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domingo, 6 de julho de 2014

Baptista Bastos - Quando o ministro Nuno Crato afirma, impante e sem pudor, que o fecho de escolas destina-se a melhorar a qualidade do ensino, penso o que o poder pode fazer a um homem, na aparência sério e honrado.



BAPTISTA BASTOS







Quando o ministro Nuno Crato afirma, impante e sem pudor, que o fecho de escolas destina-se a melhorar a qualidade do ensino, penso o que o poder pode fazer a um homem, na aparência sério e honrado.

Sou produto da escola pública e republicana, e a educação que me ministraram foi marcada por valores e princípios que parecem, hoje, soterrados. Da primária ainda tenho, pelo menos, dois amigos da minha idade. Da António Arroyo, uns mais, e vamos sabendo uns dos outros, com a atenção própria de quem acalenta alguma coisa sentimental que ficou dos alvoroços da juventude. Possuo e alimento memórias de professores inesquecíveis: a dona Odete, bela como um milagre perfeito; de Emílio Menezes, goês, gramático distinto, que nunca desistiu de descriptar, para os alunos, os mistérios aparentes de "Os Lusíadas." O que eu e muitos mais devemos a esses professores abnegados é impagável porque é para toda a vida.

E não é apenas (o que seria incomensurável) o ensino das coisas dos livros. Foi um modo de vida, uma constância de comportamento, digamos assim: uma moral em acção. E andei em muitas escolas, consequência da vida agitada do meu pai. E foi bom porque conheci gente cujo carácter moldou o meu. Para sempre.

Eis porque fico desolado, revoltado e irado quando encerram uma escola. O que tem sido comum, desde que estes senhoritos, seguindo o tenebroso projecto de David Justino, acabam com essas instituições, demonstrando uma frieza que roça a crueldade. Há miúdos, os nossos miúdos, que, para adquirir alguns básicos conhecimentos, têm de percorrer 50 ou mais quilómetros, em condições não só deploráveis como repulsivas numa sociedade actual. O plano de destruição da escola pública prossegue, justificando o Governo, com o número de alunos, essa decisão.

O encerramento de escolas, de tribunais, de serviços de finanças, de centros de saúde, de correios, faz parte de uma ideologia que o dr. Cavaco, por exemplo, considera justa e rodar no caminho certo. Uma ideologia que destrói a coesão nacional, que desertifica o interior do país, que representa um crime de lesa-pátria a que as consciências livres não podem permitir que fique impune. A política governamental não é somente o empobrecimento económico dos mais fracos, corresponde ao enfraquecimento social e a uma disposição que apoia e promove uma elite com dinheiro e com poder.

Quando o ministro Nuno Crato afirma, impante e sem pudor, que o fecho de escolas destina-se a melhorar a qualidade do ensino, penso o que o poder pode fazer a um homem, na aparência sério e honrado. Há muito tempo já, atirei para o caixote dos embustes o livro "O Eduquês", que fora o regalo de muita gente de recta consciência, habituada a ver e a escutar, na televisão, um preopinante, caucionado pela qualidade do que dizia e pela circunstância de ter a seu lado um intelectual íntegro como o prof. Medina Carreira. Mas a vida é como é, e os impostores não nascem, apenas, das circunstâncias, já o são mesmo antes de se revelar.

As pessoas de bem não podem calar-se ou cumpliciar-se com a indiferença ante comportamentos desta natureza. Bem sei, até por experiência própria, que a época não é propícia à rectidão moral nem à coerência ideológica, mas, como cantou Manuel Alegre, "Mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão / há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não."

Nem todas as pessoas são iguais, nem todos os princípios estão soterrados, nem todos os valores foram decapitados, embora a mentira venha de quem a não deveria propalar e pareça caminhar sem castigo nem desafronta. Alguma bruxuleante luz observa-se, já, no horizonte das nossas amarguradas vidas. O castigo a quem tem prevaricado com insistência está a chegar. Tenhamos esperança e coragem.

b.bastos@netcabo.pt

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