-Bains
Em 1888, Ramalho Ortigão mostrava espírito visionário ao escrever: “Estoril-les-Bains tornou-se para nós uma necessidade social. A meia hora de Lisboa, por um caminho-de-ferro de luxo, na margem do Tejo, Estoril-les-Bains com o seu grande estabelecimento de banhos, com o seu casino, com as suas salas de ópera e concertos, com as suas roletas, com os seus pavilhões enigmáticos, com os seus cottages misteriosos e com os seus camarões permanentes em ambiente reservados, é um imprescindível complemento da civilização que felizmente desfrutamos.”
O futuro projetado pelo escritor só começaria a concretizar-se a partir de 1914, pela mão de Fausto de Figueiredo. Impressionado por uma longa temporada que passara na cidade costeira de Biarritz, em França, o empresário decidiu transformar o Estoril numa estância de luxo capaz de competir com os mais concei­tua­dos destinos internacionais. O Casino Estoril, o Palace Hotel e o Hotel do Parque foram algumas das obras emblemáticas do projeto, que também incluiu quadras de ténis e um dos primeiros campos de golfe em Portugal. A fúria imobiliária em volta do novo parque foi tal que, em 1922, o governo se viu forçado a legislar no sentido de refreá-la.
Associando pela primeira vez infraestruturas de qualidade ao seu clima extraordinário, o Estoril ganhou prestígio e começou a receber, sobretudo a partir dos anos 1930, cada vez mais estrangeiros da alta sociedade vindos de vários pontos da Europa. Adotando o nome de Costa do Sol, a zona viria a acolher uma enorme quantidade de estrelas de cinema e de refugiados ilustres que aproveitavam a neutralidade do país numa Europa em guerra. Com eles, chegaram também agentes secretos de ambas as partes em conflito, num vaivém entusiasmante que inspirou o escritor Ian Fleming a criar, em 1941, o agente secreto 007, James Bond. Mas essa é uma outra história.
L.G.

A expulsão das espanholas
A chegada de um número cada vez maior de veraneantes à Costa do Estoril fez florescer um importante negócio paralelo: a prostituição. De acordo com o Diário de Notícias, em 1869, havia em Cascais 46 profissionais do sexo vindas de Espanha, levando Ramalho Ortigão a escarnecer: “Assim como pela manhã se pergunta para o banho – ‘há maré?’ – assim à noite se pergunta para o baile – ‘há espanholas?’ ”.
Dezenas de prostitutas acabaram por ser expulsas da vila, em 1892, sob o protesto de muitos homens. A medida terá sido solicitada pela rainha D. Amélia, preocupada com as escapadelas do marido, que gostava de diversificar as suas companhias femininas. Aliás, durante a maior parte do ano, o rei e a rainha levavam vidas separadas debaixo do mesmo teto, no Palácio das Necessidades. Próximo do paço, D. Carlos tinha um prédio de habitação onde se encontrava com as suas amantes, de quem teve vários filhos ilegítimos.
“A requerimento do cônsul de Espanha foram expulsas de Cascais umas trinta ou quarenta espanholas, que para lá tinham ido às sobras da gentilhomeria equestre e pedestre, e que pelos modos, em amazonas intrépidas, não contentes com terem tomado posse da vila, já começavam a refilar os gatázios para se apoderarem também da cidadela…”, escreveu, em 1892, Fialho de Almeida.
No entanto, de acordo com o jornalista e escritor, a interdição não se manteve por muito tempo. “Primeiro, ela retirou de Cascais a alegria das noites, quando depois da ceia e antes da batota, à rapaziada ocorre fazer sobre a areia da praia, um pouco de sexo. Segundo, às próprias senhoras faz falta a castelhanada dessas desbocadas raparigas, que vindas dos prostíbulos médios de Madrid e das fábricas de tabacos de Sevilha, em pouco tempo acham meio de na boa roda, por intermédio dos cavalheiros, interferir um pouco na sociedade íntima das madamas”.

Na vanguarda do desporto
Cascais foi porta de entrada para várias modalidades desportivas em Portugal. Vela, remo, natação, polo aquático, ténis (chamado lawn-tennis, na altura) e até futebol foram alguns dos desportos que chegaram ao país pela mão da ativa comunidade britânica, que aproveitava a época do ócio para conquistar praticantes e adeptos do sport.
Alguns dados indicam que o primeiro jogo de ténis entre portugueses decorreu, em 1882, nos campos do Sporting Club de Cascais, que se assumiu como um dos principais difusores da modalidade no país.
O primeiro campeão nacional de ténis, Guilherme Pinto Basto, foi também o responsável pela primeira exibição de football em Portugal, em conjunto com os irmãos, educados em Inglaterra.
Em outubro de 1888, um grupo de 23 homens e crianças juntou-se nos terrenos do Sporting Club de Cascais para a partida daquela estranha modalidade jogada com os pés. Se pudéssemos assistir ao evento hoje, dificilmente poderíamos evitar algumas gargalhadas, tão desajeitados nos pareceriam os jogadores. Basta pensar nas suas grandes diferenças de idade, no facto de poucos ou nenhuns jogos terem visto até então e no seu insólito equipamento: cada qual à sua moda, uns de camisola às riscas e boina na cabeça, outros de camisa e calças vincadas. Isto para não falar do campo de jogo, preparado pelos próprios “atletas”, que passaram a manhã a remover pedras do recinto.
Porém, a modalidade cativou o público e tornou-se prática comum entre a aristocracia. Em poucos anos, o futebol democratizava-se e transformava-se no rei dos desportos populares.

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